Sunday 28 August 2022

Praça do Príncipe Real: a Patriarcal e a Praça do Rio de Janeiro

Estamos numa das praças mais lindas, e mais «alfacinhas» de Lisboa  — a Praça do Rio de Janeiro [e de novo, desde 1948, do Príncipe Real]. Deves ter no ouvido algumas das designações deste largo terreiro  e eu, — diz Norberto de Araújo —  sempre por curiosidade, tas relembro pela ordem das idades: «Chãos da Ferrôa» no século XVI, a mais antiga que se lhe conhece; «Alto da Cotovia», denominação que perdurou mesmo através de outros dísticos posteriores, municipais e populares; sítio das «Casas do Conde de Tarouca», cerca de 1755; «Patriarcal Queimada», depois de 1769; sítio das «Obras do Erário Novo», em 1810-1815; «Praça do Príncipe Real», em 1855; «Praça do Rio de Janeiro» depois de 1911.

Em boa verdade esta Praça é das mais modernas da capital, no seu aspecto urbano e paisagista; data assim de 1879. A sua regularidade é contudo notável, e respira um ar sadio, gozando desafogo, uma relativa tranquilidade, e oferecendo curiosos aspectos: pousio de «reformados» à sombra do velho cedro copado, com sessenta anos idade, brinco de crianças, jardim «de estar» dos nostálgicos e desocupados inocentes.
Pois, Dilecto, sentemo-nos também à sombra do cedro, ouvindo cantar o repuxo do lago, que mal se distingue no murmúrio afogado do conjunto entre o espesso arvoredo que tem resistido às devastações do tempo.

Praça do Príncipe Real |1940|
Antiga Praça do Rio de Janeiro
A praça foi traçada em 1853 e o jardim, plantado em 1869, projecto do jardineiro João Francisco da Silva. Em termos urbanísticos é um exemplo do Romantismo das últimas décadas do século XIX.
«O Príncipe Real é um largo deliciosamente arborizado. Do seu harmonioso conjunto, destacam-se o majestoso cedro, considerado de interesse público, a deliciosa araucária e os formosos ulmeiros, também como tal distinguidos e as decorativas palmeiras. A «araucária columnaris» (araucária colunar — Nova Caledónia), de aspecto altaneiro e delgado, forma com o corpulento «cupressus», uma estranha parelha, que aos espirituosos frequentadores do recinto não passou despercebida, e por isso atribuem esse local de recreio o dito popular de Jardim do Bucha e do Estica». [Lisboa em quatro horas e Lisboa em quatro dias, 1895]
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Um pouco antes de 1755, neste alto cômoro da Cotovia, sobranceiro sobre a ponta do Salitre e portas de Valverde — mais largo para norte do que é hoje [em 1938], depois de urbanizado — existia apenas o Palácio dos Penalvas, à esquina das actuais Escadinhas da Mãe d'Água, e ao fundo do curto Arco do Evaristo. No centro da actual Praça andava o Conde de Tarouca construindo um Palácio, e ao local, por isso, chamava o povo «Casas do Conde de Tarouca», e o povo crisma a seu bel-prazer os sítios e as coisas, de modo que as denominações acabam por entrar na linguagem oficial e, quando as Câmaras as alteram ou corrompem, levam lustros, levam até séculos a apagar-se.
O Terramoto abalou inteiramente o edifício Tarouca soerguido, resignando-se o fidalgo no infortúnio, e compondo versos sobre os destroços.
Como a Patriarcal, que estava assente na Capela Real do Paço da Ribeira, tivesse ardido no dia do horroroso cataclismo, deliberou-se, após hesitações, transferir a Basílica para os restos, de pé, do palácio Tarouca, na «Cotovia»; a bênção foi dada em 26 de Junho de 1756, e logo nesse ano se realizou uma procissão, depois repetida, que deu o nome à Rua da «Procissão» (desde há poucos anos denominada de «Cecílio de Sousa»). 

