Sunday 30 June 2019

Convento e Igreja do «Corpus Christi», aos Fanqueiros

Ora aqui chegamos ao antigo Largo dos Torneiros, — recorda-nos Norberto de Araújo —  que se sucedeu na designação oral de uma antiga Rua dos Torneiros ou da Tornoaria e que, antes do Terramoto, é claro, ia dar ao Largo de S. Nicolau. Vês êste edifício, bem curioso, da esquina, propriedade de rendimento, com lojas de comércio, de um exterior manifesto de antiga Igreja ou Casa Religiosa?

Pois foi aqui, com efeito, um Convento: o do Corpus Christi, ou dos frades torneiros, nome que a êles derivou do sítio onde se arruavam os homens dos tornos.

 

O Convento do Corpus Christi pertencia aos religiosos carmelitas descalços de Santo Alberto, e foi construído em 1648 a expensas da Rainha D. Luiza de Gusmão, em sinal de agradecimento per o Rei, seu marido, haver escapado de um atentado que — diz-se — neste sitio se projectou contra ele. O Terramoto destruiu-o; foi reedificado, mas em 1834 entrou nos próprios nacionais e foi vendido.

O episódio foi rapidamente aproveitado como instrumento de propaganda contra Castela, servindo igualmente para reforçar a tese da protecção divina do reino de Portugal, associada à devoção pelo Santíssimo Sacramento. A capela integrava-se assim num conjunto de obras régias de forte carga ideológica, apresentando-se como um dos primeiros monumentos de celebração do sucesso da Restauração. O convento anexo foi edificado posteriormente, e entregue aos Carmelitas Descalços em 1661, embora as obras se tenham prolongado pelo menos até à primeira década do século seguinte.

Convento e Igreja do «Corpus Christi» [1968]
Antigo Largo dos Torneiros
Rua dos Fanqueiros nº 113-117,Rua de São Nicolau nº 2-16,  Rua dos Douradores nº 50-62
Destruído em 1755 pelo Terramoto e pelo consequente incêndio, sobreviveram parte do corpo da igreja e alguns espaços conventuais, que foram adaptados à estrutura arquitectónica e às ordens impostas para a reconstrução da baixa da cidade e implementado pelos arquitectos da Casa do Risco.
Armando Serôdio, in AML

Da campanha de obras inicial, concebida por Teodósio de Frias, conhecem-se algumas descrições. Segundo fontes coevas, o templo, de planta quadrada, erguia-se sobre um soco baixo, tendo torre sineira e fachada vazada por pórtico de arcada dupla dando acesso ao portal de feição clássica, enquadrado por duas janelas e encimado por frontão ornado com as armas reais e por um nicho. No interior destacavam-se os alçados marcados por grandes arcos redondos, rematados por cimalha e articulados com as trompas de apoio ao zimbório, as seis tribunas, uma de maiores dimensões, e ainda os mármores de revestimento.
Com o Terramoto de 1755 e o incêndio subsequente, o convento terá sofrido destruição quase total, ficando a igreja muito arruinada, embora possivelmente de pé. A sua reedificação no mesmo local não terá sido decidida de imediato, já que para aí esteve inicialmente prevista a vizinha Igreja de São Nicolau. Quando enfim tomou corpo, a reconstrução, a cargo do arquitecto Remígio Francisco de Abreu, integrou os edifícios na malha ordenada da Baixa Pombalina, e o novo convento, ocupando quase todo o quarteirão, foi parcialmente dividido em lojas e apartamentos para aluguer, destinadas a proporcionar rendimento aos frades.

Convento e Igreja do «Corpus Christi» [c. 1940]
Antigo Largo dos Torneiros
Rua dos Fanqueiros nº 113-117,Rua de São Nicolau nº 2-16,  Rua dos Douradores nº 50-62
Eduardo Portugal, in AML

A igreja oitocentista reproduzirá pelo menos os traços fundamentais do templo original, sendo mesmo possível que tenha incorporado parte da estrutura sobrevivente, suposição permitida pela análise da planta e da sua inserção urbanística, dos alçados internos, com cobertura em cúpula assente igualmente em quatro arcos com cimalha corrida, e de alguns revestimentos marmóreos de embutido largo, muito empregue na arquitectura portuguesa da primeira metade do século XVII. A planta centralizada (quadrado de cantos cortados), que constitui caso único na Baixa Pombalina, conserva o simbolismo de moimento, e até de martyrium, do edifício anterior, evocando o milagre da vitória régia sobre a morte, com uma conotação funerária que fora igualmente aproveitada aquando do sepultamento provisório de D. Luísa de Gusmão, em 1666. O espaço interior esteve dividido em sobrados, sendo hoje possível voltar a admirar a sua grande altura, bem como o esplendor dos mármores brancos, negros e rosa, iluminados pelas oito janelas da cobertura.
A actual frontaria é o resultado de uma série de alterações posteriores à extinção das ordens religiosas [1834] e à consequente venda e remodelação do templo e do convento para usos comerciais, nomeadamente o desaparecimento do portal de frontão curvo interrompido da igreja pombalina, de que resta um desenho do século XIX, substituído por três portas de verga recta no piso térreo e igual número de janelas de sacada no segundo andar. As janelas do terceiro andar mantiveram-se, embora com alterações, sendo ainda hoje encimadas pelo frontão contracurvado, único elemento da fachada a recordar a antiga função religiosa, apenas coadjuvado pelo zimbório octogonal que sobressai da regularidade dos telhados pombalinos.

Convento e Igreja do «Corpus Christi» [c. 1940]
Antigo Largo dos Torneiros
Rua dos Fanqueiros nº 113-117,Rua de São Nicolau nº 2-16,  Rua dos Douradores nº 50-62
A original igreja de planta circular com o zimbório octogonal encimado por um pináculo é
ainda visível actualmente, bem como o portal da entrada da igreja, hoje convertido em acesso
a um prédio típico da baixa.
Eduardo Portugal, in AML
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p.39, 1939.
SOROMENHO, Miguel, SANTOS, Maria Helena Ribeiro dos, O Convento de Corpus Christi: um caso de estudo, Monumentos, n.º 21, pp. 116-131, DGPC, 2004.

