Tuesday 28 February 2017

Palácio Vagos (Paço de S. Cristóvão)

O antigo Palácio dos Condes de Aveiras, Marqueses de Vagos, em S. Cristóvão — hoje revestido de um semblante burguês incaracterístico — entra no inventário patrimonial de Lisboa apenas por seu significado e expressão histórica subjectiva. É uma peça urbana do século XIX, mas de remoto fundamento nuclear. Com efeito eleva-se este edifício onde assentou, em área mais reduzida, e de mais recuada frontaria em relação ao século XVIII, o Paço — ou Paços — de S. Cristóvão, que pertenceu ao 1.º Duque de Bragança, D. Afonso, ao 2.º D. Fernando I, e depois ao filho deste, D. Álvaro, Regedor das Justiças (....) 


Neste sitio diz Norberto de Araújo assentaram os Paços de S. Cristóvão, nos séculos XV e XVI, com grandes tradições realengas e cortesãs, e que no tempo de D. João II pertenceram a D. Álvaro de Bragança, Regedor das Justiças [e daí se deu à rua que vai do Largo de S. Cristóvão para o Largo do Caldas o nome de Rua do Regedor], filho de D. Fernando, l.º Duque deste título. Quando do Terramoto, as riquezas deste Palácio, já dos Condes de Aveiras [e marqueses de Vagos], que nele haviam feito em 1740 grandes melhorias, desapareceram completamente, salvando-se apenas a livraria. O portal, que notas aqui na Rua do Regedor, deve ter sido aproveitado da primeira fábrica, quando da obra anterior ao Terramoto, e ficou sempre como um sinal de atenção para o  passado solarengo e pação da casa. 

Palácio Vagos ou S. Cristóvão [1901]
Largo de São Cristóvão, 1; Rua do Regedor, 2
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Nos tempos em que este edifício foi Paço, nele se realizaram as pomposas festas do casamento de D. Leonor, filha do Rei D. Duarte, com o Imperador Frederico III da Alemanha; neste Paço nasceu o malogrado príncipe D. Afonso, filho de D. João II, e porventura o próprio «Príncipe Perfeito».
Certo é terem no Paço de S. Cristóvão reunido, em 1456, as Cortes para aclamarem este Rei.

Palácio Vagos ou S. Cristóvão, portal lateral [1901]
Rua do Regedor; portal gótico quatrocentista de colunas torsas, incluindo a do 
travejamento, único elemento do conjunto classificado como Monumento Nacional (1910).
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Em 1864 pode ler-se na Lisboa antiga e Lisboa moderna comprou-o então o rico capitalista Leomil, que daquelas ruínas fez ressurgir uma das mais lindas casas de Lisboa. Aproveitou-lhe a fachada principal, que ficara incólume, limitando-se a substituir as armas da família Vagos pela firma de seu uso. As armas representavam um belo cão. Para o lado do Caldas tem o palácio um lindo jardim e uma esplêndida fachada que sobre ele deita [3ª. foto]. Dá entrada ao jardim um elegante portão de grades, de moderna factura. Pelo lado da Rua do Regedor [2ª. foto]. há uma porta que é ainda da primitiva edificação, quando ali residiam pessoas da família real.

Palácio Vagos ou S. Cristóvão [1901]
Largo do Caldas com a Rua do Regedor (esq); portão de acesso ao antigo jardim do palácio (ambos demolidos) virados ao Caldas.
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

O Palácio Vagos ou S. Cristóvão foi objecto de novas intervenções, tanto no séc. XIX, como no séc. XX, dando lugar ao acrescento de pavilhões anexos e de novos andares,conferindo o aspecto actual ao edifício,pertencente à Associação de Socorros Mútuos de Empregados de Comércio de Lisboa, desde 1913.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de,Inventário de Lisboa: Monumentos históricos, p. 57, 194.
Lisboa antiga e Lisboa moderna : elementos históricos da sua evolução, pp. 10-11, 1900.

Sunday 26 February 2017

Carnaval de Lisboa

Se não participava nos bailes de máscaras, assaltos e no Corso da Avenida, espectáculo reservado à burguesia que toda se enfeitava para descer a Avenida da Liberdade e subir o Chiado, em vistosos carros alegóricos, qual deles o mais imaginativo, ao povo pertenciam, inteiramente, os folguedos carnavalescos mais tradicionais, como as Paródias, as Cégadas, a Dança da Bica, a Dança da Luta, todos de forte pendor histórico.


Avenida da Liberdade, Lado ocidental entre a Calçada da Glória e a Tv. da Glória [c. 1900]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Avenida da Liberdade, junto à Rua Alexandre Herculano [1906]
Ao fundo o edifício (já demolido) da Associação Industrial Portuguesa

Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente
Avenida da Liberdade, junto à Rua do Salitre [Inicio séc. XX]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Avenida da Liberdade [Inicio séc. XX]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Para as Paródias de Carnaval constituíam-se em grupos de cerca de trinta ou quarenta pessoas, cada uma encarnando determinada figura, obedecendo todos ao toque do apito dum director-ensaiador que os vinha preparando, desde havia dois ou três meses atrás.
Entre os tipos de mascarados que acompanhavam estes cortejos abundavam os «Homens de Capote e Lenço» e os «Galegos» em fralda de camisa. A figura mais popular era, porém, a do «Chéché», de cabeleira de estopa, com grandes lorgnons, trazendo, espetado na bengala, um grande chifre, empunhava um facalhão de madeira e papel prateado com o qual ia ameaçando: «Arreda que te espeto».

