Friday, 29 April 2022

Profissões de antanho: o moço de fretes

O moço de fretes ou moço de esquina, como também era conhecido, foi uma instituição de Lisboa. Normalmente eram homens oriundos da Galiza, embora entre eles se contassem muitos elementos das nossas Beiras.


Um moço de fretes abeira-se de mim, ergue a pala do boné:
- É preciso alguma coisa, senhor engenheiro ? 
Dou-lhe as malas, digo-lhe que há ainda um caixote de livros a desembarcar. 
- Então é dar-me a senhazinha, senhor engenheiro.
[Ferreira: 1960]

Moço de fretes |entre 1908 e 1914|
Praça do Comércio, antigo Terreiro do Paço
Charles Chusseau-Flaviens, Lisboa de Antigamente

Arranjo as malas, e digo na casa onde estou que chamem um moço de fretes para mas levar á estação. Ignoro ainda que na América não existe o moço de fretes. O que há é a agência de fretes. Telefona-se para a agência, e diz-se: «Venha buscar uma mala, ou duas malas, ou a mobília toda da casa, á rua tal, número tantos... Se não há telefone, dependura-se á janela um letreiro dizendo: «Há frete». 
[Mesquita; 1916]

Moço de fretes |1923|
Praça D. João da Camara junto à Estação do Rossio
Fotógrafo não identificado, Lisboa de Antigamente

Sunday, 24 April 2022

Palácio Almada (ou da Independência)

A celebridade do Palácio adveio da circunstância de o seu proprietário e morador, em 1640, ser D. Antão Vaz de Almada, um dos conjurados a favor da Restauração. É tradição mantida, e sustentada, que foi nestas nobres casas, em certo pavilhão que durante muito tempo foi respeitado e hoje ainda identificado nos seus vestígios, que os conspiradores reuniam, e que foi daqui que saíram para o Terreiro do Paço. 
O facto histórico de este Palácio haver sido o «quartel general» exclusivo da conjura, está hoje muito abalado, mas parece incontroverso, com apoio na verosimilhança, que nele se realizaram conciliábulos, sendo o principal em 12 de Outubro.


O Palácio dos Condes de Almada, no Largo de S. Domingos, é um dos mais representativos espécimes seiscentistas da área urbana de Lisboa, ainda que de linhas simples, e com tradições que justificam a classificação de «monumento nacional»

Palácio Almada (ou da Independência) [1939]
Largo de S. Domingos
A Frontaria Principal, voltada a Sul, precedida de um terreiro guarnecido de cortina de gradeamento, e nela o portal seiscentista emoldurado, sobreposto de varanda de balaústres a guarnecer a janela central, das onze de sacada do andar nobre que a fachada apresenta, engrinaldada de renques e sobrepujada de brasão (armas dos Almadas e Avranches, abertas e floretadas, com duas águias na contrabanda).
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente 
Palácio Almada (ou da Independência) [1939]
Largo de S. Domingos
No Palácio dos Condes de Almada, apenas com o andar nobre acima do andar inferior, há a considerar, designadamente, a frontaria principal. No canto superior direito notam-se as chaminés oitavadas — torreões — que davam tiragem às cozinhas.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente 

Os Almadas remontam pelo menos ao século XIV; nesta família entrou o condado de Avranches, na Normandia, com honras e título concedidos pelo Rei Henrique VI de Inglaterra ao famoso e lealíssimo D. Álvaro Vaz de Almada, que sucumbiu com o Infante D. Pedro cm Alfarrobeira (12 de Maio de 1449). Não tem fundamento a versão de que no final do século XIV ou princípios do século XV havia no «Rossio de Valverde» um solar dos Almadas. (Uns Paços de Valverde», da família Almada, leriam existido, mas perto do Mosteiro de Alcobaça).
O fulcro da história do palácio é a conspiração de 1640. Não é apenas tradição, mas facto comprovado, que os conjurados se reuniram «também» na casa de D. Antão Vaz de Almada (num pavilhão dos jardins, que não nas salas), embora não fosse ali, por precaução, o centro conspiratório, sendo positivo, porém, que no palácio se realizou a última e decisiva reunião na madrugada do l.º de Dezembro.

