Sunday 31 March 2019

Praça Afonso de Albuquerque

Praça com forma quadrangular, rematada a sul pelo Tejo e pelo antigo cais e a norte pelo Palácio de Belém. É um espaço com zonas ajardinadas, ladeadas por sebes, tendo algumas árvores como o lódão e o pinheiro-manso. Esta praça — até 1910 denominada «Dom Fernando» — era o antigo areal onde ancorava o Real Cais de Belém, assentando a estátua no local onde se situava o cais de D. João V.


Mas antes de tocarmos o primeiro edifício a visitar  — recorda o ilustre Norberto de Araújo —  rendamos aqui na sua Praça de Afonso de Albuquerque uma homenagem ao arrabaldino bairro, que foi praia do Restelo, e na qual o aziago velho, cuja legenda fatalista ao Destino coube contrariar, murmurava numa manhã de Julho de 1497, de parceria com os sinos da Ermida, quando as naus se foram à cata da índia:

Tão balalão...
Quantos lá vão
que não voltarão!

Praça Afonso de Albuquerque |1902|
Por Edital de 5 de Novembro de 1910 a Praça D. Fernando passou a denominar-se Praça Afonso de Albuquerque, com início na confluência da Rua da Junqueira, Calçada da Ajuda, Rua de Belém e Avenida da Índia.
Garcia Nunes, in AML

Vamos ver, de-perto, essa estátua-monumento a Afonso de Albuquerque; é das mais expressivas de Lisboa nas suas legendas a relevo, já que não podemos dizer das mais belas.

Deve-se a Simão José da Luz Soriano, escritor e benemérito, a iniciativa de se erigir um monumento a Afonso de Albuquerque-a iniciativa e os fundos para a realização (35 contos legados em testamento). O escultor Costa Mota e o arquitecto Silva Pinto, após concurso público, foram encarregados de pôr de pé o seu projecto; foi o monumento inaugurado em 3 de Outubro de 1902, na presença da família real, enquanto uma divisão naval, composta dos cruzadores «D. Carlos›, «D. Amélia» e «S. Rafael», e da canhoneira «Sado› e da velha corveta «Duque da Terceira», salvaram cem 21 tiros. A estátua foi fundida na velha «Fundição de Canhões» onde se conserva o modelo.O mais valioso deste monumento é constituído pelos baixos relevos com passos da vida do vice-rei da Índia: a entrega das chaves de Goa, a derrota dos mouros na ponte da Malaca, Afonso de Albuquerque recebendo o embaixador do rei de Narcinga, e a resposta de Albuquerque ante a proposta daquele embaixador: «é esta a moeda com que o rei de Portugal paga os seus tributos».

Inauguração do monumento a Afonso de Albuquerque |1902-10-03|
Praça Afonso de Albuquerque antiga de D. Fernando
O monumento inaugurado na presença da família real.
Garcia Nunes, in AML

No segundo corpo do monumento são também de interêsse escultórico os altos relevos figurando caravelas e galeões; os quatro anjos assentes no ângulo da base do monumento são decorativos. Como vês, o conjunto manuelino do monumento não é desagradável. A figura do herói, contudo, tão alta está que se não vê.

Praça de D. Fernando |post. 1902|
Por Edital de 5 de Novembro de 1910 a Praça D. Fernando passou a denominar-se Praça Afonso de Albuquerque.
Postal - Ediçao F A. Martins

Bibliografia
Belém de Isabel Corrêa da Silva e Miguel Metelo de Seixas, ed. Junta de Freguesia de Sta. Maria de Belém, 2000.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, pp. 68-69. 1939.

Friday 29 March 2019

Rua do Norte

A Rua do Norte, foi fixada na memória de Lisboa em data que se desconhece, embora se possa presumir que seja do século XVI, altura em que foram arruadas as terras do sítio para constituir o Bairro Alto de São Roque. Aliás, Cristóvão Rodrigues de Oliveira no seu «Sumário: Lisboa em 1551», já refere a Rua do Norte na então freguesia do Loreto na sua «relação alfabética dos nomes das ruas, travessas, becos e outros postos».

Rua do Norte [1960]
Junto à Tv. do Poço da Cidade; ao fundo a Travessa da Queimada
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

topónimo propriamente dito é uma orientação geográfica o que não será de estranhar num bairro que na época era muito habitado por marinheiros, como aliás está presente também no topónimo da rua paralela a esta: Rua das Gáveas.

Rua do Norte, 91 [1960]
Adega do Machado 
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

A Adega do Machado, uma das catedrais do Fado, fundada em 1937, com localização na zona mais alfacinha de Lisboa, o Bairro Alto. A fachada iconográfica é da autoria do artista plástico Thomaz de Mello.