Praça Dom João da Câmara; Largo do Regedor [1907]
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente
Rua da Escola Politécnica [c. 1910]
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Largo do Regedor [1907] 
Dança da Luta
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Estes cortejos acabavam sempre por parar no Rato, em frente ao Palácio do Marquês da Praia, que não dispensava esta atenção popular. As Cégadas, com possíveis raízes nos autos medievais, eram farsas burlescas, representadas em plena rua, cujo assunto inspirava-se em cenas de vida quotidiana. Para estas representações, os figurantes envergavam indumentária e caracterização apropriada às personagens que pretendiam encarnar. Entre as paródias carnavalescas mais populares contavam-se a Dança da Escada e a Dança da Bica ou Dança da Luta, nas quais eram executados vários números acrobáticos, mostrando os participantes a sua destreza no salto, nos jogos de força, ou como equilibristas.

Largo do Chiado [c. 190-]
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente
Praça Dom Pedro IV, o «chéché» ou «xéxé» a principal figura do carnaval lisboeta [c. 1900]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Praça Do Comércio [c. 190-]
Alberto Carlos Lima,in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
O Povo de Lisboa: tipos, ambiente, modos de vida, mercados e feiras, divertimentos, mentalidade, Câmara Municipal de Lisboa, p. V, 1979.

Saturday 25 February 2017

Palácio Beau Séjour

A visita ao jardim e palácio Beau Séjour (“Boa Estadia”) é gratuita, mas deve-se ter muito cuidado porque dizem que está mal-assombrado e por lá andam as almas penadas dos antigos proprietários apoquentando os pobres mortais. 


Esta antiga Quinta das Louras ou das Loureiras, foi adquirida em 1849 por D. Ermelinda Allen de Almeida, viscondessa da Regaleira, e passou a ser conhecida por Quinta Beau Séjour, imitando o estilo francês. Com o passar do tempo ficou conhecida como Quinta das Campainhas, devido ao tilintar de umas campainhas de vidro de várias cores pendentes da cobertura metálica do coreto no jardim que se faziam ouvir á mais leve brisa. Em 1859 a baronesa da Regaleira, D. Isabel Allen Palmeiro, sobrinha e herdeira da viscondessa, vendeu esta quinta a António José Leite Guimarães (Guimarães, Pencelo, 21.8.1806 – Lisboa, 29.10.1876), primeiro barão de Glória, capitalista emigrado no Rio de Janeiro que faleceu solteiro sem deixar geração.

Palácio Beau Séjour [1968]
Estrada de Benfica, 368
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Finalmente, na década de 80 a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu o imóvel e desde 1992 serve de instalação ao Gabinete de Estudos Olisiponenses. Pois bem, desde que o Gabinete de Estudos Olisiponenses se instalou neste palacete que os funcionários andam desesperados com a aparição inquietante da alma defunta do barão de Glória que por aqui anda a arrastar grossos volumes de livros e caixotes de documentos, mudando-os de sítio, para dias depois os mesmos funcionários encontrarem-nos no exacto lugar onde haviam procurado. O barão também é culpado, acusam, pelo deslizar e tilintar das chávenas em cima das mesas sem ninguém as tocar e pelo soar das campainhas que já não existem nesta quinta. Na cave, onde estão os arquivos, é onde se regista maior actividade dessa e outras andam mal-assombradas que se arrastam por aqui, um delas a própria viscondessa da Regaleira, dizem.

Palácio do Beau Séjour, no século XIX(?) na quinta do mesmo nome (ou Quinta das Campainhas). Ao longe, a Serra do Monsanto.
Entre a quinta e Monsanto, passa o comboio (ainda a vapor) da linha de Sintra.

Aliás, conto a seguinte história que muitos têm por absolutamente verídica e até juram pela sua honra que assim aconteceu:
Certa noite a campainha da porta tocou e o funcionário de serviço foi abrir. Não viu ninguém. Tornou a fechar a porta e a campainha voltou a tocar. Novamente não viu ninguém. A campainha voltou a tocar e o funcionário, aborrecido e contrariado, gritou: 
— Quem está aí? 
Então, ouviu-se uma voz rouca do outro lado da porta: 
— É o barão de Glória! 
E mais atrás uma outra voz, tíbia e tímida, acrescentou:
— E a viscondessa da Regaleira também! 
O homem apanhou um susto de morte e nessa mesma noite despediu-se do emprego. Enfim, fábulas urbanas que enriquecem o imaginário fantástico lisboeta. Mas vale muito bem a visita a este palacete que conta com uma das maiores colecções de arte romântica e naturalista portuguesa, cujas peças restauradas estão expostas ao público. É notável o denominado Salão Dourado ocupando a zona nobre do edifício e ostenta no tecto a grande tela de Columbano Bordalo Pinheiro, Carnaval de Veneza. Também na chamada Sala de Música, igualmente transformada em sala de leitura, Francisco Vilaça executou magníficos estuques figurando instrumentos musicais. Merece a visita demorada este singelo palacete oitocentista, e pode muito bem acontecer que o visitante seja recebido à entrada pelo fantasma do próprio barão de Glória e a alma penada da viscondessa da Regaleira lhe seja guia nestes seus antigos aposentos.
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Bibliografia
(Mistérios de Lisboa, lendas e factos, por Vitor Manuel Adrião)