Praça do Príncipe Real |c. 1869|
Lago octogonal com repuxo; ao fundo notam-se as torres e zimbório da Basílica da Estrela. 
Ао repuxo dedicou Júlio de Castilho um hino de ternura, mais próprio de poeta, como o Mestre se mostrava muitas vezes: «Quando ele arroja, metros ao alto, as suas pérolas fluídas, decompondo a luz, sussurrando frescura, e espadanando-se todo vaidoso no azul da atmosfera, está, muito de industria, repassando as águas nos gazes aéreos que as vivificam e as tornam potáveis; pensa em nós; prepara para nós a melhor das bebidas; colabora na higiene da Cidade. Aquele tanque é um sábio: reconhece as leis da física; sabe que os líquidos, vindo de longe, impregnando-se do calcário dos canos, e morando lá em baixo às escuras, se tornam pesados; quer aligeirá-los , banhá-los de sol e de oxigénio. Aquele tanque é um poeta utilitário: mistura habilmente o Belo e o Bom. Olhemos pois com gratidão para esse pequenino Oceano de puríssimas linfas, que abastecem as cozinhas, e amanhã brilharão aos poucos nas nossas taças de cristal. [Lisboa Antiga: 1904]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

E a Igreja [armada em madeira] foi-se construindo, no edifício adaptado; era imponente: três naves, largo cruzeiro, quinze capelas, um zimbório oitavado, e anexos esplêndidos. Treze anos perdurou: a Patriarcal foi devastada por um terrível incêndio em 10 de Maio de 1769, obra criminosa de um empregado da Igreja, que pelo fogo queria ocultar seus sacrílegos roubos; foi justiçado, depois de lhe cortarem as mãos no próprio local onde os escombros fumegavam ainda. E aí está a origem da designação de «Patriarcal Queimada».[...]
As ruínas e montes de pedregulho ficaram por aqui durante dezenas de anos, ninho de valhacoutos. Em 1807 pensou-se em levantar no sítio o novo Erário Régio, a casa do Tesouro (pois ardera o do Rossio) mas o projecto, que era do Visconde de Vila Nova da Cerveira, não teve seguimento, embora se chegasse a começar a obra, e nela se gastassem alguns milhões de cruzados.
Em 1841 ainda o sítio continuava a ser vazadouro público e albergue de patifes. Só em 1856 se começou a terraplanar o local, que pouco depois recebeu iluminação. Já chamada «Praça do Príncipe Real», em 1859, começou então a estudar-se o seu aformoseamento, com a construção dum lago, por acordo entre a Câmara e a Companhia das Águas; os restos da «Patriarcal Queimada» foram então destruídos a tiros de pólvora.

Praça do Príncipe Real |1945|
Antiga Praça do Rio de Janeiro
 Localizado no subsolo da Praça, existe o Reservatório da Patriarcalprojectado em 1856 pelo eng. francês Mary. Construído entre 1860 e 1864 para servir a rede de distribuição de água da zona baixa da cidade. 
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente
Praça do Príncipe Real |1945|
Antiga Praça do Rio de Janeiro
 No centro da praça está o monumento-memória a França Borges, o jornalista fundador de «O Mundo», foi erigido em 1924; é obra de Maximiano Alves; à dir. observa-se destaca-se o Cedro-do-Buçaço, árvore secular com mais de 20 metros de diâmetro.
Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente

Em 1864 regularizou-se a disposição da Praça, tornando-a quadrada, e alinhando algumas edificações que entretanto se tinham erguido, o que tudo se concluiu em 1863. Construiu-se então a muralha sobre a Rua da Procissão e plantou-se este magnífico jardim, que estamos contemplando.
O «Príncipe Real» começou a existir, pequeno parque e logradoiro, com a sua ingenuidade, o seu repuxo e a sua «memória esquecida» de anteriores desgraças. E assim até hoje…==

