Friday 31 May 2019

Chafariz da Praça das Flores (ou do Monte Olivete)

Este era o chafariz n.º 11. Inicialmente situava-se perto do Arco de São Bento. O Arco foi demolido em 1838 e o chafariz, por sua vez, foi mudado para o início da Rua do Monte Olivete, junto à Praça das Flores. Foi mandado construir pela Direcção das Águas Livres em 12 de Junho de 1805.
Os seus sobejos eram repartidos por D. Genoveva Alexandrina e José Ramos da Fonseca. D. Genoveva tinha sido lesada com a destruição de algumas das suas propriedades  (entre a Rua do Arco a S. Mamede, e a a antiga Travessa do Pombal, hoje Rua da Imprensa Nacional) aquando da construção do Aqueduto para o Chafariz da Esperança  e não recebera indemnização, sendo a metade dos sobejos da água deste chafariz uma forma da a recompensar.

Chafariz da Praça das Flores ou do Monte Olivete [entre 1885 e 1910]
Largo Agostinho da Silva
Atrás, a Rua Prof. Branco Rodrigues
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

Este chafariz não encosta à parede. Tem uma planta poligonal. É esquinado de pilastras encimadas de urnas. No seu lado frontal apresenta as armas reais da centúria de setecentos sobre molduras e requebros curvilíneos, rematado por um frontão em arco quebrado, semelhante a uma chaveta, e ladeado por 2 das pilastras, apresentando uma bacia de recepção de águas, ampla, que percorre toda a base frontal..
Em 1851, tinha duas bicas, duas companhias de aguadeiros, dois capatazes, sessenta e seis aguadeiros e um ligeiro.

Chafariz da Praça das Flores ou do Monte Olivete [c. 1941]
Largo Agostinho da Silva
Confluência da Rua Marcos Portugal, Praça das Flores e Rua do Monte Olivete
António Passaporte, in AML

Bibliografia
ANDRADE, José Sérgio Veloso de - Memória sobre chafarizes, bicas, fontes, e poços públicos de Lisboa, Belém, e muitos logares do termo, 1851.

Wednesday 29 May 2019

Antiga Igreja do Coração de Jesus

Quási defronte do antigo Convento de Santa Marta temos a Igreja do Coração de Jesus — recorda-nos Norberto de Araújo — , cuja paroquial foi criada em 1770 com o orago de Santa Joana, na Igreja do vizinho Convento de Santa Joana, passando depois (1780) para o Hospício das Carmelitas, na Rua de Santa Marta.


O templo paroquial do Coração de Jesus só foi erguido neste local em 1790 a esforços, sobretudo, do Conde de Redondo; foi arquitecto Manuel Caetano de Sousa. A inauguração realizou-se a 30 de Maio. Entre 1877 e 1880 a Igreja recebeu restauros. 

Rua de Santa Marta |1944|
Ao fundo vê-se a antiga Igreja do Coração de Jesus, situava-se em frente ao Convento de Santa Marta, hoje Hospital de Santa Marta.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

A paroquial do Coração de Jesus é pobre, embora simpática. Possue no corpo da Igreja duas capelas por lado; à direita as de N. Senhora de Fátima e da Sagrada Família, à esquerda de N. Senhora das Dores e de S. Miguel. No altar da Capela-mór vêem-se sobre o sacrário do SS. as imagens do Sagrado Coração de Jesus e o S. Coração de Maria; nela se ostenta um quadro do orago da freguesia devido a Cirilo Wolkmar  Machado. O teto é de Pedro Alexandrino.



Igreja do Coração de Jesus |195-|
Rua de Santa Marta
Mário de Oliveira, in Lisboa de Antigamente
 


Igreja do Coração de Jesus |1956|
Retábulo do capela-mor, de Volkmor Mochado
Fotografia anónima, in IL



A igreja foi demolida na década de 1960 e substituída de outra, com a mesma invocação, edificada na Rua Camilo Castelo Branco.

Igreja do Sagrado Coração de Jesus |195-|
Pormenor do tecto da autoria de Pedro Alexandrino
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

N.B. Esta zona da cidade era servida pela Carreira de eléctricos Nº 6 RESTAURADORES-PRAÇA DA FIGUEIRA. Foi inaugurada em 1905, com o percurso inicial entre o Rossio e a R. Gomes Freire. Foi suprimida em 1960.
Percurso: Praça dos Restauradores, Av. da Liberdade, Rua Barata Salgueiro, Rua de Santa Marta, Rua Conde Redondo, Rua Gomes Freire, Campo dos Mártires da Pátria, Rua de S. Lázaro, Rua da Palma (sentido inverso, Poço do Borratem), Largo Martim Moniz e Praça da Figueira.
____________________________________________________
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 90-91, 1939.