Palácio Almada (ou da Independência) [1939]
Largo de S. Domingos
A fachada lateral com sete janelas de sacada, sobre a Rua das Portas de Santo Antão (antiga de Eugénio dos Santos), apoiada numa baixa e sólida arcaria (1940) de sete arcos de volta redonda. 
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente 

Quanto aos dois chamados «torreões históricos» (e que não passam de chaminés de cozinha), muito decorativos. situados na ala Nascente sobre as Escadinhas da Barroca, eles remontam, pelo menos, ao terceiro quartel do século XVI, pois já aparecem na planta «Olissippo quae mmc Lisboa...», de Georgio Braunio, de 1572.

Palácio Almada (ou da Independência) [c. 1946]
Largo de S. Domingos
As Duas Chaminés do palácio (século XVI), que davam tiragem às cozinhas
(até 1940 habitação de famílias pobres com entrada pelas Escadinhas da Barroca, n.º 1,
hoje dependências nuas e limpas, com acesso por um dos corredores da Sociedade
Histórica); nelas, e desiguais, há a considerar os remates ameados dos cones oitavados,
e, acima deles, um coroamento canudado, circundado de cimalha decorativa.
Horácio Novaisin Lisboa de Antigamente 

No palácio, no qual durante vários períodos da sua história não residiram os Almadas (em principio de Julho de 1883 abandonaram-no definitivamente como moradia de família), instalou-se o Depósito Público em 1756, o Senado Municipal em fins de 1757 ou princípios de 1758 (até 1766), e o Tribunal da Relação em 1758, este hóspede durante bastantes anos, chegando mesmo o actual Largo de S. Domingos a ser denominado «Largo da Relação» (1775). No final da primeira década do século que decorre [XX] ocupava o edifício o Quartel General da l.ª Divisão. que ali estava já desde,
pelo menos, 1896, e pouco depois de 1911 o palácio começou a ser distribuído por inquilinato comercial, da mesma maneira que, na segunda metade do século passado [XIX], e mesmo antes, recebera vários inquilinos particulares. A Comissão Central 1.º de Dezembro, fundada em 1861, logo nesse ano ali se instalou. Nos baixos do palácio, na Rua Eugénio dos Santos [hoje das Portas de Santo Antão], existiu, de 1924 até 1938, um «Café Comercial» [vd. 3ª imagem].

Palácio Almada (ou da Independência) [ant. 1944]
Largo de S. Domingos
O Pátio Nobre, antecedido de uma passagem sob três arcos de volta abatida, sucessivamente desenvolvidos no sentido da largura.
Fotografia Alvão,  in Lisboa de Antigamente 
Palácio Almada [c. 1900]
Largo de S. Domingos
Antigos jardins com tanque e panos de azulejos - um deles descrito abaixo.
José Leitão Bárcia, in Lisboa de Antigamente 
Palácio Almada (ou da Independência), jardim [1960]
Largo de S. Domingos
Recanto Histórico, no qual se reuniram pela última vez os conjurados de 1640, guarnecido pela frente por duas pequenas colunas e grade de ferro, tendo ao fundo um lindo tanque de jardim; e nele três painéis de azulejos, representando cenas da Restauração, que sumariamente se descreve o do centro: A cena do assalto ao Paço da Ribeira; D. Miguei de Almeida solta de uma janela do palácio real o grito (legenda em fita) «Liberdade, Liberdade, Viva El-Rei D. João IV »; em baixo numa legenda lê-se: «Redempsão de Portugal, A Fidelidade e o Amor triunfão».
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente 

O edifício, já património nacional (comprado por 2.800 contos), foi entregue à Sociedade Histórica em cerimónia pública, que se efectuou na Praça do Comércio em 24 de Novembro de 1940, e nessa mesma tarde aquela Sociedade Histórica e o Comissariado da Mocidade Portuguesa — aos quais o palácio se destinou — receberam no Salão Nobre as chaves das salas. Oficialmente a posse realizou-se no dia 1 de Dezembro daquele ano dos Centenários.==

Palácio Almada [190-]
Fundado em 1467, por D. Fernando de Almada, a sua traça medieval primitiva foi conhecendo ampliações em 1509, alterações nos séculos XVII e XVIII e restauros em 1940. 
Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente 

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 82, 1939.
idem, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, 1946.