Muralha da Praça do Príncipe Real sobre a Rua Cecílio de Sousa, antiga da Procissão |1960|
Terraço, com varanda, assente sobre muralha, que se ergueu em substituição da velha ribanceira, que por longos tempos existiu. Esta obra faz parte do arranjo geral da praça, foi concluída em 1864 e custou 3.208$400 réis. Numa lápida elucidativa, lê-se: «A Câmara Municipal mandou construir no ano de 1863». Por dois caminhos laterais, conduz à Rua da Procissão, que começou por chamar-se do Corpo de Deus e Cotovia ou simplesmente do Corpo de Deus. É hoje Cecílio de Sousa (desde 1926) a rua onde morou em 1869 o paciente bibliófilo Inocêncio Francisco da Silva, e se chamou desde 1756, ano em que, da nova Basílica Patriarcal, já implantada nas «Casas do Conde de Tarouca», saiu o grande cortejo religioso comemorativo do solene dia do Corpo de Deus.
Armando Serôdio,, in Lisboa de Antigamente

N.B. A Praça tem este nome em homenagem ao filho primogénito da Rainha D. Maria II, o futuro rei D. Pedro V — nasceu no Palácio das Necessidades, a 16 de Setembro de 1837, recebendo o nome de Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga Xavier João António Leopoldo Vítor Francisco de Assis Júlio Amélio; morrendo no mesmo local, a 11 de Novembro de 1861.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. V, pp. 65-68, 1938.

Friday 26 August 2022

Varinas na Ribeira Nova

Poucas horas depois começam as varinas a aparecer, os pés descalços, as pernas nuas, roxas de frio, apregoando o carapau, a pescada marmota, a «salpicadinha da costa».
Que bellos corpos de varinas, alguns! E tão mal tratados pela intempérie, ao passo que outros muitos, bem menos esculpturaes por certo, dormem ainda afofados em brandos colchões de sumaúma...
(PIMENTEL, Alberto, Vida de Lisboa, p. 53, 1900)

Varinas na Ribeira Nova (Cais do Sodré) |1928|
...os pés descalços, as pernas nuas, roxas de frio...
Estúdio Mário Novais, in FCG

Sunday 21 August 2022

Palácio Tomar

O Palácio Tomar situa-se na Rua de S. Pedro de Alcântara, frente à fachada lateral da Igreja de São Roque e esquinando para a Travessa do Guarda-Mor [actual Rua do Grémio Lusitano]. É uma construção simples e despretensiosa de fisionomia acentuadamente utilitária. 


Palácio urbano mandado edificar, na 2ª metade do séc. XIX, por iniciativa de António Bernardo da Costa Cabral (1803-1889), 1º conde e 1º marquês de Tomar. De planta em L e volumetria paralelepipédica desenvolve-se em quatro pisos (um deles parcialmente enterrado e outro ao nível da cobertura), cunhais e soco de cantaria articulados com alçados rasgados a ritmo regular, por vãos predominantemente de verga recta destacada

Palácio Tomar |1928-01-21|
Rua de São Pedro de Alcântara, 1-3; Rua do Grémio Lusitano, 1-3
Nesta data encontrava-se instalado no palácio o Royal British Club.
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Vestígios de construção setecentista alternam com acrescentamentos do século XIX, criando um estilo simbiótico de certo interesse. Ao gosto tradicional português, tem um andar nobre de certa importância cujo ritmo se encontra nas aberturas dos grandes portões de acesso. O remate sobre a cornija assim como pormenores do enquadramento das janelas acusam oitocentos.

Palácio Tomar |1969|
Rua de São Pedro de Alcântara, 1-3; Rua do Grémio Lusitano, 1-3
A Câmara Municipal de Lisboa adquire o imóvel em 1970.
Vasco Gouveia de Figueiredo, in AML

O interior, muito alterado por ocupações sucessivas e utilitárias é contudo enobrecido por uma escadaria monumental e trabalhos de estuque de sabor neoclássico. Em termos arquitectónicos e artísticos, recorre a soluções decorativas que incluem o estuque, o couro, o vidro pintado e colorido, o reboco pintado, o azulejo, o ferro forjado, entre outros materiais.