Sunday 26 May 2019

Palácio dos Condes de Coculim

Vemos os restos de outro nobilíssimo palácio — diz mestre Castilho — , que vai deter-nos alguns instantes a estudá-lo; é o que fica pegado, pela sua esquina Ocidental, ao chamado arco de Jesus, ou porta-do-mar-a-S. João. O palácio a que me referi era o dos Condes de Coculim, cujo brasão de armas, as faixas dos Mascarenhas, orna ainda a esquina do edifício. Pelas mostras, deveu ser uma casa belíssima; só restam as lojas, poucas janelas de sacada no primeiro andar, e um enorme portão, no mais arrogante estilo do século XVII. O terremoto aluiu todo o resto.


Quanto ao antigo Palácio Coculim, refere Norberto de Araújo o seguinte: «Bem de admirar-se é êsse forte cunhal brasonado [ao centro, vd. foto 3] das armas dos Mascarenhas — muitos Mascarenhas titulares houve em Portugal! — , e que corresponde ao apelido dos Condes de Coculim, cujo primeiro senhor do título era filho de D. João de Mascarenhas, 1.° Marquês de Fronteira (1670) e 2.º Conde da Torre. [...]

Palácio Coculim [ant. 1900]
Rua do Cais de Santarém, 38-66; Arco de Jesus, 2-10; Beco do Armazém do Linho; Travessa de São João da Praça
 Fotógrafo não identificado, in AML

Pois disse-te que este Palácio, à nossa direita [desde o cunhal do Arco de Jesus até à Travessa de São João da Praça [ao fundo à esq.], era dos Condes de Coculim (1755), em cujos restos, que o Terramoto poupou, estão hoje [em 1939] os armazéns de ferro da firma Sommer. No começo do século XVII pertencia aos Condes de Linhares; supõe-se, sem que se possa ter a segurança, que uma serventia que existiu até 1755 nos baixos deste prédio — que interiormente ainda se denota, em forma de arco, tornado armazém — fosse o Postigo do Conde de Linhares, aberto na muralha, já muito depois da construção da Cerca de D. Fernando, e que ligava o Cais de Santarém com S. João da Praça.
Repara nesse portal [visível entre as duas carroças, vd. fig. acima] de cantaria almofadada, com verga ornamentada, ao estilo do século XVII; é quanto resta, expressivo, do Palácio dos Coculins.

Portal seiscentista do Palácio Coculim [193-]
Rua Cais de Santarém, 52
Eduardo Portugal, in AML

Cunhal brasonado com Pedra de armas
dos Mascarenhas Condes de Coculim [1959]

Rua Cais de Santarém; Arco de Jesus
Armando Serôdio, in AML

N.B. Desde 2018 — e após obras de reabilitação — está instalado no palácio o primeiro hotel-museu da cidade, o Hotel Eurostars Museum. O grande atractivo deste hotel é ser também um museu, expondo o precioso espólio arqueológico achado no local durante as obras de construção. Uma domus romana foi posta a descoberto e pode ser vista in situ, bem como um troço da muralha e da rua adjacente, do mesmo período (séculos II e III).
__________________________________________
Bibliografia
CASTILHO, Júlio de, A Ribeira de Lisboa, pp. 177-178, 1893.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, p. 25, 1939.

Friday 24 May 2019

Campo das Cebolas: Arco das Portas do Mar

O Campo das Cebolas, designação já do século de seiscentos, e o Cais de Santarém, que precedem o Terreiro do Trigo, têm um semblante muito comercial do lado de terra, e só de passagem os percorremos.[...] 

Do Arco da Conceição, sem significado algum de história ou de arqueologia, começa o Campo das Cebolas — cujo nome deriva da descarga e armazéns que daquele produto se fazia — , desfigurada tira urbana que de palácios foi. 


