Friday 29 June 2018

Café Palladium dos Restauradores

O Café Palladium, projectado por Raul Tojal, ocupou em 1932 o piso térreo de um dos mais interessantes exemplos arquitectónicos da Avenida liberdade (edifício do arq.º Norte Júnior, 1909). Foi louvado como expoente máximo de modernidade, levando proprietários de casas congéneres — como o Nicola ou o Chave d'Ouro — a encomendar projectos de alteração do interior dos seus estabelecimentos ao mesmo arquitecto.

Edifício projectado por Norte Júnior [1918]
Avenida da Liberdade, 1 com a Calçada da Glória; em 1932 instalou-se
aqui o Café Palladium 

Legenda da imagem no arquivo: «Parada militar em honra dos militares vitoriosos da Primeira Guerra Mundial»
Joshua Benoliel, iin Lisboa de Antigamente

Durante várias décadas seria um dos poisos preferidos de estudantes e intelectuais da oposição ao regime salazarista. Alguns elementos da decoração interior — incluindo baixos-relevos e pormenores do varandim  — foram aproveitados pelo centro comercial que lhe sucedeu.¹

Edifício projectado por Norte Júnior [c. 1912]
Avenida da Liberdade, 1 com a Calçada da Glória; em 1932 instalou-se
aqui o Café Palladium
Fotografia anónima

Na esquina da Calçada [da Glória] — diz Norberto de Araújo—, já na Avenida, existe desde 17 de Novembro de 1932 o Café Palladium, fundado por Tavares & Ferreira, ainda seus proprietários. Era aqui, anteriormente, o «Stand Dodge», que sucedeu ao «Faustino» Foi arquitecto deste Café Raúl Tojal. Presentemente [1939] estão-se fazendo escavações para prolongamento do «Palladium» no terreno em que assenta o prédio contíguo, construido pelo Dr. Henrique Bastos há uma dezena de anos, na esquina da Calçada e Rua da Glória.²

Café Palladium [post. 1932]
Avenida da Liberdade,
1
 Estúdio Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ DIAS, Marina Tavarea, Os Cafés de Lisboa. p. 128, 1999.
²
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV p. 23, 1939.

Wednesday 27 June 2018

Praça Marquês de Pombal, 1-2: Palacete de António de Sousa Carneiro Lara / Clube Militar Naval

Estamos na Praça Marquês de Pombal, vulgarmente denominada «Rotunda», que constitue o eixo de irradiação de avenidas e grandes artérias, projectadas já em 1882, mas cuja execução muito se fêz demorar. [Araújo: 1939]


Logo no final do século XIX (1894), acompanhando o impulso construtivo da avenida e da rotunda é projectada uma residência unifamiliar, tipo palacete, que pertencia ao homem de negócios António de Souza Carneiro Lara.

Praça Marquês de Pombal, 1-2: Palacete de António de Sousa Carneiro Lara  [1899]
Clube Militar Naval a partir de 1935
Fachada sobre a Praça Marquês de Pombal e Av. Liberdade, 261 (esq.)
Fotógrafo não identificado, in AML

O Clube Militar Naval esteve instalado no nº. 1-2 da Praça Marquês de Pombal cerca de cinquenta anos. O palacete foi adquirido em 1935 ao conde de Castelo Mendo, que por sua vez aqui passara a residir em 1929. Naquela data o proprietário passou a ser o Crédito Predial Português, que o arrendou à Marinha. Em 1989 foi demolido após uma violenta polémica entremeada com um pedido de classificação ao Instituto Português do Património Cultural. O clube veio a ser transferido, aproveitando alguns elementos decorativos, para a Avenida Defensores de Chaves, nº. 3.

Praça Marquês de Pombal, 1-2: Palacete de António de Sousa Carneiro Lara  [1899]
Clube Militar Naval a partir de 1935

Fachada virada à Rua Braamcamp
 Paulo Guedes, in AML

O palacete terá sido o primeiro prédio a ser construído, na recém-criada Praça Marquês de Pombal, logo em 1894. Já que a construção do que vem a ser o Palacete Sabrosa se projectava na Fontes Pereira de Mello, em 1886 abre-se oficialmente a avenida e o desfile de casamento de D. Carlos (1857-1945) efectua-se também aqui. O Dr. António de Lencastre (1857-1945) era o médico dos príncipes e a escolha do lugar para vir a construir a sua residência não deve estar desligada desta ocorrência, onde a expansão da cidade se desenha e a oportunidade de novos espaços necessariamente surge.