Friday 28 June 2019

Rua dos Fanqueiros

A Rua dos Fanqueiros — diz Norberto de Araújo — é o primeiro produto que eu te mostro da imaginativa simétrica dos arquitectos de Pombal.
Destinada aos mercadores de fancaria, de lençaria e de quinquilharia — se para estes houvesse espaço — começou por chamar-se Rua Nova da Princesa (e ali tens o dístico no cunhal da Rua), e, por vezes, Rua Bela da Princesa por analogia cem a Rua Bela da Rainha (Rua da Prata), ou simplesmente Rua da Princesa. Vinte anos depois do Terramoto era Rua Nova dos Fanqueiros, e, depois, Rua dos Fanqueiros.

 

Rua dos Fanqueiros [1911]
 Rua de Santa Justa; Comemoração do 1.º aniversário da República.
António Novais, in AML

A estrutura urbanística da cidade de Lisboa foi largamente determinada pelo terramoto extremamente intenso que destruiu grande parte do núcleo urbano em 1 de Novembro de 1755. O sismo e o vasto incêndio que se lhe lhe seguiu causaram cerca de 10 000 mortos e perdas materiais incalculáveis em edifícios e bens patrimoniais móveis. Na ausência do Rei D. José, que temia regressar à capital, o longo e complexo processo de reconstrução foi dirigido por Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro do Reino e futuro Marquês de Pombal.

Rua dos Fanqueiros, 39-40 [c. 1910]
«Drogaria e perfumaria Dias»
Após a requalificação toponímica de 1950, este troço foi integrado na actual Praça da Figueira, 11.
Joshua Benoliel, in AML

A sua parte principal define-se entre o Terreiro do Paço e o Rossio, regularizando as duas praças tradicionais e criando, de uma para outra, uma rede de ruas longitudinais e transversais, cortando-se em ângulos rectos, com importância variada que é expressa pela largura dos seus leitos, passeios (e esgotos), inovação nos hábitos urbanos. Do terreiro ribeirinho partem três ruas «nobres»: Áurea, Augusta e Bela da Rainha (da Prata), das quais as duas primeiras desembocam no Rossio e a outra contra a fachada lateral do velho Hospital Real de Todos-os-Santos que daria sobre o Rossio mas que, não sendo reconstruído (passou ao Convento de Sant'Antão/S. José), abriu espaço para uma praça paralela a este, onde se instalou, primeiro provisória e depois definitivamente, um mercado (Praça da Figueira). Ainda duas ruas paralelas a estas, Nova da Princesa (dos Fanqueiros) e da Madalena, têm igual comprimento, enquanto outras três, na mesma direcção, se entremeiam, a partir da terceira das três grandes vias transversais a contar do Terreiro do Paço — a primeira das quais e a Rua Nova d'El-Rei (do Comércio) que adoptou, corrigindo-a geometricamente no alinhamento, a direcção da velha e famosa Rua Nova dos Ferros. Entre todas estas ruas definem-se também quarteirões longitudinais e transversais, num ritmo dinâmico que vitaliza a malha urbana, salvando-a da monotonia aparente.

Rua dos Fanqueiros, 152-160 [c. 1910]
Após a requalificação toponímica de 1950, estes prédios correspondem aos números de polícia 34-44, junto à Rua do Comércio.
Alberto Carlos Lima, in AML

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 38, 1939.
FRANÇA, José-Augusto, Lisboa: Urbanismo e Arquitectura, pp. 45-46, 1980.

Wednesday 26 June 2019

Corridas dos Ofícios em Alvalade

A «Corrida dos Ofícios» foi um dos eventos marcantes de Alvalade — que teve início nos anos 50 do século XX e decorreu durante largos anos — , ocorria no fim do mês de Junho e integrava-se nas festas da cidade.. Como o próprio nome indica, a corrida era uma amostra das profissões mais tradicionais da altura, onde se incluíam ofícios já hoje extintos ou em vias de extinção — engraxadores, boletineiros, varinas, entre outros— , que competiam entre si, num percurso que tinha início no Largo Heitor Pinto e prolongava-se pela Avenida da Igreja. Uma corrida com história que, para além de valorizar as profissões da época, ainda dinamizava todo o bairro, deixando saudades e memórias em Alvalade: «Eram milhares de pessoas que se apinhavam na avenida para verem cantoneiros, engraxadores, varinas, ardinas, empregados dos cafés, carteiros, a disputarem as provas que os fariam reis, por um ano, da sua actividade profissional».
A Corrida dos Ofícios contava com 8 profissões distintas: Padeiro, Cantoneiro, Empregado de Mesa, Peixeira, Engraxador, Galinheira, Leiteiro e Costureira.
Festejo que se perdeu ao longo dos tempos, o último acontecimento foi nos anos 90.

Avenida da Igreja [1953]
Corrida dos ofícios: galinheiras
Ao fundo, em construção, a Igreja de São João de Brito no Largo de Frei Heitor Pinto|
Armando Serôdio, in AML
Avenida da Igreja [1954]
Largo Frei Heitor Pinto; ao fundo, a Igreja de S. João de Brito em construção
Corrida dos ofícios, boletineiros
Armando Serôdio, in AML

O topónimo "Avenida da Igreja" deriva da Igreja de S. João de Brito que foi inaugurada em 2 de Outubro de 1955. O projecto foi concebido pelo arquitecto Vasco Morais Palmeira (Regaleira), no ano de 1951. A construção iniciou-se em 1952, dirigida pelos engenheiros Pinheiro da Silva e Marques da Silva e pelo construtor Diamantino Tojal.
A fachada principal, em forma de empena muito pronunciada, tem no cimo a torre sineira e uma cruz de ferro forjado, com 5 metros de altura. Ao centro apresenta uma grande janela com vidros em losango, que tem à sua frente a estátua de orago, de granito, esculpida por Joaquim Correia. No cimo desta janela estão as armas do Cardeal Patriarca de Lisboa.

Avenida da Igreja [1954]
Corrida dos ofícios: cantoneiros
Ao fundo, em construção, a Igreja de São João de Brito no Largo de Frei Heitor Pinto
Armando Serôdio, in AML
Avenida da Igreja [1958]
Corrida dos ofícios: varinas
Ao fundo vê-se a Igreja de São João de Brito no Largo de Frei Heitor Pinto
Armando Serôdio, in AML

Bibliografia
agendalx.pt.
cm-lisboa.pt.