Rua do Norte, 100 [1960]
Restaurante Típico Casa de Fado A Tipóia
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

N.B. O Norte, direcção fundamentada no sentido de rotação do planeta e o ponto zero dos quatro pontos cardeais serviu de georreferenciação de algumas de artérias de Lisboa e ainda hoje encontramos mais sete para além desta: a Rua do Norte e o Beco do Norte na freguesia de Carnide, a Travessa do Norte à Lapa na freguesia da Estrela, a Praça do Norte e a Circular Norte do Bairro da Encarnação, e no Parque das Nações, a Rua do Mar do Norte e a Rua do Pólo Norte. [cm-lisboa.pt]

Wednesday 27 March 2019

Miradouro de São Pedro de Alcântara

Varanda dos amores românticos, do tempo em que era alameda — S. Pedro de Alcântara é um dos mais ternos miradouros naturais da cidade. Bem avisada andou a vereação que há pouco mais de um século fez deste cômoro, que fora de olivais, rústico e arrabaldino, — uma esplanada de crianças, um eirado, um jardim, uma alameda.

Sobre as Taipas e o Passeio Público, depois sobre a Avenida — S. Pedro de Alcântara é também um «passeio», suspenso, balouçante entre S. Roque, já sem padres, o Convento do Marialva, já sem arrábidos, e a Patriarcal, que nunca o chegou a ser.

Varanda do Bairro Alto, este Jardim — olha a direito. Que panorama!


Lisboa vista do Jardim de São Pedro de Alcântara [post. 1932]
S. Pedro de Alcântara teve o seu período de moda. Era o «Passeio», a «Alameda», o «Jardim» de S. Pedro de Alcântara, com a sua ingenuidade alfacinha, e o seu traço espiritual de romantismo. Não dava espectáculo, como o Passeio Público, mas era aprazível na sua posição de miradouro.
Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente

Para nascente e sul, o Castelo, recortado sobre a peanha pintalgada da cidade velha; as torres alvíssimas de S. Vicente espreitando da linha do horizonte, acima do casario; a Graça, generosa, entregando-se toda; S. Gens, minúsculo, pousado no outeiro que cai sobra as Olarias; a , flanqueada de torres, morena, muito severa... Para norte, os altos de Campolide, os retalhos verdes do Parque, ainda rústico aqui e ali, a confusão indistinta das avenidas modernas, e logo a cumeeira de Santana. É uma ondulação cenográfica de encantamento, sobretudo a certas horas de luz dourada, quando o sol se rende, e se despede nas vidraças de mil casas e tugúrios, embrechados nas colinas sagradas de Lisboa do oriente. [...]¹

Miradouro Jardim de São Pedro de Alcântara [entre 1926 e 1932]
Tanque do jardim  de São Pedro de Alcântara, no plano superior da Alameda (que data de 1840), peça elegante que fez parte do Paço da Bemposta ou Paço da Rainha.
António Passaporte, in Lisboa de Antigamente

Tinham entrado em São Pedro de Alcântara — escreve o imortal Eça no seu Primo Basílio; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e, apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto.[...]
Convidou-a mesmo a dar uma volta em baixo no jardim. [...]
Foram encostar-se às grades. Através dos varões viam, descendo num declive, telhados escuros, intervalos de pátios, cantos de muro com uma ou outra magra verdura de quintal ressequido; depois, no fundo do vale, o Passeio [Público], estendia a sua massa de folhagem prolongada e oblonga, onde a espaços branquejavam pedaços da rua areada.

Miradouro de São Pedro de Alcântara [c. 1920]
No tabuleiro inferior — verdadeiro jardim de crianças, contemplativo e sereno — foram colocados os bustos de mármore que ainda lá se vêem, e que representam homens notáveis de Portugal — o Infante
D. Henrique D. João de Castro, Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral — de mistura com figuras de mitologia e da lenda: Ulisses, Minerva, Vénus [entre outros]
.

Mário Novais,in Lisboa de Antigamente

 

Do lado de lá erguiam-se logo as fachadas inexpressivas da Rua Oriental [do Passeio Público], recebendo uma luz forte que fazia faiscar as vidraças; por trás iam-se elevando no mesmo plano terrenos de um verde crestado fechados por fortes muros sombrios; a cantaria da Encarnação de um amarelo triste; outras construções separadas, até ao alto da Graça coberta de edifícios eclesiásticos, com renques de janelinhas conventuais e torres de igrejas, muito brancas sobre o azul; e a Penha de França, mais para além, punha em relevo o vivo do muro caiado, de onde sobressaia uma tira verde-negra de arvoredo. À direita, sobre o monte pelado, o castelo assentava, atarracado, ignobilmente sujo; e a linha muito quebrada de telhados, de esquinas de casas da Mouraria e de Alfama descia com ângulos bruscos até às duas pesadas torres da , de um aspecto abacial e secular. Depois viam um pedaço do rio, batido da luz; duas velas brancas passavam devagar; e na outra banda, à base de uma colina baixa que o ar distante azulava, estendia-se a correnteza de casarias de uma povoaçãozinha de um branco de cré luzidio