Thursday 23 February 2017

Praça do Município, antiga do Pelourinho Velho

Antes do terramoto de 1755 havia em Lisboa a Praça do Pelourinho Velho e a Praça do Pelourinho Novo, nas quais se fizeram execuções de diferentes penas corporais. Ambas ficavam distantes da actual, que na ocasião daquele cataclismo era o Largo da Patriarcal, e anteriormente se chamava Pátio do Relógio, dos paços da Ribeira.


O Pelourinho, do qual advém o nome do Largo, data do último quartel do séc. XVIII, e de acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo « O Largo do Pelourinho (Pelourinho dito «o Velho» já antes do Terramoto) era uma pequena praça que na Lisboa da intrincada Baixa dos séculos anteriores ao sismo grande assentava no chão onde se ergueu o quarteirão sul extremo da actual Rua do Comércio, entre as Ruas dos Fanqueiros e Madalena de hoje; em 1392 aparece já uma referencia documental ao Pelourinho, cujo Largo, perto do qual ficava uma Casa do Senado da Câmara, porque se ergueu outro no Terreiro do Paço, transferido também depois para a Ribeira Velha. [...]

Praça do Município [1858]
Vista do antigo Largo do Pelourinho e do Arsenal da Marinha
Em 1886, por edital camarário de 24 de Março, o Largo do Pelourinho passou a Praça do Município, marcando a localização dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa.
Amédée de Lemaire-Ternante,
in Lisboa de Antigamente

«Pelourinho» era um símbolo da autonomia municipal; onde ele estava —  estava o Senado ou suas casas. Tinha uma significação de justiça aplicada nas execuções, mas só queremos vê-lo apenas na sua representação de autoridade municipalista e não na sua expressão fatídica.
«Pelourinho», ou picota, como todos sabem — recorda mestre Castilho — era a columna Mænia dos povos medievos. No foro romano a columna Mænia era o lugar do castigo dos criminosos; nas cidades e vilas cristãs tinha igual emprego, e figurava, além d'isso, como insígnia de jurisdição municipal. 
Ainda, e de acordo com o testemunho de Júlio Castilho, a primeira coluna, ou picota, terá vindo do antigo Paço Real de Santos-o-Velho pela mão de el-Rei D. Manuel:
Agora aqui vai uma minucia interessante para quem alguma vez tiver de desenhar algum quadro em que entre o paço Real de Santos-o-Velho: havia diante do portal da entrada uma coluna de pedra como simples objecto de adorno, creio eu. Cobiçou-a o Senado lisbonense para fazer d'ella pelourinho, e pediu-a a el-Rei D. Manuel, que em sua carta regia de 30 de Julho de 1510 lha concedeu de boa mente. «E quanto á coluna — diz o Rei — que estaa a porta das casas de samtos, com suas vasas [basas, ou bases, ou base, ou pedestal] q nos pedis pera a picota  mandaes fazer na Ribeira, praz-nos volla mandar dar e fazer d'ella merce p.ª a dita picota; e com esta vos mandamos carta p.ª steuam vaaz [védor, ou então o almoxarife do palacio]  volla mande dar».

Praça do Município [ant. 1900]
Vista do antigo Largo do Pelourinho e dos Paços do Concelho, a Casa da Câmara.
Fotógrafo não identificado,
in Lisboa de Antigamente


Este Pelourinho que vês — considerado monumento nacional — não sei (e creio que ninguém sabe) quem o fez; [...] é belo, inteiriço, com as suas três hastes de fuste torcicolado, a sua esfera armilar dourada e a sua simplicidade natural. Os distintivos de cadafalso que teve foram-lhe retirados em tempo de D. Maria II [1819-1853]
e acertadamente.
A Porta actual do Arsenal abriu-se onde assentava a «Porta da Oura» ou «do Ouro» da muralha fernandina, porta demolida em 1753; [...] O Arsenal, cujo edifício subsiste, começou a construir-se em 1759, pelo risco de Eugénio dos Santos Carvalho, ocupando o espaço da Casa da Ópera e da Ribeira das Naus.