Enquadramento do Clube Militar Naval na Praça Marquês de Pombal, 1-2 [1934]
Esquina com a Rua Braamcamp
Pinheiro Correia, in AML

O edifício exteriormente ecoava um equilíbrio francês na linha do gosto Luís XVI, em combinação com pormenores vernaculares como sejam as pequenas aletas do óculo sobrepujante da entrada principal, obviamente tributária da arquitectura chã. No interior, pelas fotografias publicadas no suplemento do Diário de Notícias, 2 de Junho de 1985, por certo produto de enriquecimentos artísticos posteriores vemos alguns ornatos manuelinos muito carregados e uns vitrais de tema mitológico encomendados em 1894 na Suíça, Zurique, a Adolf Kreuzer.

Praça Marquês de Pombal, 1-2: Clube Militar Naval [1937]
Desfile da Mocidade Portuguesa durante as comemorações do 28 de Maio de 1926
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Bibliografia 
MONTERROSO, José de, Rotunda do Marquês:«a cidade em si não cabia já» ou a monumentalidade (im)possível, 2002.

Sunday 24 June 2018

Rua Correia Garção: o «Quarteirão dos padres Bentos»

Ocupando o espaço todo desse grande quarteirão, desde a moderna Rua Correia Garção [rasgada por volta de 1912] —  diz Norberto de Araújo — até à confluência dos Poiais, era a chamada «Frontaria de S. Bento», terrenos do Convento nos quais os frades nos meados do século XVII já haviam consentido a construção de casas, à margem do caminho rústico; eles próprios, depois do Terramoto (1760), fizeram erguer uma grande correnteza de prédios que foram a base dos que depois se reedificaram, e aí tens à vista. Eram as «Casas» ou «Quarteirão dos padres Bentos», representadas hoje por este enorme renque de quatro prédios contíguos, n.°” 53 a 107 [hoje n.°” 1 a 17], com 112 janelas, e o seu ar sólido de rendimento.¹

Rua Correia Garção |ant. 1938|
«Poeta Arcádico do século XVIII»
Perspectiva tomada da Rua das Francesinhas e, à direita a Calçada da Estrela; ao fundo, a Rua  de São Bento vendo-se o antigo Arco.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

O topónimo Rua Correia Garção foi atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa através de Edital de 20/09/1912 ao arruamento que «liga a Calçada da Estrela com a Rua de S. Bento no ponto da muralha de suporte de terraplano do Parlamento».
Foi suprimida a legenda «Poeta Arcádico do século XVIII» por parecer da Comissão de Toponímia em 16/12/1946.

Rua Correia Garção |ant. 1938|
«Poeta Arcádico do século XVIII»
Ao fundo, Rua e o antigo Arco de São Bento; por esta altura estava em construção a escadaria do Palácio de S. Bento.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Poeta português do Neoclassicismo, de nome completo Pedro António Correia Garção (1724-1772), nasceu na Rua do Benformoso em Lisboa. Frequentou o curso de Direito da Universidade de Coimbra, não chegando, contudo, a terminá-lo. Em 1756, juntamente com Cruz e Silva, Teotónio Gomes de Carvalho e Manuel Nicolau Esteves Negrão, fundou a Arcádia Lusitana, utilizando como pseudónimo arcádico Coridon Erimanteu. Foi escrivão na Casa da Índia e dirigiu a Gazeta de Lisboa de 1760 a 1762. Em 1771 foi detido no Limoeiro (onde veio a falecer) por ordem do Marquês de Pombal, por razões não esclarecidas. É considerado um dos mais importantes poetas neoclássicos da literatura portuguesa.²

Rua Correia Garção |1938|
«Poeta Arcádico do século XVIII»
Perspectiva tomada do Palácio de S. Bento da «correnteza de prédios que foram a base dos que depois se reedificaram, e aí tens à vista. Eram as «Casas» ou «Quarteirão dos padres Bentos». [Araújo:1939] 
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XI, p. 40, 1939.
² cm-lisboa.pt.