Miradouro Jardim de São Pedro de Alcântara [ant. 1938]
O tabuleiro inferior era um «Queluz» em miniatura, delícia das nossas avós pequeninas; lá existiram um labirinto de buxo, os bancos voltados à cidade, os balouços e brinquedos infantis, os velhos do Asilo da Mendicidade e alugando cadeiras ao domingo, e, cá em cima, uma Banda regimental.
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

Da cidade um rumor grosso e lento subia, onde se misturavam o rolar dos trens, o pesado rodar dos carros de bois, a vibração metálica das carretas que levam ferraria, e algum grito agudo de pregão.
— Grande panorama! — disse o Conselheiro com ênfase. — E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla! Os estrangeiros invejavam-na imenso. Fora outrora um grande empório, e era uma pena que a canalização fosse tão má, e a edilidade tão negligente!
— Isto devia estar na mão dos ingleses, minha rica senhora! — exclamou.
Mas arrependeu-se logo daquela frase impatriótica. Jurou que era uma maneira de dizer. Queria a independência do seu país; morreria por ela, se fosse necessário; nem ingleses nem castelhanos!... Só nós, minha senhora! — E acrescentou com uma voz respeitosa: — E Deus! 
— Que bonito está o rio! — disse Luísa.
Acácio afirmou-se, e murmurou em tom cavo:
— O Tejo!

Miradouro de São Pedro de Alcântara [1967]
Ao fundo, antes das escadas de pedra que dão acesso à Alameda, vê-se o  groto embutido no muro de suporte e o respectivo tanque, também visível na 2ª foto.
Em meados do século XIX, segundo Norberto de Araújo, todo este sítio era «um monturo de pedregulhos e de imundícies, vala de despejo de animais mortos, a contrastar com a bonita e verdejante encosta que caía mais para o lado de S. Roque, sobre o fundo de Valverde, depois Passeio Público, justamente a Quinta do Marques de
Castelo Melhor».

Artur Inácio Bastos, in Lisboa de Antigamente

Quis então dar uma volta pelo jardim. Sobre os canteiros borboletas brancas, amarelas, esvoaçavam; um gotejar de água fazia no tanque um ritmozinho de jardim  burguês;  um aroma  de  baunilha  predominava; sobre  a  cabeça  dos bustos  de  mármore, que se elevam dentre os maciços e as  moitas de dálias, pássaros pousavam. 
Luísa gostava daquele jardinzinho, mas embirrava com as grades tão altas...
— Por  causa  dos  suicídios! — acudiu  logo  o  Conselheiro. [...]
— Se fôssemos andando?... — lembrou Luísa.
O  Conselheiro  curvou-se,  mas  vendo-a,  a  ir  colher  uma  flor,  reteve-lhe vivamente o braço:
— Ah,  minha  rica  senhora,  por  quem  é!  Os regulamentos  são  muito explícitos!  Não  os  infrinjamos,  não  os  infrinjamos! — E acrescentou: — O exemplo deve vir de cima.²

Miradouro de São Pedro de Alcântara [entre 1918 e 1922]
O gradeamento, que ainda hoje ali se encontra, veio do Palácio da Inquisição do Rossio, ou dos Estaus, actual Teatro D. Maria..
João Penha Lopes, in Lisboa de Antigamente

Apenas no tabuleiro inferior — remata Norberto de Araújo — , quando se cala o alarido saudável do dia infantil, e as sombras se alongam — S. Pedro de Alcântara se pode entregar ao recolhimento, que amacia as almas. Mas com o seu arvoredo ralo, com os seus canteiros de miosótis, com a sua cascata romântica, com o seu tanque, que pertenceu ao Paço da Bemposta, com o seu ardina de bronze a apregoar a liberdade — é um enternecedor eirado do Ocidente, senhor de Lisboa.¹
______________________________________
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, p. 114-115, 1943. 
² QUEIROZ, Eça de, O Primo Basílio, 1878.