Praça do Município [1968]
Vista do antigo Largo do Pelourinho
Armando Maia Serôdio,
in Lisboa de Antigamente

A Praça do Pelourinho Velho, em meados do século XIX, fervilhava de excitação e actividade artesanal e comercial, com gentes de todas as nacionalidades, uma verdadeira Babilónia. Damião de Goes no seu opúsculo latino sobre Lisboa, Urbis Olisiponis situs et figura, descreve o sitio assim:
«Directamente ao sair d'esta porta (da Ribeira) aparece uma praça, que se chama do Pelourinho velho. Aí acharás sempre não poucos homens abancados a mesas; podem chamar-se notários ou escrivães, sem estarem, contudo, investidos em tais ofícios pelo Município, e tiram d'esse modo de vida a sua subsistência. Compenetram-se do sentido do pensamento das pessoas que os vão procurar, e redigem, e ali mesmo escrevem, o que se lhes encomenda, e o entregam às partes mediante o preço ajustado segundo o assumpto; por forma tal, que para mandadeiras, cartas amorosas, elogios, discursos, epitáfios, versos, louvores, necrológios, requerimentos, contratos, e tudo mais de qualquer género que exijas d'eles, acham sempre o estilo apropriado; coisa que em parte nenhuma das cidades da Europa vi eu jamais.»
Se Goes nos apresenta aqui os escriturários do Pelourinho estranhos à nomeação oficial, é certo que também os havia de nomeação camarária.

Lisbon. The Largo do Pelourinho [1830]
Painted by Lieut. Col. Robert Batty. Engraved by William Miller 1830. London Published August 1, 1830 by Moon, Boys & Graves. Etching and engraving on chine collé.

Bibliografia
MESQUITA, Alfredo, Lisboa: Perspectivas & Realidades, p. 573, 1903.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, pp. 12-34, 1939.
CASTILHO, Júlio de) A Ribeira de Lisboa, 1893.

Monday 20 February 2017

Paris em Lisboa, à Rua Garrett

O padeiro, as varinas, a carroça da entregas, a vendedeira — com um olho no fotógrafo e o outro no magarefe (negociata ou namorico?) —, e o polícia, não vá haver algum desacato logo pela manhã e numa rua tão chic.


Aberta desde 1888 mantém-se como uma loja de referência da capital. No início as fazendas, sedas e bordados vindos directamente da capital da moda, Paris, faziam as delícias da clientela mais abastada. Pela qualidade e exclusividade do seu serviço a Rainha D. Amélia, em 1902, honra a casa com a mercê de Fornecedores de Sua Real Casa.
Nos anos 30 do século XX o negócio passa a incluir uma secção de perfumaria, meias e artigos de casa. As meias de vidro surgem como uma novidade e artigo de luxo, dado o seu preço. Os tecidos de alta qualidade são os produtos mais vendidos e, rapidamente, encaminhados para os inúmeros ateliers de alta costura então existentes.

Rua Garrett |c. 1910|
Do lado esquerdo, a seguir ao padeiro — na esquina com a Rua Serpa Pinto — a famosa loja de modas "Paris em Lisboa"; ao fundo, no topo da "ladeira vaidosa"  vê-se a Igreja da Encarnação.
Joshua Benoliel, iin Lisboa de Antigamente

Só nos anos 70 é inaugurada uma nova secção de malhas e pronto-a-vestir. A partir de 1974 a secção de roupas de casa ( de cama , de mesa, de banho e de cozinha) passa a ocupar toda a loja.
O interior da loja mantém a decoração original com móveis de grandes vitrines em madeira maciça e algum mobiliário da época (fauteils) misturado com outro mais actual. [cm-lisboa.pt]

Atelier de costura da Casa Paris em Lisboa |1911|
Rua Garrett, 77-81
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Saturday 18 February 2017

A Feira de Agosto no Parque Eduardo Vll

Noutros tempos, quando havia comício ou festa — a feira d'Agosto, encantos meus! —, as poucas árvores ramalhudas, centenárias (que é feito delas?) ficavam pretas de garotos como pardalada. E havia picnics pelas raras sombras.


Nos terrenos do que seria o Parque Eduardo VII, assim denominado após a visita do monarca inglês em 1903«um belo espaço da natureza, com altos e baixos, velhas árvores, arbustos, ervaçal e mato», realizava-se, em Agosto, uma Feira. Raul Proença mostra-nos o parque, «ainda em construção, já com alguns lindos lagos», que embora «poucas curiosidades» ofereça, constitui «um cantinho de natureza luxuriante e pródiga». 

Vista aérea sobre o Parque Eduardo VII [c. 1934]
Feira de Agosto
Av. da Fontes Pereira de Melo; Praça do Marquês de Pombal: Rua Castilho; Av. António Augusto de Aguiar
Pinheiro Corrêa,in Lisboa de Antigamente

Era, para Aquilino, ainda antes de ser baptizado de Eduardo VII, esse «belo espaço da natureza», para onde ia sempre que lhe apetecia «um mimo rural». Datam de 1887 os primeiros projectos para o parque, então designado por Parque da Liberdade, sendo o Engenheiro Ressano Garcia o responsável pela proposta de abertura do concurso internacional, do qual sai aprovado o projecto do arquitecto paisagista Henri Lusseau.