Palácio Tomar, portão |1969|
Rua de São Pedro de Alcântara, 1-3; Rua do Grémio Lusitano, 1-3
Esta artéria foi alternando sucessivamente o seu nome entre Travessa do Guarda-Mor e Rua do Grémio Lusitano [vd. N.B.].
Vasco Gouveia de Figueiredo, in AML

N.B. A Travessa do Guarda-Mor — recorda Norberto de Araújo — , que assim voltou a chamar-se no ano passado [1937], foi , durante quási meio século, designada por Rua do Grémio Lusitano, em virtude da existência aqui da casa central da Maçonaria — Grémio Lusitano — e e cuja actividade findou, por ordem superior, há sete anos. [...]
Por edital de 10/10/1977 fixou-se a designação que tem até hoje de Rua do Grémio Lusitano.
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Bibliografia
SANTANA, Francisco Gingeira, Monumentos e edificios notaveis do distrito de Lisboa, Vol. 5, 1975.

Friday 19 August 2022

Cinema Império

Projectado pelo arq. Cassiano Branco em 1947, foi construído entre 1948 e 1952, traduzindo uma linguagem arquitectónica modernista. Classificado como Imóvel de Interesse Público, é um edifício com uma notável dimensão urbana, de planta rectangular e bloco único, que se impõe pelo seu volume compacto. 

Cinema Império [c. 1952]
Alameda Dom Afonso Henriques; Av. Alm. Reis; Rua Quirino da Fonseca
Em cartaz, o filme "La beauté du diable" (título original), estreado por cá em 24 de
Maio de 1952 com o título "O Preço da Juventude".

Estúdio Horácio Novais, in FCG
 
Cassiano Branco — diz Margarida Acciaiuoli nos seus Cinemas de Lisboa imediatamente percebeu, quando lhe foi encomendado o projecto em 1945, pela Sociedade Cinematográfica Império, Lda., que a sua experiência no traçado destes equipamentos, o modo como os pensara e as soluções que mais recentemente avançara para O Coliseu do Porto, inaugurado em 1940, faziam com que esta encomenda fosse encarada como um importante desafio.
Mas não é possível compreender o que estava em jogo sem entrar na história do local.
É importante sublinhar que o projecto se destinava a aproveitar um lote de terreno que existia na confluência da Avenida Almirante Reis com a Alameda D. Afonso Henriques, cujas traseiras davam para a Rua Quirino da Fonseca (antiga Alves Torgo, vd. 2.ª imagem).

Lote de terreno na confluência da Avenida Almirante Reis com a Alameda D. Afonso Henriques [ant. 1952]
No cartaz afixado no prédio junto ao lote vago pode ler-se: «Terreno para a construção do Cine-Teatro Império»; ao fundo -se parte da Rua Quirino da Fonseca.
Judah Benoliel, in AML

A sua fachada principal, exibindo uma ampla estrutura envidraçada, que define a totalidade de altura da sala, articula-se com os alçados laterais através de elementos verticais coroados por esferas armilares em ferro forjado (actualmente desaparecidas).

Cinema Império [c. 1952]
Alameda Dom Afonso Henriques; Av. Alm. Reis; Rua Quirino da Fonseca
Em cartaz, o filme "La beauté du diable" (título original), estreado por cá em 24 de Maio de 1952 com o título "O Preço da Juventude".
Estúdio Horácio Novais, in FCG

Sunday 14 August 2022

Igreja (e convento) da Graça

A Igreja da Graça situa-se numa alta posição privilegiada de Lisboa. Orientada a Poente, o seu adro constitui um miradouro natural da cidade; o perfil da sua torre, com a extensão conventual, a Norte; a fachada do antigo Convento, contígua à da igreja com orientação a Sul.


A igreja da Graça, tal qual hoje se encontra, é uma reedificação da segunda metade do século XVIII, completada com reconstruções e restauros do final do século passado para os princípios do actual. integrou-se no convento dos religiosos eremitas descalços de Santo Agostinho, que para o sítio de Almofala vieram em 1271, transferidos do seu primitivo eremitério do Monte de S. Gens. A primeira igreja, certamente modesta, foi substituída por um majestoso templo, de três naves, dos maiores e mais ricos de Lisboa, pela diligência do vigário perpétuo da Ordem, o espanhol Frei Luís de Motoya, durando as obras nove anos (1556-1565). 
Logo de começo esta Casa religiosa teve relativa imponência na Igreja, e largueza no Convento que —  acomodava 1.600 pessoas — intitulado de Santo Agostinho até 1305; nesse ano todos os Conventos da Ordem passaram a ter a invocação de N. Senhora da Graça.