Sunday 24 March 2019

Lojas de antanho: Ourivesaria Cunha

Escreve Norberto de Araújo sobre a velhinha Rua (Nova) da Palma: «[...] foi rua sempre estreita, muito mais do que hoje é, bastante mercantil, caracterizada pelos negócios de ourives e prateiros. Houve aqui, até há dois anos [c. 19366], na esquina de S. Vicente à Guia, uma assinalada «Ourivesaria do Cunha» que desapareceu para demolição do extremo do troço que encosta ao decrépito Palácio do Marquês do Alegrete

Ourivesaria, relojoaria e joalharia de Joaquim Nunes da Cunha  |c. 1910|
Rua da Palma

Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Ourivesaria, relojoaria e joalharia de Joaquim Nunes da Cunha  |c. 1910|
Rua da Palma
Alberto Carlos Lima, 
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IV, p. 25, 1938.

Friday 22 March 2019

Edifício na Avenida Almirante Reis, 74-74D

Construído em 1908,  este edifício de planta rectangular, cujo responsável pela obra foi Joaquim Craveiro Lopes, desenvolve-se em dois pisos, loja e habitação para o proprietário, rematados por platibanda plena, capiada a cantaria. Classificado como Imóvel de Interesse Público, constitui um dos exemplos mais representativos da introdução do gosto Arte Nova na arquitectura portuguesa de inícios do séc. XX, patente em elementos decorativos como painéis e frisos de azulejos, trabalhos de cantaria e ferro forjado. Apresenta a particularidade de ter sido um dos edifícios pioneiros, onde o azulejo Arte Nova deixou de se confinar ao friso para revestir a totalidade da fachada, trabalho assinado por Alfredo Pinto e datado de 1911

Edifício na Avenida Almirante Reis, 74-74D [post. 1972]
Estúdio Novais, in Lisboa de Antigamente

Enquanto o piso térreo surge revestido a tijolos cerâmicos biselados, monocromáticos, verdes vidrados, o piso superior evidencia uma decoração floral tipicamente Arte Nova (girassóis, folhagens, festões de flores e grinaldas), policromática, cujas cores predominantes são o verde e o amarelo. A influência da linguagem estética Arte Nova estende-se, também, à guarda em ferro forjado trabalhado da varanda. [cm-lisboa.pt]

Wednesday 20 March 2019

Profissões de antanho: a galinheira

— Éh! Galliiiiiiiii...nhas! Quem nas quér i com ôvo?!

Era assim o pregão esganiçado e arrastado, os ii muito agudos e longos, o bastante para se ouvir, e ouvia-se mesmo, como se fosse um apito. E melhor quando as freguesas as esperavam. Claro que não havia então os ruídos que atormentam hoje os moradores de Lisboa.
Quase sempre eram varinas as vendedeiras, trajando como tal. Habituadas ao negócio, conheciam bem a clientela, pois, naquele tempo, só comia galinha quem estava doente ou em dia de festa!...

Galinheira na Rua Rodrigo da Fonseca [1906]
Antiga do Abarracamento do Valle Pereiro; à direita, a Rua Barata Salgueiro e, ao fundo, a Rua Alexandre Herculano e o Parque; o prédio com mansarda, no nº 15 da Rodrigo da Fonseca, ainda existe e data de 1883.

Joshua Benoliel, in A.M.L.

— Éh! Galliiiiiiiii...nhas! Quem nas quér i com ôvo?!

Traziam os animais em canastras armadas em gaiolas com rede de cordel esticada em forma de barraca, e garantiam às freguesas que todas as galinhas eram boas poedeiras!... Muitas pessoas, nesse tempo, criavam ou compravam criação para ter em casa, como reserva alimentar, sucedendo, à falta de espaço dentro da habitação, armarem pequenas gaiolas sobre os telhados, junto às águas-furtadas.

Galinheira na Rua Rosa Araújo Rua Barata Salgueiro [1906]
A galinheira trajava camisa de chita, cintada e estampada com flores miúdas; saia de seriguilha azul, com pregas, muito rodada e quase arrastando no chão, tapando as tamancas de cabedal; lenço claro envolvendo todo o rosto e atado sob o queixo; na cabeça, uma minúscula rodilha onde pousa o canastrão onde carregava as galinhas.
Joshua Benoliel, in A.M.L.

Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.

Sunday 17 March 2019

Chafariz de Entre-Campos

Continuamos pela Rua de Entre-Campos na companhia do ilustre Norberto de Araújo. Diz ele: «Antes da linha férrea encontramos, à direita, o primeiro Chafariz da Peregrinação de hoje, uma meia rotunda discreta. Data de 1851, e é singelo de traçado, com suas duas bicas, e as armas da cidade no frontal liso».¹


O Chafariz do Campo Pequeno, ou Entre-Campos  — noticiava em 1851 Velloso de Andrade nas suas Memória sobre chafarizes — estão as suas obras muito adiantadas no local que já indicamos, formando-se uma meia laranja de 100 palmos de bocca, por 50 de fundo; e em cujo sitio já se acha correndo agua em uma bica provisória, a qual tinha sido feita primeiramente na quina do Campo Pequeno, e aonde correo por primeira vez ás 9 horas e 3 quartos da manhã do dia 29 de Junho deste anno achando-se presentes Os Ill.mos Srs. Vereadores António de Carvalho — Frederico Augusto Ferreira — e Manoel Joaquim Gonçalves da Rosa — além de muitas pessoas que ali concorreram; e encheu o primeiro barril um criado do Sr. Francisco Isidoro Vianna [proprietário da quinta e palácio das Vianinhas]. [...]