Feira de Agosto, entrada  [Início séc. XX]
Praça do Marquês de Pombal Avenida da Fontes Pereira de Melo (Palacete Sabrosa)
Alexandre Cunha, in Lisboa de Antigamente
Feira de Agosto  [1911]
Praça do Marquês de Pombal Avenida da Fontes Pereira de Melo (Palacete Sabrosa)
Artur Benarus, in Lisboa de Antigamente
Feira de Agosto  [1911]
Praça do Marquês de Pombal Avenida da Fontes Pereira de Melo (Palacete Sabrosa)
Artur Benarus, in Lisboa de Antigamente

A vida alfacinha — relembra-nos Norberto de Araújo —, ingénua e pitoresca, essa teve no Parque um pouco de desafogo, com a episódica «Feira de Agôsto», que funcionava quando se proclamou a República; nela existiram os teatrinhos «Maria Vitória» e «Júlia Mendes» — nomes de duas actrizes populares, de mal fadado destino —, e se manteve a tradição das barracas das farturas e da Maria Botas, que vinham das velhas feiras de Belém e de Alcântara. Também a «estampa antiga» do sítio do Parque foi Parque foi desfigurada com o desaparecimento da «Torrinha», uma curiosa vivenda octogonal (Quinta da Torrinha, que deu nome à Estrada), situada um pouco acima do actual lago, e demolida em Abril de 1916.

Feira de Agosto, entrada [1910]
Teatro Júlia Mendes
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Feira de Agosto, entrada  [entre 1901 e 1910]
À esquerda a «vivenda octogonal» da Quinta da Torrinha
Autor desconhecido, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
MIGUÉIS, José Rodrigues. «Da Mania das Grandezas», in As Harmonias do Canelão.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, 1939.
JANEIRO, Maria João, Lisboa: histórias e memórias.

Thursday 16 February 2017

Igreja de S. Francisco de Paula

E chegámos à Igreja conventual de São Francisco de Paula, agora considerada, no seu todo, monumento nacional. Foi aqui o convento dos Religiosos Mínimos de S. Francisco de Paula, fundado em 1719 por Fr. Ascenso Vaquero, um leigo andaluz, e engrandecido. em 1753, por assistência de D. Mariana Vitória, Rainha, mulher de D. José I, cuja igreja quási totalmente se lhe deve. O Terramoto em pouco ou nada danificou Convento e templo. Quando da extinção das Ordens já os frades mínimos aqui não estavam desde 24 de Julho do ano anterior; a igreja não foi profanada, mas a casa conventual, nova quási em folha, foi vendida a particulares.
A fachada de S. Francisco de Paula, como vês, tem elegância e certa imponência decorativa; é obra do arquitecto Inácio Oliveira Bernardes, sendo as formosas torres devidas a Diogo Azzolini. Duas portas laterais conduzem por uma escada dupla, coberta e já integrada no edifício, até ao adro no qual se abre a porta da igreja; nos patins superiores da escadaria há dois nichos por banda, vazios, coroados por ática.

Igreja de São Francisco de Paula |c. 1860|
Rua Presidente Arriaga¹
Amédée de Lemaire-Ternante, 
in Lisboa de Antigamente

O interior, forrado de ricos materiais, contém o túmulo da rainha, mulher de Dom José. O túmulo da rainha Dona Mariana Vitória, esculpido por Machado de Castro e existente na igreja, está classificado como Monumento Nacional.

Túmulo da rainha Dona Mariana Vitória

Nota(s):
¹ «Igreja de São Francisco de Paula» e não «Igreja de S. Paulo» como refere o arquivista do CPF. Infelizmente os dislates não se ficam por aqui, prossegue o dito cujo: «Nesta fotografia não estava ainda aberta a Rua Direita de S. Paulo ou a Travessa de S. Paulo. É possível ver as pessoas na varanda da casa ao lado, bem como um carro de bois à entrada da mesma». E o tuga paga ao incompetente funcionário e não bufa!
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII pp. 57-58, 1938.
monumentos.pt.

Tuesday 14 February 2017

Nova Companhia Nacional de Moagem

Teve eco na imprensa a inauguração de uma nova fábrica destinada à produção de todos os tipos de bolachas, biscoitos e massas alimentícias os quais «até aqui havia necessidade de importar». Pertencente à Nova Companhia Nacional de Moagem a nova Fábrica de Bolachas e Massas Alimentícias localizava-se, na Avenida 24 de Julho (antes Rua 24 de Julho e antes Aterro da Bôa Vista) e a sua construção esteve a cargo do construtor civil Zacarias Gomes de Lima.


Na cerimónia de inauguração, em 20 de ]unho de 1910, estiveram presentes o chefe de Estado, El-Rei D. Manuel, vários ministros, a imprensa, representantes das principais colectividades industriais, comerciais e agrícolas do País, e representantes de todas as classes sociais e do alto funcionalismo.