Friday, 22 April 2022

Cinema da Feira Popular e Teatro Vasco Santana

A história do primeiro Cinema Municipal inicia-se em 1951, ano em que foi inaugurado na antiga Feira Popular de Lisboa que se localizava no Parque da Palhavã junto à Praça de Espanha.
Esta feira foi inaugurada em 1943 e seria transferida para a zona de Entrecampos em 1961, (vindo ocupar os terrenos onde anteriormente se localizava o Mercado Geral de Gados edificado em 1888), o que levou a que o edifício do cinema fosse demolido.

Cinema da Feira Popular [1961]
Avenida da República
Artur Goulart, in A.M.L.

Em 1972, o cinema converteu-se no Teatro Vasco Santana e por lá passaram alguns dos nomes mais importantes do teatro e televisão nacional. Com as obras de ampliação e modernização que sofreu posteriormente, foram criados novos espaços que fizeram nascer o Auditório Ana Bola.
Após o encerramento da Feira Popular em 2003, o Teatro foi perdendo público acabando por fechar portas em 2006.

Teatro Vasco Santana, na Feira Popular [1972-09]
Avenida da República
Vasco Gouveia de Figueiredoin A.M.L.

Sunday, 17 April 2022

Mercado da Praça da Figueira, talhos e salsicharias em Sábado de Aleluia

Acabou-se o magro!


Era assim que a revista Ilustração Portuguesa de 8 de Abril de 1907 titulava um artigo sobre o fim da época pascal. Depois da abstinência do período da Quaresma — quadragesima dies (quadragésimo dia) — , quarenta dias de sacrifícios e sem comer carne às Sextas, no Sábado de Aleluia assistia-se a uma correria desenfreada e esfomeada aos talhos e salsicharias, tudo por um suculento naco de carne.

Praça da Figueira [8 de Abril de 1907]
Mercado da Praça da Figueira, talhos e salsicharias em Sábado de Aleluia.
Joshua Benoliel, in AML

Friday, 15 April 2022

Semana Santa em Lisboa

Na quarta-feira de Cinzas, os católicos, arrependidos por tantos disparates que teriam cometido durante o Entrudo, iam penitenciar-se às igrejas e saíam à rua, refeitos, com cinza na testa, aplicada pelos sacerdotes. Os agnósticos, ou os mais esquecidos das obrigações, partiam para «fora de portas» a deglutir famosas ementas que faziam parte das cozinhas das casas de pasto dos arredores e onde, naturalmente, havia vinho afamado.

Semana Santa em Lisboa |1907|
Igreja de Nossa Senhora do Loreto no Largo do Chiado
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Semana Santa, à saída da Igreja do Loreto |1907|
Largo do Chiado
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

As tipóias carreavam, por estradas hoje desaparecidas debaixo dos arranha-céus, toda uma malta de pândegos que ia afundar em bebedeiras os restos histriónicos dos dias do Carnaval. No António das Caldeiradas, em Belém; no Ferro-de-Engomar e nas Pedralvas, por Benfica, no Perna-de-Pau, ao Areeiro, o Caliça, o Quebra-Bilhas e outros que não nos ocorre, fazia-se o rescaldo da paródia! Acabaria a estúrdia noite alta com fados cantados por gargantas privilegiadas.
Depois do Carnaval, a Quaresma. São cinco semanas de encontro com Deus. Depois a Semana Santa!
Para a canalha miúda eram mais uns dias de férias. Depois da licença, as amêndoas e o folar cheio de ovos. Mas a Semana Santa era algo de solene. Podia-se não ser crente, que família católica impunha já na quarta-feira de Endoenças a gravata preta. Não se discutia. Havia sermões nas igrejas e vasta audiência aos pregadores de maior fama. — Que belo sermão ouvimos hoje! — Os padres, Governo, Farinha e Fernandes de Castro, entre outros, atraíam um público de qualidade. la-se de igreja em igreja para os ouvir!