Chafariz de Entre-Campos |séc. XIX|
Rua de Entre-Campos
No plano frontal do chafariz, entre o tanque e o entablamento, é visível uma pequena tabela,
onde se lê a seguinte inscrição: "A Câmara Municipal de Lisboa em 1851", acima da qual,
 junto ao entablamento, se evidenciam as armas da cidade (fragata do Século XVIII)
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O mesmo Sr. Vianna — afirma Velloso de Andrade offereceu um pouco mais acima, para entre-campos, todo o terreno para o novo Chafariz de encosto, com grande tanque para gado. Muito desejamos vêr esta Obra consummada, pois temos todo o conhecimento das privações d'agua, que soffriam os moradores deste sitio, sendo-lhes preciso irem por ella aos Chafarizes das Larangeiras e Convalescença , e de casa do dito Exmo. Sr. Conde [das Galveias], se mandava todos os dias uma pipa tira-la até do Chafariz de Dentro!²

Levantamento topográfico de Lisboa, fragmento |1911|
Legenda: a vermelho, o Chafariz de Entre-Campos; a verde, a Rua de Entre-Campos [antiga Estr. de Entre-Campos];
a laranja, a Quinta e o Palácio das Vianinhas (Francisco Isidoro Vianna)
 Júlio António Vieira da Silva Pinto, 
in Lisboa de Antigamente

N.B. Centrado num recinto murado, que lhe serve de fundo, destaca-se a altura equilibrada do muro arqueado em relação ao chafariz e o seu revestimento azulejar, colocado em 1993, segundo projecto de Arquinter, representando a vista panorâmica sobre o Vale de Entre-Campos em 1851. Uma porta lateral dá acesso ao interior da arca de água.
_______________________
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, p. 67, 1939.
² VELOSO DE ANDRADE, José Sérgio , Memória sobre Chafarizes, Bicas, Fontes e Poços Públicos de Lisboa, Belém e muitos lugares do Termo., 1851.

Friday 15 March 2019

Palácio das Vianinhas

Segundo o olisipógrafo Norberto Araújo «Eram estes terrenos os da Quinta do Vianinha, ou do Viana (Francisco Izidoro Viana, fundador da Casa Bancária que ainda hoje tem o seu nome) cujo palácio (1861) ainda aqui vês — um dos palácios do Largo do Campo Pequeno velho. O solar dos Vianas está desde 1933 ocupado por uma instituição «Ninho de Creanças», das Franciscanas Missionárias de Maria.»

Palácio das Vianinhas / Edifício da União das Misericórdias [1931]
Rua de Entrecampos, 9
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Esta artéria que se estende pelas freguesias de Nossa Senhora de Fátima, de São João de Deus e de Alvalade, do Campo Pequeno à Avenida dos Estados Unidos da América, era a antiga Estr. de Entrecampos, quando esta zona era extra-muros da Lisboa Antiga.
No n.º 1 deste arruamento viveu e faleceu em 13 de Julho de 1885, Matias Ferrari, o dono da Pastelaria Ferrari e arrendatário do Marrare do Polimento, ambos estabelecimentos do Chiado.

Palácio das Vianinhas / Edifício da União das Misericórdias [1939]
Rua de Entrecampos, 9 (esq.)

Com excepção do Palácio das Vianinhas (União das Misericórdias Portuguesa), no nº 9, do lado esquerdo (entretanto alteado), os restantes edifícios já não existem
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, p. 68, 1939.
cm-lisboa.pt.

Wednesday 13 March 2019

Rua de Entre-Campos

Pela Rua de Entre-Campos, — diz o ilustre Norberto de Araújo — antiga Estrada, que ligava o Campo Grande e o Anco do Cego, vai seguir a nossa jornada.
O lado oriental desta Rua aguarela-se de um cunho antigo, em muros de quintas com pilares de latadas de vides mortas, e em alguns prédios que remontam ao século XVIII; a ala oposta é recente, pois corresponde à urbanização dos últimos dez anos, que abriu as transversais Ruas do Visconde de Seabra e de José Carlos Santos. [...]