Edifício da Fábrica de Bolachas e Massas Alimentícias da Nova Companhia Nacional de Moagem |c. 1910|
Avenida 24 de Quatro do Julho, entre a Rocha do Conde de Óbidos e a Avenida Infante Santo
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

A Nova Companhia Nacional de Moagem, de acordo com a revista O Occidente — o primeiro estabelecimento fabril do País em 1910 — agrupava um conjunto de dezassete fábricas, de «capital social e nacional de 4 914 9005000 de réis» Esta revista considerou a abertura da nova fábrica uma grande manifestação de iniciativa particular, em benefício do progresso e da riqueza pública em Portugal, um «acontecimento de maior importância como tudo quanto é grande e belo, onde o capitalismo e a inteligência se completam realizando o verdadeiro progresso que resulta desta feliz combinação»

Edifício da Fábrica de Moagem da Nova Companhia Nacional de Moagem |1910|
Avenida 24 de Quatro do Julho, entre a Avenida Infante Santo e a  Rocha do Conde de Óbidos
in O Occidente

A Nova Companhia Nacional de Moagem detinha o oitavo lugar (em capital) no complexo comercial e industrial da metrópole em 1910, e o quinto lugar sete anos mais tarde. Com a implantação da República, esta companhia estará na origem da criação, em 1919, do poderoso cartel da Companhia Industrial de Portugal e Colónias.

Enquadramento dos edifícios da Fábrica de Moagem (1) e da Fábrica de Bolachas e Massas Alimentícias (2) da Nova Companhia Nacional de Moagem |1934|
Avenida 24 de Quatro do Julho; ao centro, entre as duas fábricas, vislumbra-se a Igreja São Francisco de Paula
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

 Legenda no arquivo: «A esquadra inglesa, à sua chegada a Lisboa»

Bibliografia
O Século, 18 de Junho de 1910.
O Occidente, 30 de Julho de 1910.

Sunday 12 February 2017

Os primeiros táxis Palhinhas

Mais tarde, em 1925, cerca de 50 condutores associam-se, formando uma nova Companhia; foram os táxis Palhinhas.


Teria sido por 1907 que surgiram nas ruas de Lisboa os primeiros automóveis de aluguer, transformados em chauffeurs os cocheiros das tipóias. O preço era como nestas, à corrida, ainda não havia os aparelhos de taxímetro que só apareceram por 1910. Todavia, com a Primeira Guerra, faltou a gasolina e os automóveis recolheram, voltando as tipóias à rua. Embora a guerra acabasse em 1918, dificilmente se restabeleceu o fornecimento de combustíveis, uma vez que viriam nos navios-tanques que pouco a pouco foram construindo, a navegação a recuperar-se das enormes perdas ocasionadas pelos submarinos alemães. Só por volta de 1925, devido à iniciativa dum grupo de motoristas, se criou, em Lisboa, a Cooperativa Lisbonense de Chauffeurs que lançou na praça os célebres ‹‹Palhinhas››, que foram, na altura, um autêntico êxito, disputando-se os carros em plena rua. 
António Domingues dos Santos, motorista do Diário de Notícias, ao serviço de Augusto de Castro e Eduardo Schwalbach, foi um dos impulsionadores da cooperativa. 

Os primeiros onze táxis «palhinhas» que apareceram em Lisboa [1933 1925]
Rua de O Século; Palácio dos Viscondes de Lançada, edifício-sede do jornal O Seculo
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Começaram o negócio com onze carros, bandeirada a 1$00, mas a procura era tal e o resultado tão positivo que bem depressa o seu número subiu para uma centena. Eram todos eles de marca «Citroen» e tiveram inicialmente a sua praça no tabuleiro de baixo da estação do Rossio. Ainda hoje [em 1974] há aí, encostado ao Café Restauração, uma praça desses táxis devidamente assinalada por uma tabuleta. Eu gosto de olhar para ela, sabe a senhora? É o passado a meter-se no presente!.
A Cooperativa Lisbonense de Chauffeurs foi adquirida pela Companhia de Viação Sernache em 1976 e, mais tarde, foi integrada na Rodoviária Nacional.

Título de Acções da Cooperativa Lisbonense de Chauffeurs

N.B. Os «palhinhas» logo conheceram popularidade devido a cabine dos passageiros ser de palha entrançada, mesmo quando, em 1929, só um friso pintado substituiu o material da carroçaria.
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Bibliografia
CALDERON, Dinis, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1900-1974, p. 128, 1986.
CAPITÃO, Maria Amélia da Motta, Subsídios para a história dos transportes terrestres em Lisboa no século XIX, pp. 118-119, 1974.
FRANÇA,  José Augusto, Os anos vinte em Portugal, 1992-

Thursday 9 February 2017

Estação da Parceria dos Vapores Lisbonenses

A Estação da Parceria dos Vapores Lisbonenses — ainda rudimentar, deve dizer-se — data neste sitio de 1904 e substitue uma primitiva ponte, com seu barracão, e cujos restos ainda ali vês, cem metros a nascente, junto ao terreno marginal das «carreiras» do antigo Arsenal de Marinha.