Sunday 23 June 2019

Café (do) Gelo

O Café Gelo, restaurado em 1939, data de 1883, principiou por ser cervejaria [Botequim do Gonzaga, «um roliço botequineiro do Rocio» (Palmeirim, 1891)]; na renovação foi colocado na sala sobre o Rossio, num ângulo de parede, um duplo baixo relevo o «Vinho» e a «Cerveja», de A. Mesquita, e nas paredes das duas salas vários quadros de Albertino. [Araújo, 1939]


Foi no despontar do novo século — diz M. Tavares Dias — que os cafés da Baixa e do Chiado assumiram de vez a sua vocação histórica. Se o Romantismo tivera como tribuna e símbolo o Marrare do Polimento, se geração de 70 resumira o esplendor da cidade culta às mesas do célebre Martinho, a nova centúria viria justapor uma aura de lenda a qualquer local onde fosse exercida a venda de café à chávena. Sobre um tampo de mármore e devidamente acompanhado pelo refastelo da cadeira e da leitura do jornal, qualquer mistura fazia a fama de uma casa. Em breve se deram conta disso os proprietários da Brasileira que, fundada em 1905, começara por vender lotes de café ao balcão. O negócio impôs, dentro de meses, instalação de mesas e cadeiras. O Chiado elegante (agora muito mais comercial do que em 1850) exigia paradouro para tertúlia e não um mero posto de venda. E a Brasileira transformar-se-ia na principal herdeira da fama do Marrare e do Martinho. Mas muitos foram os estabelecimentos célebres ao longo do século XX.

Café do Gelo [c. 1910]
Praça D. Pedro IV, 64-65
O Café do Gelo, por volta de 1907, tinha umas mesas redondas, onde eram discutidas as políticas, as ideias, criticava-se e até se insultava. Tudo era falado no Café do Gelo. O Café do Gelo era, para o poder, o antro dos republicanos e da Carbonária.
Alberto Carlos Lima. in AML

 O Café do Gelo, nos números 64-65 do Rossio, possuía já velha reputação revolucionária quando, em 1907, foi ponto de encontro dos estudantes duma célebre greve académica — cujo extraordinário impacto fazia já prever os acontecimentos políticos dos anos seguintes. E foi dali que, segundo muitos testemunhos, saíram Alfredo Costa e Manuel Buíça na primeira manhã de Fevereiro de 1908, direitos ao Tenreiro do Paço. para dispararem sobre a família real. A mesa do Buiça era conhecida no Gelo e Raul Brandão fala dela nas suas Memórias. Dizia-se também que a arma que Buiça usou no regicídio — uma Winchester número 2131 — fora comprada mesmo ao pé do café, na Espingardaria  A. Montez do Largo Camões (Praça D. João da Câmara).
A fama revolucionária do Café do Gelo continuou pelas décadas adiante. Entre 1954 e 1955 beneficiou de uma remodelação completa, com substituição das antigas portas ao estilo oitocentista pela fachada envidraçada que ainda podemos ver no local. Foi também nessa altura que passou a ser conhecido apenas por Café Gelo, perdida que estava a necessidade de o designar de acordo com uma especialização do serviço. Em 1950 — plena época das carripanas de "esquimós" — os gelados não eram já, de modo algum, coisa considerada rara e exclusiva de certos cafés. Após estas obras, o estabelecimento transformar-se-ia em centro de reunião para os surrealistas cuja tertúlia ficou conhecida como «grupo do Gelo».[...]

Café do Gelo [1961]
Praça D. Pedro IV, 64-65
A nova fachada com o letreiro luminoso.
Artur João Goulart. in AML

Em 1962, durante a manifestação proibida do Primeiro de Maio, a polícia de choque estreou o depois famigerado «carro da água» no Rossio, inundando tudo de tinta azul. Foi uma das manifestações mais violentas de oposição ao regime de Salazar. Muitas montras da Baixa ficaram reduzidas a cacos, empedrado e grades do Rossio serviram de armas defensivas, houve vários feridos e um morto. Como nos tempos da Maria da Fonte ou dos comícios anti-monárquicos, a Guarda Republicana desceu do Carmo para ajudar a controlar a situação. Dentro do Gelo, escudados pelas mesas, alguns clientes habituais decidiram munir-se dos açucareiros de metal e arremessá-los, porta fora, à polícia. No dia seguinte a PIDE mandou averiguar junto do proprietário quem teriam sido os causadores de tais desacatos. Na sequência duma recusa de denúncia, houve a ameaça: o café fecharia se voltasse a abrigar gente suspeita. A tertúlia do Gelo ter-se-á então deslocado para norte, em direcção ao Palladium e a território mais seguro.

Café do Gelo [1966]
Praça D. Pedro IV, 64-65
Em 1883 chamava-se «Botequim do Gonzaga», passando depois para «Café Freitas» e finalmente «Café do Gelo». Na década de 1950 sofreu foi remodelado e passou a chamar-se «Café Gelo».
Fotografia anónima

Nos seus últimos anos (décadas de 70 e de 80), pouco ou nada sobrava já do antigo Café do Gelo. Mantinha o nome evocativo, mas a gerência tinha transformado a sala num snack-bar, estilo come-em-pé, com fabrico de pastelaria. O néon com a palavra «Gelo» foi finalmente apeado da fachada no início da década de 90. Hoje [1999], no mesmo lugar, pode ler-se a designação do fast-food em que se transformou: Abracadabra.

Nota(s): Dizem-nos, entretanto, que em 2007 o fast-food encerrou e o Café Gelo recuperou o nome e
reabriu completamente remodelado. 

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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 70, 1939.
DIAS, Marina Tavares, Os Cafés de Lisboa, pp. 93-95, 1999.