Campo das Cebolas [190-]
 Rua da Alfândega, Rua dos Bacalhoeiros (dir.): ao centro vê-se o antigo Terreirinho das Farinhas (hoje demolido) e, do lado esq., o  Instituto Médico Virgílio Machado fundado em 1903.
Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente

Na actual confluência da Rua da Alfândega, Rua dos Bacalhoeiros, Rua do Cais de Santarém e Avenida Infante Dom Henrique fica o Campo das Cebolas que, de acordo com Gomes de Brito "Era antigamente Rua direita da Ribeira. (...) Comquanto no Tombo da Cidade (1755), venha designado sob o nome de «Rua direita da Ribeira», já a planta de J. Nunes Tinoco (1650), o menciona com o título actual.” Como Campo das Cebolas aparece na descrição paroquial da freguesia de "Santa Maria Mayor" anterior ao terramoto de 1755 e, como "rua da praya, ou Campo das Cebollas", na planta da freguesia de S. João da Praça após a remodelação paroquial de 1770.

Casa dos Bicos Panorâmica sobre o Campo das Cebolas [1969]
Ao centro, no prédio logo abaixo da Sé, vê-se  o Arco das Portas do Mar que estabelece
a comunicação entre a Rua dos Bacalhoeiros e a Rua das Canastras.
  Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente
___________________
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 23-24, 1939.
cm-lisboa.pt.
VIEIRA da SILVA, A., A Cerca Moura de Lisboa, 1899.

Wednesday 22 May 2019

Profissões de antanho: o vendedor de capilé

— Capilé, copo com água!

Cortejo cívico, procissão, parada militar, feira ou qualquer outra manifestação que provoque ajuntamento, logo surgia e surgirá sempre, a completar o panorama, certo e sabido, o homem da «água fresquinha ou capilé»!
O material para o «negócio» é simples: um tabuleiro de zinco com quatro pernas, dois copos, uma garrafa de capilé, limões, uma faca para os cortar e uma bilha de água com a rolha trespassada por um pedaço de cana para não ter de a destapar, conservando a água isolada e fresca.
Depois é só instalar-se em local bem visível ou circular através da multidão e apregoar:
— Água fresquinha ou capilé! Capilé, copo com água!...

Vendedor de capilé  [1918-08]
Praça do Comércio
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

E não lhe falta freguesia porque há sempre gente que mesmo que não tenha sede lhe desperta a sede, mesmo que observe os copos mal lavados, passados ali num ápice, que ele não pode gastar muita água com tais preocupações, pois, se muita gastasse, pouca lhe ficaria para vender.
— Capilé, copo com água! Água fresquinha ou capilé!





Marchand de boisson [entre 1903 e 1908]
Largo Duque do Cadaval, vendo-se a Estação do Rossio(*)
Charles Chusseau-Flaviens, in Lisboa de Antigamente
(*) O local não se encontra identificado pelo fotógrafo





O capilé, ou xarope de avenca, também se vendia em abundância, ou na conhecida casa de Santo Antão, em frente do Coliseu, cheia de avencas no tecto, hoje transformada em botequim, ou nos demolidos quiosques do Camões, e, ainda, pelos vendilhões de água fresca e do capilé de cavalinho, chupado pelos rapazes em canudos de folha, sôbre os quais bailarinas, toiros e t oireiros giravam.
O prémter marchand d'eau — velhote vestido de branco, com chapéu de  palha — fez época no Rossio.
 — Capilé, copo com água!
_______________________
Bibliografia
DINIS, Calderon , Tipos e Factos da Lisboa do meu tempo (1900-1974), p. 298, 1986.
Olisipo: boletim do Grupo «Amigos de Lisboa», 1945.

Sunday 19 May 2019

Palácio de D. Braz da Silveira ou do Marquês das Minas

Agora vejamos para último elemento dêste passo — escreve Norberto de Araújo —, êsse velho Palácio da esquina da Travessa de D. Braz serventia rectificada há três anos [vd. N.B.], e com frente ao ângulo poente do jardim [9 de Abril]: é representativo da época de seiscentos, e tem ainda qualquer cousa de Lisboa velha.


Foi pertença de D. Brás da Silveira, da casa e família dos Marqueses das Minas; mais tarde, no século passado [XIX], veio à posse dos Viscondes de Tojal, aos quais, após um interregno em que pertenceu ao capitalista Quaresma, voltou à posse, que subsiste.
Estão nele instalados [em 1938] vários serviços públicos, da Direcção Geral dos Impostos, e em parte tem habitado, de há longos anos, o diplomata conselheiro Dr. Arenas de Lima.
Os altos dêste palácio e dos prédios vizinhos, numa amálgama de planos, oferecem desde o alto do edifício novo do Museu [de Arte Antiga] curiosas perspectivas.
E agora te digo, Dilecto: e se descançássemos uns momentos?