 

Ponte de acesso à Estação da Parceria dos Vapores Lisbonenses  [1912]
Cais do Sodré
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Era, então, o Cais do Sodré uma pequena praça à beira-Tejo, na qual se situava a Parceria dos Vapores Lisbonenses, de onde partiam os vapores para Cascais e para a outra banda. Aqui encontramos Ramalho Ortigão e Trindade Coelho. O primeiro, junto à ponte dos vapores, acaba de adquirir um bilhete de ida e volta no vapor de Cascais. Setenta minutos dura a viagem e custa dez tostões. «Embarcamos (...) Magnífico espectáculo. Diante de nós estende-se em toda a sua majestade, como um pequeno Mediterrâneo, o belo Tejo, que cintila sob a bruma aquática como um peito de aço coberto por um véu de gaze, batido pelo largo sol».  

Estação da Parceria dos Vapores Lisbonenses  [Início séc. XX]
Cais do Sodré
Estúdio Novais,
in Lisboa de Antigamente
O cacilheiro a vapor Victoria da Parceria dos Vapores Lisbonenses que fazia a carreira Cais do Sodré-Cacilhas [1912]
Fotógrafo não identificado,
in Lisboa de Antigamente
 
O primeiro «vapor lisbonense», o Alcântara, foi construído em 1860, nos estaleiros de Hugh Parry situados em Alcântara e destinou-se à nova carreira fluvial entre o Cais do Sodré e Pedrouçoscom escalas em Alcântara e Belém, que seria inaugurada em Janeiro de 1861. Era propriedade de Frederico Guilherme Burnay que, em 1899, juntamente com Hersen, funda a «Parceria dos Vapores Lisbonenses».

Enquadramento da  Estação da Parceria dos Vapores Lisbonenses  [1950]
Cais do Sodré; Jardim Roque Gameiro
Eduardo Portugal,
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p. 41, 1939.

Tuesday 7 February 2017

Elegâncias de Antigamente

Uma das coisas que em Lisboa mais surpreende as senhoras da província é o costume das lisboetas. se ficarem olhando umas ás outras, quando se encontram na rua. Ás vezes, frequentes vezes, acontece que os olhos da que sobe a calçada e os da que vai descendo se encontram n'um duelo de critica, um momento depois de terem passado uma pela outra: surpreendem-se ambas a olhar para traz, e a sorrir!

Avenida da Liberdade |1912|
Praça dos Restauradores

Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

   Sorrir de quê? De tudo, de nada, do chapéu, porque não parece ser de bom gosto, da capa, porque passou da moda; dos saltos das botinas, porque estão gastos de um lado.
   Acontece também que, n'este caso, nem só os olhos comentam; ouvem-se ás vezes risinhos, e até palavras, uma galhofa descarada.
   De modo que uma senhora é forçada a saber a opinião que a seu respeito, a respeito do seu físico e da sua toilette, formam as outras senhoras.

Praça Dom João da Câmara |1912|
Estação do Rossio; Hotel Avenida Palace; Praça dos Restauradores

Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

D'este mau passo só pode salvar-se com um grande desdém ou com uma réplica pronta. Mas os nervos femininos não se resignam facilmente ao desdém, e daqui resulta que a replica, mais ou menos pronta e feliz, é inevitável.
   Conta-se que passando no Chiado certa dama, que havia sido formosíssima, ouvira dizer a outra:
 — Está um caco!
Ao que ela, voltando-se, respondeu de pronto:
 — Um caco... mas de Sévres!
(PIMENTEL, Alberto, Vida De Lisboa, pp. 16-17, 1900)

A Festa da Flor no Jardim da Estrela  |1918|
Joshua Benoliel, Elegâncias de Antigamente

Sunday 5 February 2017

Lis-Hotel, antiga Pensão Tivoli

Já agora olha êste prédio pequeno, contíguo pelo Sul, ao [cinema] Tivoli; é um «Prémio Valmor» de 1927, arquitecto Norte Júnior. O Hotel Tivoli, no n.° 179 180, de linhas modernas, também do risco de Norte Júnior, data de 1922, e foi fundado por José Francisco Cardoso e Dr. Joaquim Gonçalves Machaz.  


Mandado edificar, a partir de 1922, com projecto do arq. Manuel Joaquim Norte Júnior, foi-lhe atribuído o Prémio Valmor de 1927. As qualidades que mais impressionaram o júri «[...] foram as condições do conjunto e do remate desse mimo arquitectónico, expresso pela sua fachada [...].» . A sua traça original viria a ser alterada na década de 30 do séc. XX, com a introdução de mais dois andares. Incluído na Zona da Avenida da Liberdade que se encontra Em Vias de Classificação, este imóvel traduz uma arquitectura civil comercial ecléctica, tendo sido ocupado inicialmente pela Pensão Tivoli e depois pelo Lis-Hotel.

Lis-Hotel, antiga Pensão Tivoli [post. 1927]
Prémio Valmor de 1927
Avenida da Liberdade, 180 
António Passaporte(?), in Lisboa de Antigamente

Actualmente resta apenas a fachada, integrada no Hotel NH Liberdade. Fachada essa, de estrutura marcadamente vertical, dividida em dois corpos, um rematado por frontão triangular com pináculos nos acrotérios e o outro rematado por platibanda em balaustrada. Evidencia-se o tratamento das cantarias, nomeadamente no remate da porta principal com ática triangular interrompida por composição escultórica de festões e medalhão central, assim como nos apontamentos em estuque como festões, dentados ou óvulos, sobretudo a inscrever os vãos, patentes em todo o pano murário.