Saturday 22 June 2019

Palacete dos Viscondes dos Olivais

Eis-nos na Rua de Buenos Aires — diz Norberto de Araújo — , que nasce dos Navegantes e pela qual a linha de eléctrico até Garcia de Orta, continuando Buenos Aires até às terras que deram o nome ao Chafariz das Terras. Também esta artéria tem pouco que referir, pois não leva mais que oitenta anos [c. 1860], de seu começo mal edificada. [...]
Aqui temos no n.º 16, o Palacete que era dos Viscondes dos Olivais e que pertence hoje ao Dr. António Madureira Bastos; foi edificado em 1860, se não de alto a baixo, pelo menos transformado completamente dum prédio aqui existente. A fachada pouco tem de nobre, mas, a-pesar-da sua decrepitude, ou talvez do abandono a que o prédio está votado, avulta como a única construção representativa desta Rua do século passado.

Palacete dos Viscondes dos Olivais (Instituto Industrial de Lisboa) [1938]
Rua de Buenos Aires, 10-12
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Desconhece-se quando e porquê se fixou este topónimo na memória de Lisboa, apenas se sabendo, de acordo com Gomes de Brito, que era o “Sítio de Bonés Ares” tal como é referido na Relação universal de 1786 e mais tarde, surge também no Itinerário lisbonense de 1818 como «Rua de Buenos Ayres».
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VII, 1938.
cm-lisboa.pt.

Wednesday 19 June 2019

Uma montanha-russa no Parque Eduardo VII

A Avenida [da Liberdade] tinha os seus coretos onde aos domingos tocavam as bandas, a Rotunda tinha os tapumes de metro e meio para a futura estátua do Marquês e o Parque de Eduardo VII era um terreiro escalvado que servia para tudo, como os campos da feira das terras da província. 
Havia revoluções, o primeiro golpe estratégico era conseguir ocupar a Rotunda. Abriam-se trincheiras, colocavam-se peças e começavam a bombardear da Rotunda. Nos intervalos das escaramuças políticas, o alfacinha pegava no farnel e no garrafão e ia arejar para a Rotunda. Aparecia uma companhia de circo com montanha russa e fantoches, acampava na Rotunda. O grande Luna-Park foi a delícia dos lisboetas. [...] 
Na Rotunda caía Lisboa em peso. Comia-se um petisco e dava-se um passeio nas águas mansas já que a ida até Cacilhas era um prazer muito experimentado.

Parque Eduardo VII [193-]
A montanha-russa do Luna-Park — quando funcionou pela primeira vez — junto à Avenida António Augusto de Aguiar.
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
AMARO, José, Cartas de um moinho saloio, p. 161, 1974.

Sunday 16 June 2019

Chafarizes de Sant'Ana

Este Largo do Mastro é que foi o sítio exacto do «Campo do Curral» — recorda-nos o insigne olisipógrafo Norberto de Araújo. Mas é preciso não perderes de vista que essa cortina — o muro paredão que sustenta o jardim do Campo dos Mártires da Pátria — não existia sequer até hà cem anos [c. 1838]. Desde o Convento de Sant'Ana até ao Paço da Rainha (isto é: desde o Instituto Bacteriológico até à Escola do Exército), o pavimento, em encosta, era todo um, com mal pronunciada ondulação de terreno.


Adossado ao muro paredão que sustenta o jardim do Campo dos Mártires da Pátria encontramos o Chafariz do Campo de Santana virado ao Largo do Mastro. O muro é em cantaria de granito aparente, em aparelho isódomo e está fronteiro a pequena faixa de passeio público, pavimentado a calçada, a qual confina com um parque de estacionamento.
Chafariz simplista de planta rectangular, construído em 1887, autor desconhecido, assente em plataforma de dois degraus em cantaria de calcário lioz e vermelho. É executado em cantaria de calcário lioz, composto por espaldar rectilíneo, encimado por recortes lobulados e, ao centro, pequeno espaldar contracurvado, onde surgem as armas municipais, emolduradas por painel circular e a data «1887». Cada um dos lóbulos, com molduras múltiplas circulares, possui uma bica em chumbo, rodeada por pétalas de flores, que vertia para tanque rectangular, de perfil galbado, assente em pequeno rodapé rectilíneo, com bordos boleados; o interior encontra-se tripartido por blocos de cantaria, capeados a cimento, com escoamento metálico. No espaldar e no bordo do tanque surgem vestígios das antigas réguas de apoio ao vasilhame. No lado esquerdo, surge um vão de verga recta e moldura simples, protegido por porta metálica, pintada de verde, de acesso à caixa de água.
Monumento Nacional desde 2002.

Chafariz de Santa Ana [1944]
Largo do Mastro
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

Nas imediações, situa-se um segundo chafariz, denominado Chafariz do Largo do Mastro. [vd. 2ª foto]
Este chafariz foi inaugurado em 1848, em Belém, no sítio do Chão Salgado, por iniciativa camarária, com projecto do arq. Malaquias Ferreira Leal. Na sua construção foram utilizados elementos escultóricos do Chafariz do Campo de Santana [vd. N.B.], que nunca chegou a ser construído, nomeadamente 4 golfinhos da autoria do escultor Alexandre Gomes. Por ocasião da Exposição do Mundo Português, em 1940, o chafariz foi retirado do local original e mais tarde, em 1947, reutilizado no Largo do Mastro, ao Campo de Santana. Chafariz elegante, de boa cantaria, em forma de obelisco, que apresenta uma urna de curvas reentrantes e de 4 faces, das quais emerge, respectivamente, um golfinho com a função de bica. A rematar este núcleo decorativo eleva-se uma alta pirâmide hexagonal, estriada, cintada por faixa lisa a um terço de altura, coroada por uma pinha.

Chafariz do Largo do Mastro [1947]
Largo do Mastro
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

N.B. Quanto ao novo e esplendoroso Chafariz de Santa Anna — que viria substituir o chafariz "interino" que ali existia — , diz-nos a Memória de Velloso de Andrade, que o projecto foi abandonado por razões desconhecidas:
"Esse Chafariz, se se fizesse conforme o risco approvado, era de tamanha architectura, que devia conter as quatro figuras que estiveram no Lago do Passeio Público; o Tejo, e o Douro, que ainda existem no dito Passeio; os quatro Golfinhos, que se acham no Chafariz de Belém, e as quatro Carrancas, que serviram para o Chafariz d'Alcântara; como tudo se mostra no dito risco. As figuras acima ditas, foram feitas pelo Portuguez Alexandre Gomes, por 3:746$246 réis, incluindo 706$S46 réis, importe das seis pedras postas no telheiro ao Campo de Santa Anna, aonde as ditas figuras foram feitas; pelas quaes um Lord Inglez offerecia doze mil cruzados.[...]