Palácio de D. Braz da Silveira ou do Marquês das Minas [entre 1902 e 1908]
Rua Presidente Arriaga, 2-6, tornejando para a Travessa de D. Braz, n.º 1-7 e Rua do Olival, 21 
Observe-se a originalidade das chaminés, entretanto 
apeadas, quando foram acrescentadas as trapeiras.
Machado & Souza, in AML

A cobertura do palácio foi bastante alterada por diversos usos. Volumes articulados com coberturas diferenciadas em telhados de 2 águas, rasgadas por trapeiras. Possui dois corpos distintos: um na Rua Presidente Arriaga [antiga de S. Francisco de Paula (até 1920)], de dois pisos (onde se localiza o piso nobre) evidenciando traços da origem seiscentista, outro na Travessa de D. Braz, de quatro pisos, com características posteriores. Edifício ritmado por 13 janelas de sacada com guardas em ferro forjado, no piso nobre, ao longo da fachada marcada pela sucessão de 13 trapeiras (inicialmente era composto por 6 chaminés). 
O acesso ao interior é feito através de um átrio com tecto em estuque decorativo. No interior encontram-se azulejos de figura avulsa, do 2º quartel do séc. 18, na escadaria principal e azulejaria pombalina nos pisos superiores (antigos estúdios de gravação); sala no piso nobre com tecto setecentista em estuque estilo "rocaille" e azulejaria pombalina do 2º período; tecto brasonado na entrada, com armas dos Sousa do Prado e coroa de Marquês.

Palácio de D. Braz da Silveira ou do Marquês das Minas [1938]
Um aspecto do velho Palácio do Marquês das Minas, do lado da Travessa de D. Braz, às Janelas Verdes.  — Observe-se a originalidade dos telhados e das chaminés
Desenho de Martins Barata, in Peregrinações em Lisboa

N.B. O homenageado Dom Brás, da íngreme ruela, é Dom Brás Baltasar da Silveira, nascido a 3 de Fevereiro de 1674. Foi Senhor de S. Cosmado, na comarca de Lamego, Comendador de Ranhados, e teve as Comendas de seu pai, D. Luís Baltasar da Silveira, casado com Dona Luísa Bernarda de Lima, filha das 2." núpcias do 1.° Marquês das Minas, D. Francisco de Sousa, décimo neto de Afonso III, de Portugal.Dom Brás consorciou-se com Dona Joana Inês Vicência de Meneses, filha de Aleixo de Sousa da Silva, 2.° Conde de Santiago. Os linhagistas tecem loas a Dom Brás, que acompanhou seu avô, o Marquês das Minas, até à Catalunha, ficando prisioneiro em Almanza. Regressado a Portugal, foi Mestre de Campo e General dos Exércitos, e governou as armas da Beira.
____________________________________________
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VII, pp. 61-62, 1938.
monumentos.pt.
SANTOS,Domingos Maurício Gomes, Brotéria, p. 206, 1952.

Friday 17 May 2019

Beco do Petinguím a Santa Bárbara

Sobre este Beco do Petinguim, na freguesia dos Anjos, pouco se sabe da sua origem.
De acordo com os Livros X e XI de óbitos da freguesia dos Anjos, Luís Pastor de Macedo («Lisboa de Lés a Lés», vol. IV) refere que o arruamento já aparece em 1816 como Ilha do Petinguim e como beco em 1823.

Rua de Santa Bárbara e entrada do Beco do Petinguím |c. 1939|
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Petinguim (Beco do) — No Manual descritivo de Lisboa e Porto, de Chianca (1845) lê-se, na "Miscelania": Ilha de Petinguim (ou Xacra, vulgo Beco da): fica na rua das Barracas; pertence à freguesia de Nossa Senhora dos Anjos".==
(BRITO, Gomes de, Ruas de Lisboa. Notas para a história das vias públicas, 1935)

A artéria é ainda mencionada como Beco do Petinguim no «Atlas da Carta Topográfica de Lisboa» de 1858, de Filipe Folque, assim como num projecto de Ressano Garcia de 29-07-1893, de ligação da Rua Passos Manuel ao Paço da Rainha.