Igreja da Graça [c. 1900]
Panorâmica sobre a zona da Graça tirada do Castelo de São Jorge
Largo da Graça; Calçada da Graça
O conjunto constituído pelo convento e pela Igreja remonta ao início da nacionalidade, ganhando maior importância no século XVI.
Fotógrafo não identificado, in CPF
Igreja da Graça [c. 190-]
Panorâmica sobre a zona da Graça tirada do miradouro junto à Rua Damasceno Monteiro
Largo da Graça; Calçada da Graça; à dir. nota-se a Igreja de Santa Cruz do Castelo
Da ordem de Santo Agostinho, a Igreja da Graça situa-se no antigo local conhecido por Almofala, onde D. Afonso Henriques acampou com as suas tropas, durante o cerco a Lisboa em 1147.
Paulo Guedes, in AML

No segundo quartel do século XVIII a igreja beneficiou de restauros importantes, dirigidos pelo arquitecto Custódio Vieira; pouco tempo depois, pelo Terramoto a igreja foi quase totalmente arruinada, assim como o convento, começando em 1765 a reconstrução, que equivale a uma reedificação integral, sob o risco de Manuel Caetano de Sousa, e prolongando-se, numa primeira fase, até 1785. No final do século passado [XIX] tratou-se novamente de completar a igreja segundo o plano reedificador, aliás alterado, de Caetano de Sousa, e de a restaurar no que fora feito anteriormente; estas obras duraram de 1896 a 1905.

Igreja e convento da Graça [1960]
Panorâmica sobre a zona da Graça tirada do Castelo de São Jorge
Largo da Graça; Calçada da Graça
A Fachada Principal da igreja, (século XVIII) é composta de três corpos, unidos por frontão curvilíneo, continuados no mesmo alçado por um lateral a Sul. Destaca-se recuada, ao centro alto do corpo da fachada conventual, a torre setecentista (Manuel da Costa Negreiros).
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente
Convento da Graça, claustro nobre [1954]
Largo da Graça; Calçada da Graça
Este claustro, que se pode classificar como integrado no estilo toscano, é dos mais interessantes da Lisboa conventual desaparecida. Apresenta cinco arcadas de volta perfeita, assentes sobre colunas duplas de vão aberto. No segundo pavimento notam-se em cada lado do quadrado cinco elegantes janelas janelas, coroadas de ática, com placas de mármore rosa nos intervalos dessas janelas. No alto, corre uma balaustrada com adornos flamejantes.
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

A igreja apareceu então, aparentemente ostentosa, mas com um merecimento artístico muito aquém do que tivera nos séculos anteriores.
A decorativa torre da igreja, assente sobre o corpo da fachada do convento, pertence à reedificação que de poucos anos precedeu o Terramoto, e deve-se a Manuel da Costa Negreiros, que morreu em 1750.
A igreja da Graça é, no seu interior, das mais vastas de Lisboa, com boa expressão arquitectónica, na qual predominam, porém, os materiais pobres (madeira e estuques).
De uma só nave, possui o corpo da Igreja quatro capelas por lado. Pela direita: S. Tomaz, N. Senhora de Fátima, Santa Rita e S. José, e Santo António com S. Sebastião; pela esquerda: N. Sr.ª do Rosário da Verónica, Santa Mónica e N. Sr.ª das Dores, Sagrado Coração e Santíssimo.
O tecto do corpo da Igreja é dividido em cinco secções e nelas podes ver pinturas de João Vaz (1903) , representando as cinco primeiras frases da «Avé-Maria»; trabalhou também nele o decorador Elói Ferreira do Amaral.
Igreja da Graça, nave e capela-mor [1962]
Largo da Graça; Calçada da Graça
De planta em cruz latina, composta por nave de cinco tramos, definidos por oito capelas
laterais profundas e anexos, transepto saliente, capela-mor, tendo, em eixo, os corpos de
duas capelas e os de acesso à tribuna; sacristia desenvolvida perpendicularmente ao lado
esquerdo da capela-mor e, no lado direito, as dependências da Irmandade do Senhor
dos Passos.
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