Chafariz de Santa Ana [finais do  séc. XIX]
Campo dos Mártires da Pátria
Foi demolido em finais do séc. XIX aquando da construção do Jardim dos Campos dos Mártires da Pátria vulgo Campo de Santana; a dir. nota-se uma clarabóia do Aqueduto e, ao fundo, vê-se o prédio sito nos Campo dos Mártires da Pátria, 96, erguido em 1854 e que ainda lá está.
Autor não identificado, in Lisboa de Antigamente

Este chafariz n.º 6 situava-se a norte do Campo de Santa Anna (Campo dos Mártires da Pátria) sobre a antiga Carreira dos Cavallos, hoje Rua de Gomes Freire, conforme atesta o levantamento topográfico realizado em 1858 por Filipe Folque [vd. carta topográfica]Em 1838 "foi reformado, pondo-se-lhe em frente um semicírculo de columnellos, cujo espaço foi calçado de novo"
Em 1851, o Chafariz do Campo de Santa Anna (chafariz n.º 6) tinha 4 bicas, 2 tanques, 5 companhias de aguadeiros, 5 capatazes e cabos, 165 aguadeiros e 2 ligeiros. Os sobejos foram concedidos ao Hospital de S. José, por Ordem de 23 de Maio de 1792. Abastecia, por volta de 1850, o antigo Hospital de Rilhafoles (hoje Miguel Bombarda) e o Asilo de Mendicidade (hoje Hospital dos Capuchos). 

Local do Chafariz do Campo de Santa Anna em 1858
Levantamento topográfico de Lisboa sob a orientação de Filipe Folque, 1858 (excerto)
A vermelho está assinalado o chafariz e o Aqueduto que levava a água ao Chafariz do Campo de Santa Anna; a azul, a antiga Carreira dos Cavallos, hoje Rua de Gomes freire.
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IV, pp. 61, 1938.
VELOSO DE ANDRADE, José Sérgio , Memória sobre Chafarizes, Bicas, Fontes e Poços Públicos de Lisboa, Belém e muitos lugares do Termo., 1851.
cm-lisboa.pt.

Friday 14 June 2019

Largo do Mitelo, Paço da Rainha e Pátio do Costa

O Paço da Rainha fica situado entre os Largos do Conde Pombeiro e do Mitelo e a Rua da Escola do Exército tem o Paço de que advém o topónimo, também conhecido como Palácio da Bemposta já que nos séculos XVII e XVIII o sítio era designado por Bemposta Grande.
A Rainha a que o Paço se refere é D. Catarina (1638-1705), filha de D. João IV, que casou com Carlos II de Inglaterra e que ao enviuvar regressou a Portugal em 1693 e acabou por fazer casa no lugar do Campo da Bemposta, em 1649, a qual já habitava em 1702.

Largo do Mitelo e Paço da Rainha |1943|
Do lado esq., junto ao gradeamento, vê-se o Pátio do Costa vulgo «do Gato» seguido da capela do Palácio da Bemposta
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Este topónimo [Paço da Rainha] retomou em 1954 o topónimo mais antigo, fixado seguramente após 1702. No entanto foi denominado Largo da Escola do Exército pelo Edital de 05/11/1910 e depois, pelo Edital de 17/10/1924, passou a designar-se Largo General Pereira de Eça. [cm-lisboa.pt]

Largo do Mitelo, 16 |1900|
Pátio do Costa vulgo «do Gato»
Machado & Souza,in Lisboa de Antigamente

Wednesday 12 June 2019

Largo do Mitelo

Fosse como fosse, no fim dos exames do ano de 1871 José Valentim deixa o colégio — sem saudades, e passa a praticante de uma farmácia de Lisboa — a farmácia do Altinho ou da Peça — no Largo do Mitelo. O prédio da botica — em vez da botica está lá hoje uma espécie de baiúca ... — encontra-se no fundo do Largo e faz esquina para a Rua da Bempostinha. Ainda se lá vêem, por cima das portas da antiga farmácia uns azulejos com a palavra Altinho; e à esquina do prédio, que pertenceu aos herdeiros da marquesa de Pomares, está a peça que motivou o nome por que a farmácia era também conhecida.


Estamos no Largo do Mitelo — diz Norberto de Araújo. A designação e dístico municipal deriva da presença simpática deste palácio de nobre aparência, fazendo esquina com o Largo do Mastro, e que «enche a rua», como diz o povo acerca de uma coisa vistosa. É das edificações urbanas mais curiosa  do sítio da Bemposta.

Largo do Mitelo [1957]
Ao fundo vêem-se as casa do Altinho; à dir., a Rua da Bempostinha e (parte) do Palácio Mitelo
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Arruamento na confluência do Paço da Rainha, Rua da Bempostinha e Largo do Mastro que de acordo com Gomes de Brito, se refere ao desembargador Alexandre Metelo de Sousa Menezes (1687–1766) que faleceu no seu palácio erguido neste largo e por corruptela se transformou em Mitelo.
Ainda segundo Gomes de Brito, no mesmo palácio moraram o Conde da Lapa e o Marquês de Pomares, que foi Presidente da Câmara de Lisboa. A ermida do palácio do desembargador Metelo também foi o local de acolhimento do Santíssimo Sacramento da Igreja dos Anjos após 1755 e até à reconstrução do templo.

Largo do Mitelo [1900]
Casa do Altinho, observe-se os azulejos com a palavra «Altinho»; à dir., a Rua da Bempostinha e (parte) do Palácio Mitelo.
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa, Fialho, 1943.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IV, p. 45, 1938.
cm-lisboa.pt.

Sunday 9 June 2019

Ponte de Alcântara

Alcântara, que hoje faz parte de Lisboa, era há poucos anos um dos arrabaldes — escrevia Angelina Vidal por volta do ano de 1900. Ficava fora das muralhas de D. Fernando. 

Todos ai se lembram da ponte que formava a barreira de Lisboa, sobre o caneiro de Alcântara, de mefítica memória.

Al-cantara é palavra árabe que significa a ponte. Ficou com o nome que lhe davam os mouros, como afinal muitas palavras do seu idioma vieram até nós mais ou menos deturpadas.