Friday 22 June 2018

Lojas de antanho: Drogaria Ferreira, casa fundada em 1755

De acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo, o topónimo "Rua dos Condes" radica nos diversos palácios de vários condes existentes naquela zona:
Neste quarteirão ocupado por vários vários prédios — diz o referido autor —, entre a Rua dos Condes e a Travessa de Santo Antão, é que se erguia, até 1755, o Palácio primitivo dos Condes de Castelo Melhor. No chão do quarteirão seguinte até à Anunciada, levantava-se o Palácio dos Condes da Ericeira, também destruído e incendiado por ocasião do Terramoto. E na. Rua das Portas de Santo Antão, onde está o Ateneu Comercial, ficava o Palácio dos Condes de Povolide. Deriva destas circunstâncias o dar-se o nome de Rua dos Condes à serventia que intersectava estas propriedades.¹

Drogaria Ferreira |c. 1910|
Casa fundada em 1755, segundo se lê sobre a porta; neste local é inaugurado, em 21 de Setembro de 1927, o Cinema Odeon.
Rua dos Condes, 2-20, com a Rua das Portas de Santo Antão, 145-149
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente

A Rua dos Condes aparece já referida nos registos paroquiais da freguesia de S. José anteriores ao Terramoto de 1755.  No entanto, sobre a origem do topónimo os olisipógrafos divergem, já que, fe acordo com Gomes de Brito, tal topónimo é a evocação do 2º e do 3º condes da Ericeira, respetivamente D. Fernando (1614–1699) e D. Luís de Menezes (1632–1690), ambos militares e historiadores que ali moraram no palácio dos Condes da Ericeira, construído em 1539.²

Drogaria Ferreira |c. 1910|
Casa fundada em 1755, segundo se lê sobre a porta; neste local é inaugurado, em 21 de Setembro de 1927, o Cinema Odeon.
Fachada sobre a Rua dos Condes, 2-20
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia

¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 23-24, 1939.
² cm-lisboa.pt.

Wednesday 20 June 2018

Prisões da Junqueira: Forte de S. João

Observemos agora — convida-nos Norberto de Araújo — já no areal da Junqueira, onde tem sua frente para a Avenida da índia, este casarão de feitio original, atarracado e misterioso, que serve hoje [1939] de Posto [do Porto Franco, vd. 3ª imagem] da Guarda Fiscal, e cujo semblante não desdiz da função odiosa que teve um dia o Forte da Junqueira, que mais assinalado foi pelo apodo de «Prisões da Junqueira». 


Forte de S. João da Junqueira [1931]
Rua da Junqueira, antigo areal da Junqueira; Avenida da Índia;
terrenos da antiga F.I.L; demolido c. 1940
Posto do Porto Franco da Guarda Fiscal
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Era o Forte de S. João irmão do Forte de S. Pedro, êste mais a poente, ambos incluídos no sistema de fortificações da segunda metade do século XVII. Mais tarde, em tempo de D. José, foi convertido em prisão de Estado, tenebroso cárcere, com suas casas subterrâneas, suas lendas tristes, horríveis narrações que por muito exageradas que tivessem sido pelo desespero das vítimas e pela «piedade», sempre presente, dos inimigos do Marquês de Pombal, bastante têm de verdadeiro e execrando. Cadeia severa dos presos políticos, tantos deles inocentes  — túmulo em vida de grande parte dos encarcerados nunca mais saiu para ver o sol — ela está ligada à história do século XVIII; encheu-se de nobres e de plebeus, réus confessos e simples suspeitos, principalmente quando da «conspiração dos Távoras».

Forte de S. João da Junqueira [séc. XIX]
Rua da Junqueira, antigo areal da Junqueira
; Posto do Porto Franco da Guarda Fiscal 
Batalhão Nº 1, 2ª Companhia, Secção de Belém, lê-se na placa afixada na frontaria virada à actual Avenida da Índia
Fotógrafo não identificado, in AML

Este forte-prisão tem três pavimentos abaixo do nível do solo; o mais fundo era o «cemitério», pois nele se enterravam os que morriam durante o cativeiro, e os outros dois constituíam propriamente as prisões. Estão entulhados de areia, supõe-se que por ordem de D. Maria I, no propósito de que mais se não falasse do sinistro local.¹

Forte de S. João da Junqueira, Posto do Porto Franco da Guarda Fiscal [vermelho] 
Verde:  Avenida da Índia
Laranja: Rua da Junqueira

Levantamento da Planta de Lisboa, 1911 por  Júlio António Vieira da Silva Pinto, in AML