Rua de Entrecampos N→S, junto ao n.º 44 [1946]
Edifícios já demolidos
Eduardo Portugal, in AML

É a Lisboa novíssima, sistematizada em bairros e arruamentos esplendorosos, que daqui a vinte anos constituirão uma como que cidade nova.
Por enquanto estamos em Lisboa antiga, extra-muros afinal; repara na fisionomia da maioria dos prédios do lado nascente, e que não irrita aqui em pleno Campo Pequeno que se renova, soberbamente.

Rua de Entrecampos S→N [1939]
Eduardo Portugal, in AML

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 67-68, 1939.

Sunday 10 March 2019

Lojas de antanho: Armazéns de Eduardo Martins

Com as suas montras de larga projecção —  diz Mário Costa —  metem-se-nos pelos olhos os Armazéns de Eduardo Martins (fazendas e modas), que do lado da Rua Nova do Almada abrangem os números 103 a 115.


Estes armazéns, fundados em 1889, por Eduardo David Martins, e que hoje ocupam todo o prédio, foram de evolução lenta, tendo por norma seguir a espécie de negócio dos estabelecimentos que tomavam. Começaram pelos números 111 a 115, e, em 1894, mudavam-se para os números 103 a 107 (rouparia de senhora). Anos depois, voltaram-se para a Rua Garrett, e tomaram conta dos números 1 a 11 (Grande armazém de fazendas, modas, confecções e encovais para noivas e crianças). E foi em 1907 que, devido às grandes e profundas remodelações introduzidas,  se estabeleceu a ligação entre os vários compartimentos.

Armazéns de Eduardo Martins [post. 1907]
Rua Garrett, 1-11 com a Rua Nova do Almada, 103-115
No canto inferior esquerdo pode ver-se o letreiro indicando a entrada para o  Elevador do Chiado que funcionou de 1892 a 1913. O movimento do público fazia-se entre  o n.º 4 da Rua do Carmo e os n.ºˢ 115 e 117 da Rua do Crucifixo. «Por dez réis, está-se no Chiado», informavam a Aquilino Ribeiro, quando se instalou num quarto na Rua do Crucifixo e teve de se habituar ao «petardear constante, como uma máquina de percussão a furar a placa de aço» (Ribeiro: 1974).
Alberto Carlos Lima, in A.M.L.

Este armazém tem a representação do popular Botequim do Lourenço, de Lourenço Manuel Fernandes, que acabou em 1837, e dera sucessão a uma casa das mais importantes do Chiado, pertencendo a José Gregório da Silva Barbosa, depois Barbosa & Barbosa, em notória rivalidade coma Loja do Magalhães, situada do outro lado da rua. Beneficiara bastante da presença de Herculano, ao qual se juntavam o escritor Gomes de Amorim, grande admirador de Garrett, os pintores Anunciação e Thomazini, e os escultores Simões de Almeida e Soares dos Reis.

Armazéns de Eduardo Martins [ant. 1907]
Rua Nova do Almada, 103-115 com a 
Rua Garrett, 1-11
Alberto Carlos Lima, in A.M.L.

N.B. O gaveto  onde se encontravam os Armazéns de Eduardo Martins teve que ser demolido após o grande incêndio de Agosto de 1988. Como que por milagre — referia o "DL" —  «permaneceram intactos alguns dos vidros negros e dourados com a publicidade quase centenária da casa,  assim como adornos de cantaria do edifício». Um destes adornos de cantaria ainda hoje pode ser admirado entre os n.ºˢ 11 e 13 da Rua Garrett, preservado após a reconstrução que se seguiu segundo risco do arq.º Siza Vieira.

Armazéns de Eduardo Martins [ant. 1907]
Rua Garrett, 1-11 com a Rua Nova do Almada, 103-115
Frente sobre a Rua Nova do Almada
Alberto Carlos Lima, in A.M.L.

Bibliografia
COSTA, Mário, O Chiado pitoresco e elegante, pp. 279-280, 1987.

Friday 8 March 2019

Rua do Vale de Santo António: Ermida da Assunção

Pois já agora tomemos o caminho do popular e pitoresco Vale de Santo António — convida Norberto de Araújo — , esta inclinada artéria que vai de Sapadores ao Caminho de Ferro. Esta Rua, então sítio, chamava-se há duzentos ainda, Vale dos Cavalinhos, não sendo com certeza, então, mais do que uma estrada, mas já definida em rua na sua parte baixa, isto é: do mar. A rua deve a seu nome à Ermidinha de Santo António [vd. 2.ª foto], esta à direita subindo, de culto popular muito intenso há alguns anos.