A Sacristia — considerada «monumento nacional» (11-12-918) — , dependência de interesse na igreja, antiga Capela das Relíquias; e, nela:

O tecto, em pintura larga de perspectiva arquitectónica, representando a Assunção de Nossa Senhora, pintura identificada de Pedro Alexandrino, e tendo nos topos os retratos de Frei António Botado e do irmão deste, Mendo de Foios Pereira, custeadores das obras deste quadro; dois grandes altares, em mármore, um em cada topo, com coroamento arquitectónico, situando-se no altar do fundo um grande relicário de madeira dourada [esq. na imagem abaixo], e no do lado da entrada o túmulo, em rico sarcófago de mármore, com inscrição de Mendo de Foios Pereira, que foi secretário de estado de D. Pedro II; sete painéis de azulejos historiados, em silhares circundantes (princípio do século XVIII), representando passos da vida da Virgem.

Igreja da Graça, sacristia [1960]
Largo da Graça; Calçada da Graça
A Sacristia é monumento nacional por excelência. Os seus azulejos são de tradição de seiscentos. É hoje um documento frio e sombrio, com valor mas sem expressão. As suas riquezas  de significado histórico, estão hoje quási todas no Museu de Arte Antiga.
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, p. 41, 1938.
idem, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, 1946.

Friday 12 August 2022

Rua do Poço dos Negros

Na companhia de mestre Norberto de Araújo «enfiemos» pelo «Poço dos Negros»-
Esta artéria deve o seu nome, na melhor das hipóteses, à circunstância de por aqui ter existido um poço ou vala onde se enterravam os cadáveres dos escravos; também se admite a hipótese de ser a designação uma projecção toponímica de qualquer poço, da horta dos "frades negros", que eram os de S. Bento
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p. 83, 1939)

Rua do Poço dos Negros |1945|
Esquina da 
Tv. dos Pescadores; ao fundo notam.se os prédios da Av. Dom Carlos I junto ao Chafariz da Esperança
Martinez Pozal, 
in Lisboa de Antigamente

Sunday 7 August 2022

Panorâmica sobre o Campo Grande

Foi D. Maria I que, em 1792, começou por discutir o projecto de um jardim nos campos de Alvalade, com a finalidade de criar uma zona arborizada que incluísse um circuito para corridas de cavalos. Quase dez anos mais tarde, em 1801, é o seu filho, o príncipe regente D. João, que ordena a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, que planeie a execução dos jardins que vão do Campo Grande ao Campo Pequeno..
 
Campo Grande, antigo Campo 28 de Maio |c. 1934|
Do Palácio Valença-Vimioso e do Restaurante (churrasqueira) do Campo Grande (em baixo ao centro), do Palácio Pimenta (dir. baixa) e do Hipódromo, pelo luxuriante Jardim do Campo Grande e pela Avenida da República, até ao rio Tejo.
Pinheiro Correia, in Lisboa de Antigamente

Começou-se pela plantação de um extenso e variado arvoredo, ao estilo romântico, que inclui pinheiros, eucaliptos, amoreiras de papel, figueiras e pimenteiras. Em 1816, a conclusão da pista de corridas permite o início das corridas de cavalos.

Lago no Jardim do Campo Grande |190-|
Este lago, com a sua ilhota ao centro, com o seu pequeno botequim, com os barquinhos a remos, constituía uma diversão popular do alfacinha, que aos domingos alarga o seu passeio pelas avenidas novas, até a copada e extensa alameda, tão predilecta da alta aristocracia como das classes burguesas e trabalhadoras.
Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente

Para agradar às esposas e famílias dos amantes de cavalos, a construção do lago principal do Campo Grande arranca em 1869, durante o reinado de D. Luís I. Nascem os passeios românticos de barco a remos. A abertura de um botequim no meio do lago para venda de bebidas, em 1900, torna a zona ainda mais aprazível. Instalado numa ilha acessível apenas por uma ponte de madeira, o estabelecimento permitia relaxar bebendo refrescos, enquanto se discutia os assuntos do dia. Um cenário de lazer idílico para quem tinha tempo e dinheiro.