Outrora  — refere o jornalista e historiador Rocha Martins a água marulhava contra as suas paredes enverdecidas e limosas, estalava com fúria nas noites tempestuosas a acordar os prisioneiros que, após o atentado contra D. José I, ali desembarcaram dos botes, entre armas, e foram, espantados e de algemas nos pulsos habituados às rendas caras das vestes, ocupar as prisões que ficavam debaixo das casas do desembargador, do escrivão, dos carcereiros e da capela e por cima dos subterrâneos onde eram os antros de tortura e o cemitério, para o qual se arrojaram algumas ossadas com seus entroncamentos de nobres espinhas de reis godos. 
Os que ali entraram arrancados dos seus palácios, dos saraus, das recâmaras dos paços, das salas nobres de Belém, do Calvário e de Azeitão, eram os Óbidos e os S. Lourenço, os Alorna e os Ribeira, alguns jesuítas confessores da fidalguia, os magistrados afectos à nobreza e o marquesinho de Gouveia, filho do duque de Aveiro. Os senhores da véspera eram agora os escravos e por isso no sigilo do Estado, no negrume misterioso da noite, aqueles dezanove cárceres se encheram de fidalgos e de padres, aquelas prisões bafientas, que atravessámos, se pejaram de condes, de marqueses e de jesuítas.²

Forte de S. João da Junqueira:  pátio das prisões e capela [1906]
in Illustracão Portugueza
Forte de S. João da Junqueira:  pátio. poço e capela [1906]
in Illustracão Portugueza
Forte de S. João da Junqueira: terraço, clarabóia da capela [1906]
in Illustracão Portugueza

Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, pp. 56-57, 1939.
² MARTINS, Rocha, O Marquês de Pombal Pupilo dos Jesuítas, pp. 241-242, 1924.

Sunday 17 June 2018

Arco de S. Vicente

O Arco é, só por si, — recorda-nos Norberto de Araújo meia freguesia deste bairro fidalgo e popular, que se fez e cresceu à sombra do velho mosteiro dos cónegos regrantes de Santo Agostinho [refere-se Mosteiro de S. Vicente de Fora] — a mais contemplativa e arrogante das vivendas conventuais da freirática Lisboa. (...) O Arco de S. Vicente inspira uma novela de costumes, na perspectiva das vidas e das cousas que foram um dia, quadro de poesia melancólica bairrista.
Para lá do Arco, tomado desde o Largo de S. Vicente, fica o Campo de Santa Clara, com a sua largueza e a sua evocação das freiras claristas. Fica a Feira da Ladra, que remonta ao século XIII, ali desde 1882, saborosa e pitoresca, das terças-feiras e dos sábados.»¹

Arco de S. Vicente [1931]
Campo de Santa Clara (Feira da Ladra);
Mosteiro de S. Vicente de Fora; Arco Grande de Cima
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Ora retomemos o caminho do Arco Grande. Êste Arco foi erguido em 180[7], um pouco adiante do sitio onde se rasgava desde 1373-1375 a Porta ou Postigo de S. Vicente, da Cêrca (nova) de D. Fernando. Ligava êsse Arco o Convento às suas quintas e jardins, e hoje faz ligação do Liceu [de Gil Vicente], (antigos Paços Patriarcais) à cêrca-recreio dos alunos e que atrás vimos. Decorativo, com uma graciosa perspectiva tomada desde o Largo de S. Vicente, êste Arco Grande é, sem dúvida, o mais romântico de Lisboa, pelo seu pitoresco natural.»²

Arco de S. Vicente, tomado desde o Largo de S. Vicente [194-]
Arco Grande de Cima
Eduardo Portugal, in AML
_________________
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, PP- 180-181, 1943.
² id. Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, p. 72, 1939.

Friday 15 June 2018

Largo de São Domingos (em dia de Portugal-Espanha)

Recorda mestre Norberto Araújo que « (...) não podemos negar certo carácter alfacinha a êste Largo de S. Domingos (...) é uma crónica viva de Lisboa, com as suas imediações da Praça da Figueira, com o seu trânsito obrigatório, pela Rua Barros Queiroz e Calçada do Garcia, formigueiros de gente, que desce dos Anjos, dos bairros novos, ou de Sant'Ana velha.». ¹



Tinha este Largo de São Domingos, às Portas de Santo Antão, «uma atmosfera decadente e boémia, estritamente lisboeta, impregnada dos aromas das iscas e do álcool que os clientes da Ginjinha cuspinhavam no chão e no passeio, juntamente com os caroços dos frutos», recorda Rodrigues Miguéis que, durante alguns tempos, por ali andou num escritório situado em frente ao Palácio dos Almadas ou da Independência. As «casas das iscas» eram, por norma, manhosas e acanhadas: bancos corridos e mesas de madeira, com os garfos atados por correntes de ferro, e o cozinheiro quase sempre com o fogão cerca da porta da rua; e, apesar da pouca comodidade dos estabelecimentos e da falta de higiene, as iscas, com elas ou sem elas, atraíam fregueses, pois «só os galegos lhes davam precioso tique saboroso, que apenas tinham como rival o cheiro particular do petisco» um «mágico odor a que ninguém resistia» (Fernandes: 1995).
Neste largo «estritamente lisboeta», espaço de trânsito obrigatório e «formigueiro de gente», dois monumentos merecem especial atenção: a Igreja de S. Domingos e o palácio dos Condes de Almada ou da Independência.²