Beco do Petinguím |s.d.|
Vasco Gouveia de Figueiredo, in Lisboa de Antigamente

Sunday 12 May 2019

Estação dos Caminhos de Ferro de Leste e Norte, vulgo Estação de Santa Apolónia

O relógio da estação dos Caminhos de Ferro de Leste e Norte — vulgo Estação de Santa Apolónia — marcava treze horas e trinta minutos e estava "prontinha a estrear".


A Estação de Santa Apolónia figura em pelo menos uma dúzia de livros de Eça de Queiroz. Repartia com o Porto, no último quartel do século XIX, a condição de principal meio de chegada à capital portuguesa, a partir do exterior. Inaugurada no dia 1 de Maio de 1865, a estação de Santa Apolónia ficava na Rua do Cais dos Soldados, diante da Praia dos Algarves. O Tejo passava rente a ela [vd. 2ª imagem], em seu flanco sul. Hoje, em terreno conquistado ao rio, corre a Avenida Infante Dom Henrique, entre a estação e a estrada de ferro de um lado, e o cais atracável, de outro, onde se situa o Terminal de Contentores de Santa Apolónia.

Estação de Santa Apolónia |c. 1865|
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
O edifício, encomendado pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, dispunha no piso térreo de cocheira para 22 carruagens, salas de espera de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, e salas do chefe de estação, dos botequins e casas de pasto, do telégrafo, do serviço de saúde, etc., além de ser iluminado por 143 candeeiros a gás, de acordo com uma descrição no «Archivo Pittoresco: Semanario Illustrado, nº 4 de 1866», publicação lisboeta da época.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O primeiro caminho de ferro em Portugal foi inaugurado em 1856. A linha ia de Lisboa ao Carregado (cerca de 40 quilómetros ao norte da Capital). Não foram poucos os que se opuseram à introdução dos caminhos de ferro em Portugal, pois isto parecia um sacrifício estéril para a nação, que deveria, ao contrário, ir avançando na construção de estradas macadamizadas. O romance Os Maias, um grande painel da época, reflecte, na pessoa do Abade Custódio, esse sentimento de oposição às estradas de ferro. Quando soube que o procurador Vilaça viera no comboio até o Carregado, disse, suspendendo a colher que ia levar à boca: 
"De causar horror, hem?"
O abade assustava-se com as inevitáveis desgraças dessas máquinas. Gostava do progresso, achava até necessário o progresso, mas parecia-lhe que se queria fazer tudo à lufa-lufa. "O país não estava para essas invenções, o que se precisava eram boas estradinhas..." O lugar da actual estação de Santa Apolónia, ponto de partida da linha inaugural, era ocupado por um quartel de artilharia, edifício grande mas irregular, com espaçosa área na frente, fechada com grades de ferro que o separavam da Rua do Cais dos Soldados [actual R. dos Caminhos de Ferro].

Estação de Santa Apolónia |post. 1865|
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
Foi aqui que tudo começou. Foi daqui que no dia 26 de Outubro de 1856 partiu o rei D. Pedro V no primeiro comboio que circulou em Portugal, ligava Lisboa ao Carregado. Sendo portanto este local o berço dos caminhos de ferro portugueses.
Edificada, entre 1862-1865, próximo do Bairro de Alfama, em frente ao «Cais dos Soldados», no local ocupado pelo antigo Quartel de Artilharia, é a estação mais antiga de Lisboa e o ponto de partida de diversos comboios, quer a nível nacional, quer internacional.
A. S. Fonseca, in Lisboa de Antigamente

A construção foi iniciada em Outubro de 1862, no ano seguinte ao da coroação do Rei D. Luís I. O projecto era de autoria dos engenheiros João Evangelista Abreu (que , Angel Arribas Ugarte e Lecrenier. O edifício era iluminado por 143 candeeiros a gás. O caminho de ferro que sai de Santa Apolónia corre paralelamente ao Tejo, em direcção a leste e depois a norte. No dizer de Vasco Callixto, Santa Apolónia poderá considerar-se o berço do comboio em Portugal, pois, mesmo sem estação, foi dali que, em 1856, partiu a primeira composição ferroviária rumo ao Carregado. A denominação de Santa Apolónia advém do facto de que naquele local existia um edifício que, até 1833, era o convento das religiosas franciscanas da invocação de Santa Apolónia. O dia de Santa Apolónia, padroeira dos dentistas, ocorre a 9 de Fevereiro.