A grande ponte de Alcântara é celebre pelos combates de 14 de Maio de 1805, e 10 de Junho do mesmo ano. Ali se encontraram os heróicos soldados da Leal Legião Lusitana com as tropas invasoras, às quais aplicaram uma soberba derrota. Ficou memorado o valor e sangue frio dos nossos, nessas duas batalhas.
Também aqui se deu a desgraçada batalha de 25 de Agosto de 1580 [vd. 4ª imagem], na qual ficou derrotado D. António, Prior do Crato, e com ele vencido o nobre Portugal durante sessenta anos.
O combate tinha sido um arrojo da parte dos aportugueses, e só se pôde explicar por fanatismo patriótico. Quatro mil homens apenas compunham o exército de D. António, e esses mesmos mal armados, sem conhecimentos militares, e eram estes a fazer face a vinte e dois mil soldados do Duque de Alba, bem instruídos, bem armados e bem alimentados
Além do que não era só a força militar como também a marítima, constando de uma forte esquadra, que enchia o rio de Alcântara, ao tempo muito maior que modernamente.
Alcântara estava ainda quasi desabitada. Só depois da restauração se foi povoando, principalmente desde que D. Afonso VI foi habitar o palácio real do Calvário.
D. Pedro II também gostava muito do sitio, e aqui passava a estação calmosa; morreu neste palácio. Pouco a pouco se foi enchendo de arruamentos até que em 1755 já formava uma paróquia extra-muros.

Ponte de Alcântara em meados do séc. XIX
Nesta gravura vê-se a ponte já com a iluminação a gás e observam-se os portões em ferro das barreiras

e casas da guarda e a casa da apalpadeira que condicionavam o acesso à cidade de Lisboa. Sobre o lado norte da ponte ergue-se a estátua de S. João Nepomuceno. Numa planta datada de 1727, o comprimento da ponte, medido nas guardas, era de 90 metros, aproximadamente, e a largura de 6,2m.
Gravura por Cazellas, in Lisboa de Antigamente

O antigo riacho que ali correra, e que ultimamente estava consideravelmente reduzido pelo desvio de aguas, que a ele aluíam, principalmente antes da construção do monumental Aqueduto, — obra que seria desnecessária se a esse tempo fosse já conhecida uma  singelíssima lei física com respeito à propriedade que assiste às correntes de agua canibalizadas, — tornara-se um foco de emanações pútridas, de miasmas fétidos, de perigosa vizinhança. O Caneiro de Alcântara foi afamado como uma das coisas mais dignas de lástima e mais repugnantes da capital que o teve por muito tempo por limite naquele ponto.
É um dos importantes benefícios que se deve ao progresso, a eliminação daquele foco infeccionante.
A prolongação da linha férrea de Cascais até ao Cais do Sodré e o estabelecimento da linha de Cintura, que liga a Estação de Alcântara com a do Norte, realizaram esta obra meritória. O velho Caneiro foi coberto em longa extensão, desaparecendo a antiga ponte.

O sítio da Ponte de Alcântara [1941]
O seu local era na junção das actuais Ruas de Alcântara  — donde é tomada a foto — e do Prior do Crato, D. António, na direcção dos carris da viação eléctrica, e perpendicularmente à linha férrea que vai da estação de Alcântara-Terra para a de Alcântara-Mar pelo leito da Rua de João de Oliveira Miguens. As cancelas da passagem de nível do caminho de ferro marcam aproximadamente o vão do arco central do ponte, e a linha da frontaria do Mercado de Alcântara e os topos fronteiros dos muros divisórios do terreno  do leito da linha férrea marcam a largura da ponte.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Na ponte [...] esteve uma estátua colossal de S. João Nepomuceno. primoroso trabalho de escultura feito pelo insigne escultor João António de Pádua, e colocada em 1743. No pedestal mandaram os moradores do bairro pôr uma inscrição que dizia: — A S. João Nepomuceno, novo taumaturgo do mundo, dominador da terra, do fogo, da agua e do ar, e sobretudo aplacador dos mares, um seu devoto, reconhecido para com o seu protector, ergueu estátua, no ano de 1743, depois de salvo.
O artista que tez esta estátua notabilizou-se em vários trabalhos de mérito superior, como os celebres púlpitos da igreja do Colégio de Santo Antão de Lisboa, o trabalho esculturado da capela-mor da igreja de S. Domingos, as imagens da capela-mor da Sé de Évora, etc. Pedro António Luques, hábil artista cinzelador, cooperou brilhantemente em todos os principais trabalhos de Pádua.

Ponte de Alcântara em 1862
Vê-se a estátua de S. João Nepomuceno com o seu gradeamento
(que consta era em bronze) erigida em 1743 e apeada c. de 1887, e á direita o começo da estrada e do muro de circunvalação construidos em 1845.
Gravura por Nogueira da Silva, in Archlvo Pittoresco

Esquecia-nos dizer que a estátua de S. João Nepomuceno foi arrancada de cima da ponte e mudada para o Museu do Carmo [onde se encontra na ala do cruzeiro, do lado da Epístola]. Ouvimos que a operação foi feita com tanta delicadeza que a estátua ficou truncada.
As dimensões desta obra monumental que se conserva. são: Plinto: 1,17m x 1,5m de frente, e 2,65m de altura; estátua com a sua base: 3,35m de altura; altura total: 6,0m.