Semana Santa, à saída da Igreja da Encarnação |1912|
Largo do Chiado
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Semana Santa, à saída da Igreja da Encarnação [|22-4-1922|
Largo do Chiado
 Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Senhoras durante a Semana Santa |1912|
Rua António Maria Cardoso; ao fundo, o Largo do Chiado
Pela Páscoa, na altura da Semana Santa, era tradição o luto carregado, as pessoas vestiam-se de escuro e com discrição.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Quinta-feira Santa era o dia de maior respeito, havia silêncio nas ruas, apesar da multidão que, de luto, visitava as sete igrejas da obrigação. O ar cheirava a rosmaninho que atapetava as entradas dos templos, onde mulheres vendiam raminhos com alfazema e alecrim. Nas pastelarias, cheias de gente, os caixeiros não tinham mãos a medir para aviar as guloseimas.
Naquele tempo, o sábado de Aleluia era uma festa! Desapareciam dos altares os reposteiros roxos, reboavam os sinos no entusiasmo da vida nova! Colaborando no festival de Deus, bandos de pombos eram libertos nas naves das igrejas.
Depois do Concílio foram alteradas algumas normas, mas o Domingo de Páscoa continua a ser a alvorada cheia de luz que a todos enternece e enche de alegria. É o grande dia litúrgico; desapareceram os lutos, desejam-se reciprocamente as Boas-Festas!


Largo do Chiado
Venda do rosmaninho em Quinta-feira Maior [22-4-1922]


Largo do Chiado
Venda do rosmaninho em Quinta-feira Maior
 [18-04-1935]
in Lisboa de Antigamente



Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.

Sunday, 10 April 2022

Rua da Torre da Pólvora

[1804Torre da Pólvora: é a ultima à direita, descendo pela Calçada da Pampulha, vindo da Igreja de S. Francisco de Paula, e vai terminar aos Armazéns da Pólvora
[1864Torre da Pólvora (largo da)  fica na fim da rua da Torre da Pólvora, indo da calçada da Pampulha e finda na travessa do chafariz das Terras, freguesia de Santos. Está n'este largo o presidio denominado da Cova da Moura, actualmente serve de quartel para infantaria.
[1924] Fronteira à R. do Tenente Valadim, a rua da Torre da Pólvora, que vai dar à Cova da Moira, ao fundo da qual fica o quartel onde se acha instalado o 1.º grupo de companhias de administração militar. 

A designação de Torre da Pólvora nesta serventia — recorda Norberto de Araújo — nasce da circunstância de, no fundo da rua, ter sido construída, de 1670 a 1696, uma torre, depósito ou paiol de pólvora defendida por seu guarda fogo, num recinto relativamente largo.

Rua da Torre da Pólvora |1939|
Desaparecida para dar lugar à Avenida Infante Santo
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

O casarão foi depois presídio (1843), já há muito o depósito de pólvora havia desaparecido do local. Mais tarde, nas casas anexas reconstruídas e ampliadas, instalou-se o regimento de Infantaria n.° 7; ainda depois, em 1899, vários serviços de Administração Militar, e em 1928 uma Companhia de Trem Hipomóvel. É este o bairrista quartel da Cova da Moura. [...]

Panorâmica sobre o Quartel da Cova da Moura |c. 1947|
Demolido para dar lugar à Avenida Infante Santo
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

A abertura da Avenida Infante Santo vai implicar a sua destruição em finais da década de 1949. Conforme o Edital de 13 de Maio de 1949 «o arruamento em construção, que ligará a Avenida 24 de Julho à Estrela, compreende parte da Rua Tenente Valadim, desde o término da curva do prédio do Estado (Instituto Maternal); parte da Travessa dos Brunos prédios nºs 22 e 24 e, ainda, a Rua da Torre da Pólvora» passou a ser a Avenida Infante Santo.

Panorâmica sobre a Avenida Infante Santo |c. 1959|
A abertura da Avenida Infante Santo vai implicar a destruição da Rua da Torre da Pólvora.
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VII, p. 56, 1938.
COSTA, António José Pereira da - A Fábrica e a Torre da Pólvora, 2017.