Estação de Santa Apolónia [post. 1865]
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
A grande nave — cais onde (des)embarcam os passageiros — possuía um tecto todo em ferro com vidraças no centro, tinha de comprimento 117 mt., de largura 24,6 mt., e de altura 13 mt., e «é de construção mui sólida e esbelta», pode ainda ler-se no «Archivo Pittoresco: Semanario Illustrado, nº 4 de 1866».
A. S. Fonseca, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
CASTRO ALVES, Dário Moreira de, Era Lisboa e Chovia: Todas as Personagens de Eça Na Lisboa Bem-Amada, pp. 177-178, 1984.

Saturday 11 May 2019

Cinema Mundial

Inaugurado a 22 de Setembro de 1965, o Cinema Mundial localizado no bairro de Picoas, acompanhou durante 4 décadas a evolução dessa zona central de Lisboa. Tornou-se sistema multi-salas com 3 salas, sendo a sala 1 a maior e principal. Foi sabendo sempre adaptar-se enquanto à sua volta iam crescendo os arranha-céus e as superfícies comerciais e se multiplicavam as torres de escritórios. Entrou no novo milénio já sem a afluência de público de outras épocas, e em 2004 acabaria por encerrar e perder a guerra com os complexos multi-salas dos centros comerciais que foram abrindo na zona. Em 2005 foi convertido em teatro mas a partir de 2006 deixou de ter um programa contínuo, encerrando quase em definitivo.

Cinema Mundial [1977]
Rua Martens Ferrão, 12A
Vasques, in A.M.L.

NB. O filme «The Yellow Rolls-Royce», no original, estreou em Portugal no dia 17 Abril 1965 com o título «O Rolls-Royce Amarelo». Contava no elenco com a premiada actriz Sueca Ingrid Bergman (1915-1982).

Wednesday 8 May 2019

Alameda de Algés

Com uma História a caminho do meio milénio, o Convento actualmente transformado no Palácio Foz, faz parte integrante das raízes de Algés. Da sua história consta que D. Francisco de Gusmão, Cavaleiro da Casa da Infanta D. Maria, donatário de vastos terrenos na orla do Reguengo de Algés, doou esses terrenos aos monges, em 1559, para a fundação de um Convento evocando S. José. Mais tarde, o Cardeal D. Henrique ainda Infante, construiu nesse local três casas com uma Capela, e em 1595, o Provincial — Frei António da Anunciação, pela terceira vez erigiu o Convento, com uma albergaria de excelência para a época. 

Alameda de Algés  |Início séc. XX|
 Alameda Hermano Patrone
Torreões do Palácio dos Condes da Foz / Quinta de S. José de Ribamar
Garcia Nunes, in Lisboa de Antigamente

Em 1834, dá-se o confisco dos bens das Ordens Religiosas, em proveito da Fazenda Pública e assim o Convento e as suas terras foram vendidas a João Marques da Costa Soares, um capitalista, que em 1850 vendeu toda a propriedade a Andrade Neri, o qual mandou restaurar a encantadora Casa dos Arrábidos, assim como a bela Igreja. Em 1872, o Conde de Cabral comprou tudo e fez a muralha e a bela construção dos arcos que fica sobranceira à entrada. A Pousada foi transformada no palacete de airosas linhas, arcarias e colunas que permanecem até aos dias de hoje,
Hoje é propriedade privada fruto de um projecto de suposta reabilitação Urbana que mais uma vez coloca nas mãos de privados um edifício histórico único na Freguesia.

Alameda de Algés  |c. 1920|
 Alameda Hermano Patrone (ant. à deslocamento da linha férrea Lisboa-Cascais)
Palácio dos Condes da Foz / Quinta de S. José de Ribamar
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
SILVA, Sara Cristina, O Convento de S. José de Ribamar in Revista Oeiras Municipal.

Sunday 5 May 2019

A Bica dos Olhos

Ora aí temos no prédio n.° 32, numa reentrância da fachada, no primeiro plano, a Bica dos Olhos [...] 

Vê tu que ingenuidade, que fisionomia curiosíssima de miniatural monumento seiscentista!

A Bica dos Olhos — creio eu — já hoje perdeu a sua fama, o que não impede que se vejam, de madrugada, algumas pessoas ali a lavarem os olhos.