Largo de São Domingos [2 de Abril de 1933]
Legenda no arquivo: «No Largo de São Domingos, a multidão ouvindo o relato do desafio Portugal-Espanha»
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Bibliografia:
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 79, 1939.
² JANEIRO, Maria João , Lisboa: histórias e memórias, p. 250-266.

Wednesday 13 June 2018

Palacete Marçal Pacheco

Dentro de poucos anos, Dilecto, — preconizava  o ilustre Norberto de Araújo em 1939 — esta Rua das Amoreiras estará desfigurada no seu traçado; as transformações das cidades, riscadas em plantas, quando chega a hora das realizações fazem sempre vítimas: alguns prédios desta artéria, de um lado e outro, desaparecerão.


Pois bem, foi exactamente o que veio a suceder com o Palacete Marçal Pacheco demolido na década de 1960 para lá se erguer o edifício ocupado pela Philips, hoje Hotel Dom Pedro situado no antigo troço da velhinha Rua das Amoreiras [antiga Rua direita de S. João dos Bem Casados], antes daquela ser cortada pela actual Avenida Engenheiro Duarte Pacheco e ter mudado a denominação para Rua Prof. Sousa da Câmara (1971) [vd. carta topográfica mais abaixo].

Palacete Marçal Pacheco [1932]
Rua das Amoreiras [1874], antes Rua direita de S. João dos Bem Casados
Legenda da foto no arquivo:«Legação da Argentina»
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O palacete mais vistoso desta Rua [das Amoreiras]prossegue Norberto de Araújo — é aquele que se situa do lado oriental, construção do século passado [XIX], entre uma faixa de mata arborizada ainda. Pertencente a umas senhoras Pachecos, por transmissão de Marçal Pacheco, e foi antes de José António de Carvalho. Em 1916 esteve nele instalada a Legação de Espanha, e era em 1919 moradia de Carlos Bleck, voltando depois a servir de Legação, do Uruguai [e/ou Argentina?]. Esteve depois alguns anos ao abandono, e em 1937 instalou-se neste palacete a Direcção Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, vinda do edifício do Terreiro do Trigo. Possue algumas salas interessantes mas sem pormenores de arte pura. Do lado oposto existiu o Horto de Marcolino Teixeira Marques, que ocupava a faixa da rua, onde se ergueram (1935-36) aqueles prédios modernos e altivos que vês, e se estendia pelos terrenos da Casa Anadia.¹

Palacete Marçal Pacheco, entrada [entre 1903-1908] 
Rua das Amoreiras [1874], antes Rua direita de S. João dos Bem Casados
Legenda da foto no arquivo:«Legation d'Espagne»
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Palacete Marçal Pacheco [c. 1966] 
Esquina da Avenida Engenheiro Duarte PachecoAvenida Engenheiro Duarte Pacheco com a Rua das Amoreiras [hoje Rua Prof. Sousa da Câmara].
Artur Bastosin Lisboa de Antigamente

A propósito do historial toponímico da Rua das Amoreiras, vale a pena ler o que diz o livro Chorographia Moderna Do Reino De Portugal publicado em 1876. Reza assim:  
«Por baixo do dito arco [das Amoreiras] passa uma larga rua a que dava nome, a qual do Largo do Rato, e quasi parallela á da Fabrica da Loiça e ao longo da dita Praça das Amoreiras, conduz para as alturas de Campolide, tomando mais acima o nome de Rua [direita] de S. João dos Bem Casados. Hoje uma e outra tem o nome de Rua das Amoreiras, a qual começa no Largo do Rato e acaba na porta da cidade chamada do Alto do Carvalhão [actual Rua D. Carlos de Mascarenhas].²

Palacete Marçal Pacheco [vermelho] 
Verde:  troço da antiga Rua das Amoreiras,  antes Rua direita de S. João dos Bem Casados, que corresponde actualmente à Rua Prof. Sousa da Câmara
Laranja: Rua Silva Carvalho, antes
Rua de S. João dos Bem Casados 
Levantamento da Planta de Lisboa, 1911 por  Júlio António Vieira da Silva Pinto, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XI, pp. 80-81, 1939.
² BAPTISTA, João Maria, Chorographia Moderna Do Reino De Portugal, vol. 4, 1876.