Lis-Hotel, antiga Pensão Tivoli [ca. 1952]
Prémio Valmor de 1927
Avenida da Liberdade, 180 
Gustavo de Matos Sequeira, iin Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, 1939.

Wednesday 1 February 2017

1 de Fevereiro de 1908: Os Três Tiros que Abalaram a Monarquia

O Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, ocorrido no Terreiro do Paço, marcou profundamente a História de Portugal, resultando deste atentado a morte do Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe. O atentado foi uma consequência do clima de crescente tensão que perturbava o panorama político português. O Rei, a Rainha e o Príncipe Real encontravam-se então em Vila Viçosa, no Alentejo, onde costumavam passar uma temporada de caça no inverno. O infante D. Manuel, futuro Rei, havia regressado dias antes, por causa dos seus estudos como aspirante na marinha.
Os acontecimentos acima descritos levaram D. Carlos a antecipar o regresso a Lisboa, tomando o comboio, na estação de Vila Viçosa, na manhã do dia 1 de Fevereiro. Durante o caminho, o comboio sofre um ligeiro descarrilamento junto ao nó ferroviário de Casa Branca, provocando um atraso de quase uma hora. A comitiva régia chegou ao Barreiro ao final da tarde, onde tomou o vapor “D. Luís”, com destino ao Terreiro do Paço, onde desembarcaram, na Estação Fluvial Sul e Sueste, por volta das 5 horas da tarde, onde eram esperados por vários membros do governo, incluindo João Franco, além dos infantes D. Manuel e D. Afonso, o irmão do rei.
Estavam a cem passos da morte.

Fotografia do Terreiro do Paço, com indicações manuscritas:"Buiça, Costa, Nunes. Polícia nas arcadas".
A seta vermelha assinala o local do atentado.
Carvalhão Duarte/ Rocha Martins/ Fundação Mário Soares

Apesar do clima de grande tensão, o monarca optou por seguir em carruagem aberta, numa tentativa de demonstrar normalidade. A escolta resumia-se aos batedores protocolares e a um oficial a cavalo, Francisco Figueira Freire, ao lado da carruagem do rei. Quando se deu o atentado, encontravam-se poucas pessoas no Terreiro do Paço. Quando a carruagem real estava perto da curva para a entrada da Rua do Arsenal, "um homem de barba preta [Manuel Buiça] com um grande gabão", vindo pela retaguarda e afastando as abas do capote, agarrou na carabina que transportava (Winchester, modelo 1907), apontou e descarregou o primeiro tiro, que acertou no pescoço de D. Carlos, matando-o. Apontou e descarregou de novo, atingindo desta feita o rei no ombro.

Terreiro do Paço [191-]
Ao fundo, a antiga Estação Sul e Sueste onde atracou o barco que transportava a família real regressada de Vila Viçosa; a seta vermelha assinala o local do atentado
Joshua Benoliel,in Lisboa de Antigamente

Enquanto isto, vindo das arcadas, Alfredo Costa, armado com uma pistola Browning FN, calibre 7,65, avança para a carruagem real. Subindo para o estribo, dispara quase à queima-roupa sobre o rei. D. Luís Filipe levanta-se, de revólver em punho, mas antes de poder disparar, Costa atinge-o no peito. A rainha, de pé, agita um ramo de flores, gritando "infames, infames!". Seguiu-se a confusão, com a polícia à espadeirada e a disparar em todas as direcções. D. Manuel diria mais tarde: "começou uma perfeita fuzilada, como n'uma batida às feras!". Ambos os regicidas caíram mortos. Eram cinco e meia da tarde.

A rainha, de pé, agita um ramo de flores, gritando "infames, infames!"

A carruagem seguiu, a toda a velocidade, para o Arsenal da Marinha, onde o rei já entrou morto e o príncipe herdeiro agonizante, falecendo pouco depois. O Infante D. Manuel também estava ferido num braço, sem gravidade.
Ao anoitecer, o Infante D. Manuel é coroado Rei de Portugal, que, devido à crescente instabilidade social e à sua inexperiência para liderar, será o último Monarca do País. A Europa ficou revoltada com este bárbaro atentado, uma vez que D. Carlos era estimado pelos restantes Chefes de Estado europeus, e ainda mais pelo facto de não se ter tratado de um acto isolado, mas sim de uma organização metódica. Jornais de todo o mundo publicam imagens do atentado, baseadas nas descrições, com elementos mais ou menos fantasiosos, mas sendo sempre presente a imagem de Dª Amélia, de pé, indiferente ao perigo, fustigando os assassinos com um frágil ramo de flores. Em Londres, os jornais exibiam fotos das campas dos assassinos, cobertas de flores, com a legenda “Lisbon’s shame!” (A Vergonha de Lisboa).






Os regicidas: Manuel Buiça (esq.) e Alfredo Costa (dir.), 1908
Alberto Carlos Lima, in LdA








Nota(s): pode assistir a um pequeno filme sobre o Regicídio aqui.
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