Ponte de Alcântara
Portrait du site et ordre  de La bataille donnée entre le sr. don Antonio nommé Roy de Portugal et Le duc Dalba Lieutenant et capp.ⁿ général du Roy cath. Dom Philippe II devant Lisbonne par mer et par terre en un mesme jour le 25 d'aout 1580.
Desenho que representa a  batalha travada em 1580 nas vizinhanças da ponte de Alcântara, entre as tropas do pretendente D .  António e as do Duque de Alba. Vê-se ao centro (assinalada com um circulo) a ponte representada de cantaria com o  tabuleiro horizontal,  e com três arcos de volta Inteira; .ao meio está levantada uma barricada.
Desenho, in Lisboa de Antigamente

N.B. Com os elementos de que dispomos — diz o eng.º A.Vieira da Silva — , devemos presumir que a ponte era construída de cantaria, e teve de origem três vãos de arcos, sendo o central de volta inteira; que o oriental, por desnecessário, foi entaipado talvez no século XVII; e que o  ociental  foi vedado nos meados do século XIX. 
No arquivo do extinto Ministério das Obras Públicas existiam os desenhos de um projecto de regularização da ribeira e alargamento da ponte, em que esta e as suas circunvizinhanças estavam representadas. A planta destes projectos deve ser do 3.º quartel do século XVIII (1759 a 1769), em que o 1.º ministro de D. José era conde de Oeiras), e mostra um arco grande, e um mais pequeno perto do extremo ocidental da ponte. Parece dever Inferir-se que no 3.º quartel do século XVIII a ponte só conservava dois arcos dos três mencionados, ou que então possuía os. três, mas estando o oriental já tapado ou inutilizado.
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Bibliografia
VIDAL, Angelina, Lisboa antiga e Lisboa moderna: elementos históricos da sua evolução, 1900.
Olisipo: boletim do Grupo «Amigos de Lisboa»,  A Ponte de Alcântara e suas circunvizinhanças: notícia histórica, por A. Vieira da Silva, 1942.

Friday 7 June 2019

Rua de Alcântara: «Sociedade Promotora de Educação Popular»

Alcântara é nome de origem árabe — Al-quantãrã — e significa «a ponte». Norberto de Araújo recorda como «a existência da ponte é um facto antiquíssimo e naturalíssimo», visto aí passar a tal ribeira «hoje [1939] entaipada com o seu caneiro». «De madeira, de pedra, com uma configuração rudimentar, ou traçada já com expressão ajustada a trânsito largo — a ponte de Alcântara (e «Alcântara» significa «a ponte», como é sabido) existiu sempre».

Rua de Alcântara [1939]
 Do lado dir. vê-se  o prédio ocupado pela «Sociedade Promotora de Educação Popular»;
prédios entretanto demolidos para abertura da Praça Gen. Domingos de Oliveira na década de 1960.
Eduardo Portugal, in AML

A «Sociedade Promotora de Educação Popular» foi uma associação educativa fundada em Lisboa a 30 de Setembro de 1904, por influência maçónica. Estava sedeada, na Rua de Alcântara, nº 6, 2º. A Sociedade tinha como objectivo promover a assistência e a formação de crianças e adultos. Para tal criou cursos diurnos e nocturnos.

Rua de Alcântara [c. 1910]
«Sociedade Promotora de Educação Popular»
Prédios demolidos para abertura da Praça Gen. Domingos de Oliveira na década de 1960.
Joshua Benoliel, in AML

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, 1939.
cm-lisboa.pt.

Wednesday 5 June 2019

Avenida Casal Ribeiro

A Avenida Casal Ribeiro integra o plano de expansão da cidade iniciado em 1879 com a demolição do Passeio Público para dar lugar ao leito da avenida da Liberdade, iniciativa posteriormente consolidada e desenvolvida através do projecto da “avenida das Picoas ao Campo Grande e ruas adjacentes” .


A Avenida Casal Ribeiro nasceu por via do Edital municipal de 29 de Novembro de 1902, para ser o topónimo da via pública que existia entre a Praça Duque de Saldanha e o Largo de Dona Estefânia. Entre Setembro de 1900 e Agosto de 1906 encontramos diversos documentos municipais relacionados com a execução da «Avenida do Conde de Casal Ribeiro», nomeadamente que foram expropriados e trocados terrenos para o efeito, como Espinhaço de Cão e Terra do Alto.

Avenida Casal Ribeiro [1926]
Cruzamento com a Avenida Defensores de Chaves (à dir.) e Rua Actor Taborda (à esq.)
Os dois edifícios na Avenida Casal Ribeiro — tornejando para a Rua Actor Taborda — nos números 35 (de onde é tomada a fotografia) e 37, ainda lá estão. Em último plano a Praça Duque Saldanha.
Fotografia atribuída a Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente

O homenageado é José Maria do Casal Ribeiro (1825--1896), conde de Casal Ribeiro por decreto régio de 28 de maio de 1870, que foi um político do rotativismo português dos finais do séc. XIX e como tal foi deputado, para além de ter desempenhado os cargos de Ministro da Fazenda (de 16 de Março de 1859 a 20 de Julho de 1860), dos Negócios Estrangeiras (de 24 de Abril a 4 de Junho de 1860 e de maio de 1866 a 4 de Janeiro de 1868), e ainda das Obras Públicas, Negócios e Indústria (de 9 de maio a 6 de Junho de 1866), de Conselheiro de Estado bem como de embaixador em Paris e Madrid.

Avenida Casal Ribeiro, sul [1964]
Cruzamento com a Avenida Defensores de Chaves (à esq.) e Rua Actor Taborda (à dir.)
Ao fundo encontra-se o Largo de D. Estefânia-
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Cadernos do Arquivo Municipal, 2016.
cm-lisboa.pt.

Sunday 2 June 2019

Palácio Valadares

O antigo Palácio Valadares, com sua fachada sobre o Largo do Carmo e em extensão sobre a Calçada do Sacramento, à parte o seu passado histórico, vale apenas pelo corpo da frontaria, na qual se rasga uma varanda armoriada.