Sunday 10 June 2018

Palácio Sinel de Cordes

Poucos sitios se adornam, como este, de tantos palácios nobres — diz mestre Castilho — : o dos Marquezes do Lavradio, erigido pelo Cardeal D. Thomás de Almeida, o da familia Sinel de Cordes, o dos Viscondes e Condes de Barbacena, o dos Condes de Rezende, o do Cardeal Mendoça, etc.


O Palácio Sinel de Cordes é uma construção palaciana de meados de setecentos mandada construir pela família Sinel de Cordes, que segundo os genealogistas consultados provém de uma nobreza flamenga chegada a Portugal no início do século XVII.
Em meados do século XIX o imóvel é adquirido pelo Visconde de Correia Godinho, Juiz do Supremo Tribunal Militar que foi quem lhe fez acrescentar a balaustrada na platibannda, adornando-a de quatro estátuas.

Palácio Sinel de Cordes [c. 1940]
Campo de Santa Clara; Travessa do Conde de Avintes
Eduardo Portugal, in A.M.L.

No início do século XX funcionava no Palácio a Legação de Itália, época em que ocorreu um violento incêndio que destruiu grande parte do seu interior, posteriormente reconstruido. Em 1939, de acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo, a propriedade pertencia aos descendentes de Carlos Ribeiro Ferreira, «que foi conhecido na gíria bairrista e da Rua dos Capelistas por «Ribeiro do Campo Grande».
A partir dos anos 30 passaria a funcionar no palácio uma escola primária, ocupação que se prolongou até 2006. Fechado desde então, o Palácio Sinel de Cordes veio a ser redescoberto no início de 2012 com a chegada da Trienal de Arquitectura.

Palácio Sinel de Cordes [1900]
Campo de Santa Clara; Travessa do Conde de Avintes
Machado & Souza, in A.M.L.

Bibliografia
Castilho, Júlio de, A ribeira de Lisboa, 1893.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, 1939.

Wednesday 6 June 2018

Ponte pedonal da praia de Algés

Naquele tempo a Alameda de Algés estava ligada à praia por passadiços, escadarias e pontes, sobre a linha do comboio Lisboa-Cascais. O povo, tal como hoje vai à Caparica, assim, naquele tempo, ia tomar banho a Pedrouços e a Algés, então de águas claras.
Nesta fotografia aérea de 1930 pode ver-se em baixo (ampliando a foto), a referida ponte pedonal defronte ao Parque Anjos.  

Ponte pedonal da praia de Algés [c. 1920] 
Situava-se defronte ao Parque Anjos, originalmente moradia de veraneio de Policarpo Anjos, construída no século XIX
Fotógrafo não identificado, in AML

Sunday 3 June 2018

Palácio dos Azevedos Coutinhos e o Arco do Chanceler

O Palácio dos Azevedos Coutinhos, ocupa uma área contida entre a Rua de Santo Estêvão, o Largo do mesmo nome (escadinhas de curiosa perspectiva), e o Largo do Chanceler, e assenta em parte sobre o Arco do Chanceler.


Não sei em Lisboa de cousa assim — diz-nos o ilustre Norberto de Araújo — como esta Alfama se multiplica de aspectos raros, em mistérios de germe urbanista, de imprevistos e de quadros locais que nunca se assemelham, mas de que nossos olhos se vão fatigando, acabamos, em saturação, por não fixar um apontamento. Fica-se entontecido. Não será assim, Dilecto?
O enquadramento é gracioso, seja qual for o conceito que nós possamos ter de beleza nestes quadrinhos bairristas, onde — e é o caso neste sítio — o pitoresco, o religioso, o fidalgo se dão mãos, para que Alfama se represente nos três Estados. 

O Palácio de Santo Estêvão, dos Azevedos Coutinhos é uma fundação seiscentista, de tipo nobre, modesto; envolto num pitoresco de cenário, único em Lisboa, e, a despeito da sua mediania arquitectónica, pode ser considerado um espécime curioso da cidade, como tal, merecedor de relevo nesta nota histórica.