Friday, 8 April 2022

Farmácia Estácio

A Farmácia Estácio, n.º 60 a 63 — recorda o ilustre Norberto de Araújo — , data de 1882; foi também restaurada e alindada há poucos anos.
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, p. 70, 1939)

Empregou-se no Estado, como ajudante técnico de farmácia, pois tinha prática adquirida na Farmácia Estácio de Lisboa , muito conhecida ali no Rossio. E no sossego das pomadas e xaropadas, recomeçou a dar asas ao seu sonho de poeta.
(ERVEDOSA, Carlos, Roteiro da literatura angolana, 1979)

Farmácia Estácio |1932|
Praça D. Pedro IV, 60-63
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Sunday, 3 April 2022

Avenida António Augusto de Aguiar: cigana com burros

Os ciganos representam a maior minoria da Europa. São cerca de 11 milhões — mais do que a população de Portugal — mas não possuem registos escritos da sua história nem tão-pouco das suas andanças pelo mundo. A diáspora dos ciganos começou há 1500 anos no Noroeste da Índia e, uma vez chegados à Europa via Balcãs (mais precisamente à Bulgária), os ciganos começaram a espalhar-se por todo o continente, até à Península Ibérica. A Portugal, os primeiros ciganos terão chegado em 1462.


A não ser um ou outro cigano abastado que se domicilia, geralmente os da sua raça levam a vida errante por feiras e excursões, marchas longas, a pé ou a cavalo, com galgos para a caça. Vagueando, recolhem de noite às tendas e palheiros e, ao encontrarem nova povoação, orientam-se passeando os arredores a ver onde há gado ou aves para roubarem. Comem carne, peixe e couves misturadas, toucinho cru, porco desenterrado; e alguns há que justificam plenamente a quadra que compuseram lá em Espanha:
Un gitano se murió
Y dejó em el testamento
Que le enterrasen en viña Para chupar los sarmientos.

Avenida António Augusto de Aguiar |1909|
Cigana com burros próximo da Rua Augusto Santos.
Joshua Benoliel, iin Lisboa de Antigamente

Cigano em Portugal, gitano em Espanha, boémio em França e zíngaro na Itália, o cigano tem conservado, através do tempo e do espaço, os traços étnicos mais característicos de um povo ao qual as emigrações, com o seu ar de uma penitência eterna a remir um pecado imperdoável, em pouco lograram alterar os fundamentos. Do seu país de origem nada explicam e nada sabem ; a língua vai-se-lhes alterando mais ou menos profundamente e a ponto de serem já relativamente numerosos os dialectos ou sub-dialectos que eles falam. Mas caldarari na Hungria, ursari os da Bulgária, contratadores de gado os de Portugal, há traços dominantes que distinguem este povo nómada e disperso, notável sequer por semelhante persistência, pelos seus processos industriais quase proto-históricos e pela maneira primitiva das suas relações internacionais.

Avenida António Augusto de Aguiar |1909|
Cigana com burros; à esq. nota-se a vegetação do Parque Eduardo VII.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
F. Adolpho Coelho, Os ciganos de Portugal, 1892

Friday, 1 April 2022

Largo de São Cristóvão

Estamos diante de S. Cristóvão — na companhia de Mestre Araújo —, no Largo pequeno que tem a Sul, defronte do templo as Escadinhas que levam à Rua da Madalena. Encosta-te à cortina: observa-me essas minúsculas casitas, do principio do século passado, acumuladas, em capricho de intersecção, graciosas na suas escadas exteriores, e melancólicas no seu ar de condenadas perante um urbanismo racional
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. III, p. 52, 1938)

Largo de São Cristóvão |c.1900|
Confluência da Rua de São Francisco, Rua do Regedor e Calçada Marquês de Tancos; Igreja de de S. Cristóvão.
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Este arruamento e os envolventes (Escadinhas e Rua de São Cristóvão) devem o seu nome à Igreja de São Cristóvão, de que são adjacentes. Segundo o Dicionário da História de Lisboa: "Onde assentou provavelmente a igreja de Santa Maria de Alcamim (talvez do séc XII), porquanto aparece ainda mencionada no 1º quartel do seguinte, ergue-se este templo de orago já usado no começo do séc. XIV. (...) É um dos poucos monumentos do séc. XVIII, da área central de Lisboa, que resistiu ao terramoto de 1755 (...)."

Escadinhas de São Cristóvão |1961|
O painel de azulejo foi substituído em 1969 por um baixo-relevo representando São Cristóvão; encimando as Escadinhas, o Largo e Igreja de São Cristóvão.
Artur Goulart, in Lisboa de Antigamente
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