Havia naquele tempo por estes sítios da vertente de encosta que trepava a Belver, ou seja a Santa Catarina, — recorda-nos Norberto de Araújo — um homem a quem chamavam Artibelo, e que não era outro senão o Senhor Duarte Belo [contracção de Duarte Bello], dono de um chão às Portas do Pó (a actual Rua da Boa Vista) e no qual chão existia uma bica de água corrente. Aquele tempo — era o fim de quinhentos. A água da Bica do Artibelo foi — talvez seja ainda — milagrosa. Possuía a virtude de curar as doenças dos olhos, contando que a tomada da água se desse antes do nascer do sol.
De seu começo a Bica situava-se mais atrás do prédio da esquina da Travessa do Sampaio e Rua da Boa-Vista, em cujo vão de parede, com ombreiras e vergas de pedra, se encontra desde 1709, por imposição da Câmara feita a um carpinteiro [chamado António Ferreira] que comprou o chão [por 1:750$000 réis] onde, antes, o manancial milagreiro se encontrava. Lá está esculpido que «o dono da propriedade é obrigado a conservar «esta bica sempre corrente à sua custa».
É esta a Bica dos Olhos.

Bica dos Olhos [1951]
Rua da Boavista, 30 esquina com a Tv. do Marquês de Sampaio
Ora aí temos no prédio n.° 32, numa reentrância da fachada, no primeiro plano, a Bica dos Olhos [...]
Eduardo Portugal, in A.M.L.

As fontes, as bicas, como alguns chafarizes desaparecidos ou secos nesta Lisboa de nascentes e arroios, andaram sempre rodeadas de lendas e de prestígios alfacinhas; assim a do Andaluz, a do Desterro, a do Regueirão dos Anjos, a da Samaritana, de que existe apenas o espaldar mutilado, a da Fonte Santa, o desaparecido Chafariz de Arroios.
A Bica dos Olhos é humilde e pobrezinha. Lá está com a sua data de 1675 (época talvez em que lhe foi encontrada virtude) e com a sua nau alfacinha.

Bica dos Olhos [1944]
Rua da Boavista, 30

Ostenta, na zona inferior, uma tabela octogonal com as armas camarárias, onde está instalada uma bica, que verte água para uma pia semicircular, assente no plano oblíquo da base.
Eduardo Portugal, in A.M.L.

Olhos de trinta gerações que passaram de madrugada fria pela Bica dos Olhos — onde estais vós? Embarcadiços, calafates, remolares, mendigos, colarejas! Talvez mesmo que algumas donas velhinhas das casas dos Condes Barões de Alvito ou dos Carvalhais, provedores da Casa da Índia, ou alguns dos frades de S. João Nepomuceno, mandassem buscar pelos criados, noite alta, uma garrafinha da linfa virtuosa.
A Bica dos Olhos, eis um monumento ingénuo de humildade. E talvez por isso subsiste, mesmo já sem olhos que creiam nela

Bica dos Olhos [1951]
Rua da Boavista, 30
 = 1675 =
 = HE OBRIGADO O DONO DESTA PROPRIEDADE A CONCERVAR ESTA BICA SEMPRE 

CÒRENTE Á SUA CUSTA =
Eduardo Portugal, in A.M.L.

O chamar-se-lhe bica dos Olhos — lê-se no Archivo pittoresco — provém do seguinte caso, que a tradição tem conservado até hoje. Um francez que descobriu na agua desta bica grandes virtudes para inflammação de olhos, começou a vendel-a em vidrinhos com um nome pomposo, e vindo de origem supposta. Com efeito esta agua fez immensas curas, diz-se, e o industrioso estrangeiro ganhou muito dinheiro. Por fim o criado que ia de noite buscar a agua á bica de Duarte Bello, que o amo vendia como especifico, revelou o segredo, pelo que o francez teve de fugir, divulgando-se a virtude que tinha a agua d’aquella bica, concorrendo alli desde então muitos doentes a lavar os olhos, e a ser tirada em garrafas para o mesmo uso.
O auctor do Aquilegio Medicinal, em que se dá conta das aguas de caldas, de fontes, rios, poços, lagoas e cisternas do reino de Portugal, era medico d'el-rei D. João V, e publicou este curioso livro em 1726. E sobre tudo, o sr. J. Sergio Velloso de Andrade, na sua accurada Memoria sobre os chafarizes, bicas, fontes e poços publicos, diz positivamente que a bica d'antes chamada do Artibello é a actual bica dos Olhos.