Palácio Azevedo Coutinho [190-] 
Largo (Miradouro) Escadinhas de Santo Estêvão; Arco do Chanceler; Rua de Santo Estêvão
Ângulo do edifício sobre Santo Estêvão, distinguindo-se o terraço primitivo do andar nobre
com paredes ao fundo de azulejos historiados, de delicioso efeito tomado do Largo.
Alberto Carlos Lima, in AML

Ainda no século XVII uma grande parte dos terrenos que rodeiam a primitiva igreja de Santo Estêvão era do domínio directo do priorado ou da irmandade da paróquia. No local onde se levantou o solar existiam na primeira metade do seiscentos umas atafonas e depois umas casas — o núcleo primitivo do solar — «por trás da capela-mor sobre o Arco», casas que pertenciam a um Domingos Preto, descendente, talvez filho, de «Simão Gonçalves Preto, chanceler-mor que foi destes reinos», segundo atestava em 1695 o cura de Santo Estêvão, Padre Cristóvão Prestes da Silveira, num documento traslado que lhe foi requerido, e no qual há referência a casas no local em 1647, o que não significa que não as houvesse antes, pois um documento existente no arquivo da Câmara Municipal demonstra que, em 1688, aquelas casas passaram a um Tomé de Mesquita. De admitir é que tivesse sido o chanceler Simão Gonçalves Preto o fundador da casa, e duvida parece já não subsistir de que fosse dele que derivou a denominação do «Arco do Chanceler».

Palácio Azevedo Coutinho [1899]
Largo de Santo Estêvão; Rua de Santo Estêvão
A Fachada, de duas faces do corpo Sul do edifício contíguo
inferiormente ao principal, fazendo esquina para as escadinhas
e Rua de Santo Estêvão, caracterizado por um sólido cunhal de
cantarias sobrepostas, com algumas janelas (de sacada) e portas de habitações
pobres; sobre este corpo assenta um terraço, com cortina de grades seiscentistas.

Machado & Souza, in AML

O palácio, propriamente dito, recebeu dano pelo Terramoto, pois se vê que uma parte do edifício é de reconstrução posterior ao núcleo primitivo, este representado pela frontaria, pelo ângulo do terraço e por parte da face sobre a estreita Rua de Santo Estêvão. Data, pois, de 1847 o senhorio dos Azevedos Coutinhos no solar e casas de Santo Estêvão. 
Entre 1847 e 1867, período durante o qual a propriedade foi administrada por João António de Azevedo Coutinho, este fez «Obras reais» na casa, acrescentando-lhe em parte dois andares modestos, conservando o semblante seiscentista da fachada amesquinhada na estreita serventia denominada ali Largo do Santo Estêvão, mas desfigurando as salas, pela cobertura com estuque dos tectos apainelados, e pela supressão de bons panos de azulejo que revestiam as paredes em silhares.
Em 1911 lavrou incêndio na ala Sul do palácio, sobre a Rua de Santo Estêvão; as obras de restauro não lograram repor o interior dessa ala no seu aspecto primitivo.


Palácio dos Azevedo Coutinho [1939]
Arco do Chanceler, vista tomada do Largo de
Santo Estêvão
Eduardo Portugal, in AML


Palácio dos Azevedo Coutinho [195-]
Arco do Chanceler, vista tomada o Largo de
Santo Estêvão
Almeida Fernandes, in AML



O Arco do Chanceler, sob o Palácio ao qual dá passadiço, é de volta abatida. À direita abre-se o portal do velho solar servido por um átrio interior, do qual a escadaria de dois lanços se desenvolve, amparado a um corrimão, em balaustrada de mármore branco, transpirando de tudo um ar discreto, repousado, setecentista, só igualado em espírito no palácio dos Condes dos Arcos
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 90-91, 1939.
id, Inventário de Lisboa, 1955.

Friday 1 June 2018

Igreja de Santo Estêvão

A igreja de Santo Estêvão — considerada «monumento nacional» (27/8/1917) — é uma reedificação do segundo quartel do século XVIII. por sua vez objecto de largo restauro depois do Terramoto (1778). na frontaria e em parte do interior. Está situada numa elevação, na qual se construiu um vasto adro amparado a uma muralha.


A paróquia de Santo Estêvão, das mais antigas e representativas de Lisboa, remonta, por noticia de um documento, a 1188; existia seguramente o templo neste lugar em 1279, possivelmente mesmo na primeira metade do século, reinado de D. Afonso II. A primitiva igreja, certamente modesta, foi reedificada em 1316 e em 1548, por efeito dos danos causados por sismos nos século XIV e XVI, e teria então sido ampliada e revestida de grandeza, pois sabe-se que ostentou cinco naves — por ventura apenas divisões teóricas demarcadas por colunas de apoio, mas que representariam largueza na traça arquitectónica.