Rua do Vale de Santo António |1945|
À esq., a  Rua do Outeirinho do Mirante
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

A Capela do Vale de Santo António, também conhecida por Ermida de Santo António do Vale e Nossa Senhora da Assunção, foi construída na 2ª metade do século XVIII, no local onde, segundo a tradição, descansou Santo António quando se dirigia ao Tejo, vindo do Convento de São Vicente, para embarcar para o Norte de África. É um pequeno e modesto templo, encravado entre o casario, cujo interior ostenta grande riqueza azulejar. Traduz um exemplo dos mais interessantes da arquitectura das igrejas pequenas posteriores ao Terramoto, valendo pelo seu interior, decorado com altos lambris de azulejos de contornos recortados formando uma série de painéis historiados, a branco e azul com moldura polícroma, datados do terceiro quartel do século XVIII. Os painéis da direita, do lado da Epístola, narram milagres de Santo António, enquanto os da esquerda, do lado do Evangelho, retratam cena da vida de Nossa Senhora.

Ermida de Santo António e Nossa Senhora da Assunção |1942|
Rua do Vale de Santo António, 84
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto, «Peregrinações em Lisboa», vol. VIII, p. 28, 1938.
cm--lisboa.pt.

Wednesday 6 March 2019

Igreja de Santa Cruz do Castelo

A igreja de. Santa Cruz do Castelo nada tem em arquitectura que a torne notável. Situa-se no Largo do mesmo nome, com a fachada para o Poente. A capela-mor encosta-se à muralha do Castelo, servindo uma das torres da cerca de base à torre sineira.


A Igreja de Santa Cruz do Castelo é uma reconstrução ao século XVIII, após o Terramoto. A primitiva igreja denominava-se de Santa Cruz de Alcáçova, e segundo tradição verosímil foi fundada por D. Afonso Henriques depois da conquista de Lisboa, em 1147, e instalada no local onde existia uma mesquita moura, certamente transformada em templo cristão. A igreja já aparece citada numa escritura de Maio de 1168, o que não implica que não tivesse existido antes. 
A denominação de Santa Cruz do Castelo é ainda do tempo do primeiro Rei, embora as «Inquirições» de 1248 e 1279 a designem ainda por Santa Cruz da Alcáçova; ela teria de seu começo, invariavelmente, as duas denominações.

Fotografia aérea da zona da Costa do Castelo e do Castelo de São Jorge antes das obras de remodelação, vendo-se ao centro, a Igreja de Santa Cruz do Castelo [1938] 
Pinheiro Correia, in Lisboa de Antigamente

A igreja recebeu sem dúvida transformações, ampliações e restauros no decorrer dos séculos, mormente no século XVI, depois do sismo de 1681. No segundo quartel do século XVII a igreja tinha, segundo Coelho Gasco, uma porta principal e outra travessa, esta sobre um adro muito grande, mas no final desse século, segundo Carvalho da Costa, já existiam três portas, a principal voltada ao Sul e as outras a Poente e a Nascente (resultado das obras anteriores a 1699?) e o corpo da igreja ostentava três naves. Seis anos antes do cataclismo foi sujeita a novos restauros. 
O Terramoto arruinou muito a igreja, que teve de ser reconstruida sob diversa traça, come­çando as obras em 1776 — data inscrita na actual porta principal — mas não se encontrando concluídas em 1783, pois nesse ano as paredes estavam levantadas só até à cimalha e apenas a capela-mor já coberta. 
A paróquia, que data da fundação da igreja, abrangia e abrange o recinto murado do bairro do Castelo. 

Igreja de Santa Cruz do Castelo, fachada e torre sineira [c. 1900]
Largo de Santa Cruz do Castelo
 Foi nesta igreja que tradicionalmente se baptizaram os filhos dos monarcas que habitavam o antigo
Paço da Alcáçova, no castelo de São Jorge.
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente

Na igreja estão expostas numerosas telas representando Santos e vários Cartu­xos, todas dos séculos· XVII e XVIII, de me­diana pintura e cuja proveniência se ignora. As duas imagens de maior valia são as de S. Jorge, que figurava na tradicional pro­cissão, e o Crucifixo do altar-mor, venerado,segundo a tradição, na capela real do paço da Alcáçova e que, conforme a tradição tam­bém, dirigia a palavra à rainha Santa Isa­bel.

Igreja de Santa Cruz do Castelo, interior: nave e capela-mor [c. 1945]
Largo de Santa Cruz do Castelo
 O retábulo de tábua existente no Altar-Mor, proveniente da desaparecida Ermida do Espírito Santo, é do séc. XVII, tem feição maneirista, sofreu acrescento para cobrir as dimensões do retábulo, representa a "Descida da Cruz" sendo de autoria desconhecida.
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

N.B. A primeira irmandade de S. Jorge foi fun­dada, diz-se, pelos Ingleses, na igreja dos Már­tires, no meado do século XII, trasladando-se depois para S. Domingos (1241) e. fundado o Hospital real de Todos os Santos, para ele (final do século XV). Fixou-se em Santa Cruz depois do Terramoto. A procissão do Corpo de Deus, onde a representação de S. Jorge tinha o papel principal, vem do reinado de D. Afonso III. Teve duas épocas de renome: o século XV, pelo pito­resco, o reinado de D. João V pelo fausto.