Bica dos Olhos, gravura
Tem por cima das Armas da Cidade, a inscrição na pedra que reza :
= 1675 = 
= He obrigado o dono desta Propriedade a concervar esta Bica sempre còrente á sua custa = 
in A.M.L

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 78, 1939.
id., Legendas de Lisboa, pp. 68-69, 1943.
Archivo pittoresco: semanario illustrado - Vol. V, 1862.

Friday 3 May 2019

Jardim 5 de Outubro vulgo Jardim da Burra

Estamos já em pleno coração da Estrêla — diz Norberto de Araújo.

Eu não te disse, Dilecto, que esta era uma das mais belas Praças de Lisboa? O monumental, o paisagista, o urbano, conjugam-se neste Largo da Estrêla (chamado até 1889 do Coração de Jesus), e desta harmonia, que talvez não houvesse sido estudada, resultou um admirável logradouro citadino-alegre, movimentado, limpo, lisboeta puro.

 

Jardim 5 de Outubro vulgo Jardim da Burra [entre 1926 e 1936]
Praça da Estrela; Basílica da Estrela; quiosque da Estrela
António Passaporte, Colecção Loty

Pequeno jardim verdejante desenvolvido lateralmente em relação à Basílica da Estrela. Este jardim exibe um conjunto escultórico , em bronze, executado com grande realismo, em 1918, por Costa Mota (tio), designado por "Lavrador" ou "Sagrada Família", uma vez que representa um casal de camponeses característicos da época, um lavrador de enxada ao ombro e uma camponesa com um menino nos braços, sentada numa burra que transporta cestos.

Jardim 5 de Outubro vulgo Jardim da Burra [1955]
Praça da Estrela
Conjunto escultórico designado por "Lavrador" ou "Sagrada Família"
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XI, p. 45, 1939.
cm-lisboa.pt.

Wednesday 1 May 2019

O sítio de Valverde

«Ernestinho que não se podia demorar, ofereceu logo ao Conselheiro e a Julião — “a sua carruagem, que era uma caleche, se iam para a Baixa...”»

[Eça de Queirós, in O Primo Basílio, 1878]

 

A serventia [Rua Primeiro de Dezembro] — recorda-nos o ilustre Norberto de Araújo — parece que fora chamada pelo vulgo, no tempo de Pombal, depois do Terramoto, Rua Nova das Hortas e Rua das Hortas (e que constituiria referência oral à Horta da Mancebia ou a horta dos terreiros do Duque de Cadaval ou dos Condes de Faro, mais para Norte). Antes de 1755 a Rua tinha já o traçado sensivelmente idêntico ao de hoje, e chamava-se Rua de Valverde – lindo nome.

Praça Dom João da Câmara |1895|
Antigo Largo Camões; Tteatro D. Maria II
Caleche (ou caleça) Manton transportando o toureiro "Guerrita".
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Rafael Guerra "Guerrita" (1862-1941) foi um dos maiores e mais famosos toureiros do século XIX. Actuou inúmeras vezes em Lisboa, onde era idolatrado pela afición. A fotografia que se reproduz, mostra o toureiro cordovês ao passar pela pelo então Largo de Camões [actual hoje Praça D. João da Câmara] e Rua do Príncipe [hoje Primeiro de Dezembro], numa caleça (ou caleche) Manton [vd. NB.], a caminho da Praça de Touros do Campo Pequeno.

Rua Primeiro de Dezembro |1895|
Antiga Rua do Príncipe, antes Travessa Camões; Café Suisso
Caleche (ou caleça) Manton transportando o toureiro "Guerrita".
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

N.B. Caleche Manton: viatura do Século XIX. Caixa em forma de barco, com capota rebatível e quatro lugares vis-à-vis. Suspensão com molas elípticas e molas em C à frente e atrás da capota, mais por elegância do que por razões técnicas, duas lanternas quadrangulares. Guarda-lamas fixo na aba da capota. O banco do cocheiro é elevado e, na retaguarda, encontra-se um banco para sota com acesso ao travão de manivela. Rodas revestidas e estribo desdobrável.
A caleche Manton foi adquirida pela Casa Real Portuguesa, passou para as equipagens da Presidência da República após 1910.
_________________
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 85, 1939.
Web Analytics