Campo Grande e Avenida da República |195-|
Rotunda de Entrecampos e antigo Mercado Geral de Gados e zonas circundantes até ao rio Tejo.
Mário de Oliveira, in Lisboa de Antigamente

Friday 5 August 2022

Palácio dos Condes da Ponte

Com um grande logradouro e um esplêndido terraço um outro palácio em que durante bastantes anos esteve a legação da Noruega, e em que o Ministro Frim Koren deu algumas belas festas. Fôra essa casa o Palácio dos Condes da Ponte, esteve ali residindo o Núncio Acciaiuoli. Agora está ali instalada uma secção da Administração-Geral do Porto de Lisboa. [Olisipo; 1955]


Este exemplar de arquitectura residencial ecléctica foi mandado edificar pelos Condes da Ponte [família Melo Torres, vd. N.B.], que no final do primeiro quartel do séc. XVIII já habitavam o espaço. Em 1762, o palacete foi adquirido pela família Posser de Andrade e manteve-se na sua posse até cerca de 1950. Precisamente nesta década, de 50, o imóvel passa para as mãos do Porto de Lisboa, que aí instala a sua Administração, datando desta época o alteado de um piso, assim como a alienação dos terrenos envolventes, com dependências da casa, a outras instituições. 

Palácio dos Condes da Ponte |c. 1865|
Rua da Junqueira, 94-96; Palácio Burnay
Augusto Xavier Moreira, in Lisboa de Antigamente
Palácio dos Condes da Ponte, jardim [1922-10-08]
Rua da Junqueira, 94-96
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

De planta longitudinal, o edifício desenvolve-se em três pisos, o último dos quais acrescentado em meados do séc. XX, reaproveitando a platibanda primitiva, de cantaria, desenhada em círculos intersectados.
A fachada principal, de composição simétrica, divide-se em três panos murários, delimitados por pilastras. Merecem destaque, no pano principal, o topo rematado por frontão triangular e o diálogo harmonioso entre o portal com moldura de recorte contracurvado e as janelas de sacada com guardas em ferro forjado do andar nobre [2.º piso]
O extenso alçado lateral, também estruturado em três pisos, surge animado pela abertura de 15 vãos [vd. 2.ª imagem] rectangulares por piso, que no andar nobre [2.º piso] correspondem a janelas de sacada com guardas em ferro, coroadas por verga recta saliente, de cantaria
No interior, apesar das alterações resultantes de obras de adaptação às novas funções, ainda podemos observar os painéis de azulejos, assinados por Jorge Colaço, onde figuram D. Dinis e a Rainha Santa, localizados no vestíbulo de entrada, duas outras composições azulejares da Fábrica Viúva Lamego e dois vitrais neo-Arte Nova, representando respectivamente motivos florais e uma alegoria ao Porto de Lisboa, localizados junto à escadaria principal. [cm-lisboa.pt]

Palácio dos Condes da Ponte [post. 1966]
Rua da Junqueira, 94-96; Palácio Burnay
Destaca-se o portal com moldura de recorte contracurvado e o 3.º piso acrescentado em meados do séc. XX.
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

N.B. Francisco de Melo e Torres, 1.º conde da Ponte e 1.º marquês de Sande [c. 1610-1667]. Militar e diplomata português do século XVII. Foi-lhe ministrada uma cuidada educação por jesuítas, com destaque para a matemática e a geografia. Desempenhou funções de chefia militar na Batalha do Montijo, em 1664, e chegou a general. 
Fazia parte dos "Fidalgos conhecidos por Quarenta Conjurados e que depois se acharam na feliz Aclamação do Senhor Rei D. João IV, e restituição que se lhe fez deste Reino de Portugal", em 1640.
Foi também governador de Olivença. Iniciou a carreira diplomática durante a regência de D. Luísa de Gusmão. Negociou o casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança, em 1661, e contratou depois o casamento de D. Afonso VI com D. Maria Francisca Isabel de Saboia, realizado em 1666. Foi assassinado em 1667.
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