Igreja de Santo Estêvão, frontaria |c. 1900|
 Num terreiro sobre o Tejo, Santo Estêvão.
Panorâmica tirada do miradouro de Santa Luzia
José A. Bárcia, 
in Lisboa de Antigamente

Esta traça desapareceu completamente numa reedificação radical de 1788-1740, que deu ao templo outra planta, fazendo recuar a capela-mor sobre o troço da Rua, a Sul, ainda hoje incluído na Largo de Santo Estêvão. Além da reconstrução posterior ao Terramoto, concluída em 1775, a qual não lhe alterou a área nem a configuração, Santo Estêvão beneficiou de restauros de 1888 a 1848, e de reparos já no actual século [XX].



Igreja de Santo Estêvão, fachada |1898|
Largo de Santo Estêvão
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente


Igreja de Santo Estêvão, fachada |1939|
Largo de
Santo Estêvão
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente



Ora contempla a fachada, fria, mas expressiva — convida-nos Norberto de Araújo. Abre por três pórticos, dos quais o central, sobrepujado da data da reconstrução: 1773, é o mais largo e alto, todos coroados de áticas. O corpo central, onde se eleva um. frontão simples, com um óculo iluminante, avança um pouco da fachada, deixando assim os dois .curtos corpos extremos — sabre um dos quais, do lado nascente, assenta a torre — um pouco recuados. Três altos janelões e outras tantas janelas quadradas abrem-se no corpo central, e duas por lado nos corpos subsidiários.


Igreja de Santo Estêvão |1944|
 

A traseira da capela-mor, saliente do corpo do edifício, apoiada sobre grossa cachorrada, construída em 1733-1740, e na qual, ladeando a passagem do Largo de Santo Estêvão, ao alto das escadinhas, se vê um painel de azulejo com a representação da Eucaristia, legenda latina, tirada dos Salmos, e uma data, 1723.
J. C. Alvarez, 
in Lisboa de Antigamente


No Interior, a igreja é de forma octogonal, como as do Menino Deus, Santo Amaro, Penha de França, Santo Amaro). Assinala-se:
O Corpo da igreja, revestido de materiais nobres, cujas faces do octógono são divididas por pilastras caneladas, e nele:  
O tecto, pintado a claro-escuro, sobre estuque, simulando nervuras de artesão rematadas por fecho;  
O coro, apoiado em pilastras de quatro faces;
Seis capelas (três por cada lado) correspondendo a outras tantas faces do octógono (as outras duas faces correspondem ao sub-coro e ao arco da capela-mor.

Igreja de Santo Estêvão, interior |1963|
Na
Capela-mor destaca-se a coroação ou remate, sobre o trono, composição escultórica, em mármore alvíssimo, que representa um Cristo crucificado ladeado por dois serafins, obra de José de Almeida.
Armando Serôdio, 
in Lisboa de Antigamente

A Capela-mor, sector nobre do templo, toda de mármore, fazendo lembrar a da Igreja de S. Domingos, salvas as dimensões, e nela: a abóbada de aresta, em cujas faces se vêem os Evangelistas, e ao centro o símbolo da Eucaristia (factura posterior à dos Evangelistas, ou mal restaurada); o altar-mor, ostentoso, e, nele, o frontal e banqueta em embutidos florentinos; a guarnição, de duplas colunas salomónicas de mármore rosa da Arrábida, apoiadas em bases ricamente lavradas; a coroação ou remate, sobre o trono, composição escultórica, em mármore alvíssimo, que representa um Cristo crucificado ladeado por dois serafins, obra de arte pura de José de Almeida, com colaboração de Jerónimo da Costa, e que foi executada — parece — para o mosteiro de Mafra, onde chegou a estar colocada, e transferida depois para esta igreja; uma imagem de Santo Estêvão, escultura de Nicolau Pinto.

Igreja de Santo Estêvão |c. 1900|
 Cruzeiro de Santo Estêvão junto da igreja com o mesmo nome.
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

No adro da igreja eleva-se um Cruzeiro, seiscentista (que deve ter substituído um muito mais antigo), com uma legenda no soco: «Este sinal de redenção, que um de voto aqui fez pôr, pede com devoção se louve o Redentor. Pelas Almas um Padre. Nosso e uma Avé-Maria. 1669». A cruz, ao alto, não é da época; partida a antiga há uns trinta anos foi depois substituída pela que alveja agora sobre a muralha.
 
Igreja de Santo Estêvão |1963|
 Cruzeiro de Santo Estêvão junto da igreja com o mesmo nome.
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 85-87, 1939.
id., Inventário de Lisboa, 1955.
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