Igreja de Santa Cruz do Castelo [ant. 1955]
Largo de Santa Cruz do Castelo
 Capela de S. Jorge e da Senhora do Rosário
 
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa, 1955.

Sunday 3 March 2019

Travessa de André Valente: Casa onde morreu o poeta Bocage

Deixemos à direita a Rua do Século, antiga e ressonante Rua Formosa — diz Norberto de Araújo — à qual voltaremos no cabo deste capitulo de jornada, e paremos um minuto só na esquina da Travessa de André Valente


Foi este André Valente, que o dístico em azulejo policromo da travessa, no vértice do seu cotovelo, dá como jurisconsulto do século XVI, um doutor em leis formado em Coimbra, vereador da Cámara de Lisboa, e Desembargador da Casa da Suplicaçâo, e, além do mais, muito rico, que viveu na metade de quinhentos e deixou o mundo por volta de 1627.
Este grande prédio, que em 1936 recebeu bemfeitorias interiores e exteriores, foi seu palácio e dêle deriva o nome da Travessa. [...]
 No recanto que faz a travessa [ao fundo na 1.ª foto] , há um pátio alindado à maneira joanina, com um prédio da mesma reconstrução, e que é desde 1923 propriedade do Dr. José da Arruela (marido da Sr* D. Ana Arnoso), por compra aos Condes da Figueira, o que nos leva a crer que nem toda a Casa deste sítio de D. Maria José de Melo se desmembrou da Casa Figueira. (Ainda hoje lhe chamam o «Pátio Figueira»).

Travessa de André Valente [c. 1940]
Perspectiva tomada da Rua de O Século
Casa onde morreu o poeta Bocage e, ao fundo, o «Pátio Figueira»
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Repara nesta portazinha [canto inferior direito], ainda de feitio primitivo sob a traça do século passado, do prédio n.° 25: foi nele que morreu o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, em 1805, facto que a lápide sobre a verga da porta comemora.
Quantas vezes a figura esguia e volteira de Manuel Maria por aqui teria passado? E quantas agruras, nos últimos anos da sua vida, ali consumiu o poeta, pobre, desiludido, estafado de amores, sem paz, naquele primeiro andar onde agora espreita o vulto de uma «vizinha»l
Pois morreu aqui; foi sepultado num cemitério pequenino, cujo sítio havemos de ver na «Peregrinação seguinte, ali na esquina da Rua dos Caetanos e Travessa das Mercês.

Travessa de André Valente, 25 [1905]
Descerramento da lápide comemorativa (à esq.) do falecimento do poeta Bocage
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente    

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. V, pp. 29-31, 1938.

Friday 1 March 2019

Lojas de antanho: Armazéns Old England

A minha mãe — a da Alice Vieira, não a minha! — vai à abertura da estação do Old England, na Rua Augusta, como outras pessoas vão à abertura da temporada no São Carlos: enfia um vestido verde que só usa em ocasiões especiais, mitenes e um chapelinho em cima dos bandós.
A Rosa arranja a mesa da casa de jantar, com pratinhos de bolachas Marselhesa e um bule de chá de tília, para ela se sentir mais reconfortada no regresso, não esquecendo a garrafinha de Anisette, porque não há nada como um cálice de licor para uma pessoa ter alma nova.

Armazéns Old England [190-]
Rua Augusta, 109-111 (lado ocidental) esquina com a Rua de São Nicolau, 66-72

Joshua Benoliel,
in A.M.L.

Então, quando a minha mãe regressa das compras, senta-se à mesa, com ar de imensa felicidade, e murmura, como se recitasse:
«Toda a elegância se curva diante do Rei da elegância»
É assim que vem nos anúncios dos jornais, e quando os leio, penso sempre se, no dia em que vier a República, o anúncio passará a ser «Toda a elegância se curva diante do Presidente da elegância»...
E, depois de uns minutos de silêncio, a minha mãe acrescenta:
«A loja merece bem o reclame.»
E ataca as bolachinhas.
E o licor.¹

Publicidade aos Armazéns Old England [1905]
Rua Augusta, 109-111 (lado ocidental) esquina com a Rua de São Nicolau, 66-72
in Serões: revista mensal ilustrada

Bibliografia
¹ VIEIRA, Alice, Diário de um adolescente na Lisboa de 1910, 2016.
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