O Palácio Valadares, no Largo do Carmo, é uma construção setecentista, desluzida de expres­são arquitectónica, mas cujo núcleo urbano, destruído pelo Terramoto, muito longe recuava, possuindo por isso uma significação olisiponense histórica, que é a única justificação do relevo desta notícia. No século XIII neste Sítio da Pedreira, e no local do Palácio Valadares, assentaram as casas do «Estudo Geral» — embrião da Universidade de Lisboa — , criado por D. Dinis, em 1290, e já a funcionar nesse próprio ano ou no seguinte. Pouco tempo depois, em 1802, as casas foram doadas pelo mesmo rei aos judeus Navarros, de Beja, arrabis-móres, mas logo em 1819 as mesmas casas, com seus largos terrenos de logradouro, passaram, por doação também, ao almirante geno­vês Manoel Peçanha (Pessanha, pelo decorrer do tempo), conservando-se a propriedade nos seus descendentes e sucessores, com algumas intermitências, durante todo o século XV. No princípio do século XVI estava a propriedade na posse dos Meneses, Condes e Marqueses de Vila Real, e nela se continuou até 1641, ano em que, por conspiração contra D. João IV, foram justiçados D. Luís de Meneses, 7 ° Marquês de Vila Real, e seu filho D. Miguel de Meneses, 2.º Duque de Caminha. Vagou então a propriedade para a Coroa, doando.a logo o soberano a seu filho, o Infante D. Pedro; certo é ela pertencer, em 1653, a D. Álvaro Abranches, um dos aclamadores de D. João IV, cuja filha, e única herdeira, casou no ano seguinte com D. Miguel Luís de Meneses, neto dos Vila Reais, feito Conde de Valadares em 1702, por ajuste com D. Pedro II, pelo direito que tinha, D. Miguel Luís, à casa de Vila Real. Voltaram assim os Meneses à posse do palácio do Carmo, conservando-se este nos Valadares até ao Terramoto, que inteiramente o subverteu, desaparecendo então o núcleo urbano primitivo do velho edifício, que remontava ao tempo do Rei D. Dinis.

Palácio Valadares [c. 1949]
Calçada do Sacramento, 34-52; Largo do Carmo, 32
O Corpo principal, no qual se  destaca o portal nobre emoldurado de  cantaria, sobre o qual assenta a varanda larga, em contra­curvas de grades do século XIX, valorizando a janela do andar nobre o  remate com a pedra de armas dos Valadares. [vd. 3ª foto]
Horácio Novais, in Inventário de Lisboa

Foi o  5.º Conde de Valadares, D. José Luís de Meneses Abranches Castelo Branco, quem, a partir de 1785, fez reedificar o  palácio, em área, planta e  semblante em tudo diversos do que distin­guira o  solar dos Pessanhas e  dos Marqueses de Vila Real. Em 7  de Fevereiro de 1798, no tempo do 7.º Conde de Valadares e 1.º Marquês de Torres Novas, o novo palácio sofreu incêndio, que con­sumiu todo o recheio, mas conservando-se, após as obras de restauro, logo efectuadas, o exterior tal qual fora traçado em 1785. No século passado [XIX] o  palácio continuou na posse dos Valadares, mas porque o  filho do 9.° Conde, D. Francisco António,  casara com a  4.ª Marquesa de Vagos, os títulos da família proprietária do palácio acabaram por unir-se na pessoa de seu filho D. Marcos da Silva Noronha, falecido em 1906. No começo do ano seguinte, para efeito de partilhas, o  palácio do Carmo, que os Valadares e  Vagos no século XIX só transitoriamente habitaram, foi à  praça, sendo arrematado pelo confeiteiro e capitalista Baltasar Rodrigues Castanheiro; a propriedade pertence hoje [em 1950] aos três netos do arrematante de 1907 — Pedro, Rafael e  Carlos Castanheiro Viana.

Palácio Valadares [1959]
Calçada do Sacramento, 34-52; Largo do Carmo, 32
Junta de Freguesia de Santa Maria Maior
O corpo corrido em extensão, sobre a Calçada do Sacramento, com  duas  ordens de doze janelas, uma de sacadas rematadas por cornija no andar nobre, e outra de peito e de guilhotina no primeiro andar; a meia  altura do centro deste  corpo  vê-se urna  lápide [por cima e atrás do reclame], em  cantaria simples, com a inscrição: «No sítio deste Palácio existiu a primeira casa da Universidade de Lisboa, criada pelo rei D. Dinis, por carta de 1 de Março de 1290 com  o nome de Estudo Geral. Esta lápide foi mandada colocar pelo Grupo Amigos de Lisboa aos 6  de  Março de  1938.»
Arnaldo Madureira, in
A.M.L.

No século passado já o palácio andava abandonado pelos Valadares, e  convertido em prédio de rendimento, sem beleza  alguma interior, pois o incêndio de 1798 tudo consumira. Logo a  seguir ao sinistro esteve ali instalada uma fábrica de arame (1798-1817). Ocupou-o, em 1819 a famosa «Assembleia Lisbonense», clube de recreio de alta distinção, cujas deslumbrantes festas deram brado, e  às quais chegou a  assistir a  família real, dando o  Rei D. João VI beija-mão. A «Assembleia» deixou o  palácio em 1829, mas logo em 1885 o  proprietário, que era então o 1.º Marquês de Torres Novas, alugou o  andar nobre ao Clube Lisbonense, também muito afamado, e  a cujas festas vinham por vezes D. Maria II, seu marido e filhos; o  clube acabou em 1880. O andar nobre, logo em 1881, passou a  ser sede da Direcção-Geral dos Correios, Telégrafos e  Faróis, que ali se manteve até 1887; no ano seguinte ocupou o  edifício todo João Pedro Tavares Trigueiros. Depois de 1892 um novo in­quilino abriu diverso e  mais condigno destino ao antigo palácio: o  Liceu Nacional (Liceu do Carmo), transferido do Palácio Regaleira, a  S. Domingos; a  este sucedeu o  liceu feminino D. Maria Amália Vaz de Carvalho, e  a seguir uma secção do Liceu Passos Manuel. Finalmente em Outubro de 1941 o edifício passou, excepto nas lojas e  sobrelojas,   a ser ocupado pela Escola Comercial Veiga Beirão. Numa sobreloja está instalada a  Junta de Freguesia do Sacramento [hoje de Santa Maria Maior], e  noutras sobrelojas e  lojas acomodam-se armazéns e  estabelecimentos comerciais.

Brasão de armas dos Valadares [ca. 1900]
Calçada do Sacramento, 34-52; Largo do Carmo, 32
 O Corpo principal, no qual se  destaca o portal nobre emoldurado de  cantaria, sobre o
qual assenta a varanda larga, em contra­curvas de grades do século XIX, valorizando a
janela do andar nobre o remate com a pedra de armas dos Valadares (primeiro  e
quarto quartéis armas de Portugal, segundo e terceiro armas de  Castela, centrados pelo escudo
dos Meneses de  Tarouca, este repartido em seis, um com estoque, três com quatro barras, dois
com dois lobos em campo, e ainda centrado com o anel dos Meneses).
Alberto Carlos Lima, in
Inventário de Lisboa

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa, 1950.
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