Sunday 31 July 2016

Palácio dos Possolos

"A Rua de Sant'Ana mostra algumas casas e casebres, de tipo pitoresco. A meio desta rua, à esquina da velha Travessa das Almas, estão ainda de pé [em 1939] os restos decrépitos do palácio dos Possolos, com suas oito varandas de setecentos, o seu portal brasonado de pátio (n.° 121), tudo a dizer ainda, no semblante de ruína perfeitahoje habitações de famílias pobríssimas, a vida solarenga de entre Lapa e Boa Morte de há duzentos anos. Pertenceu êste palácio, depois dos Possolos, ricos negociantes italianos do século XVII, aos antepassados de Gustavo de Matos Sequeira, escritor olisiponense, que hoje detém a propriedade, condenada a demolição, e que não consente restauro."
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XI, p. 59, 1939)

Palácio dos Possolos [1939]
Rua de Sant'Ana à Lapa
Neste local assenta actualmente a Av. Infante Santo.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

O topónimo original do arruamento é Rua de Sant' Ana e assim figura na planta da cidade de 1910. Conforme consta no processo 1841/50 foi acrescentada a palavra "à Lapa" por parecer da Comissão Consultiva Municipal de Toponímia na sua reunião de 19/05/1950.
A sua origem radica no culto popular a Santa Ana, muito divulgado na Lisboa antiga, como imagem catalisadora da grande devoção das mães portuguesas, padroeira do vendedores de objectos usados, das mulheres que fazem renda, das donas de casa, dos marceneiros, dos torneiros, dos moços de estrebaria e fabricantes de vassouras e de especial devoção em casos de pobreza e para se encontrarem objectos perdidos. [cm-lisboa.pt]

Palácio dos Possolos [1939]
 Rua de Sant'Ana à Lapa. Portal brasonado de pátio (n.° 121).
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Saturday 30 July 2016

Retiro Zé dos Pacatos na antiga Estr. de Sacavém

   (...) Quintarolas onde se ouvia o chiar da nora e se podia, antes ou depois da refeição, ir dar um salutar passeio pelos rêgos das couves e outras hortaliças, ou vêr o boisinho que fazia andar os alcatruzes e visitar os estábulos e as barracas dos trabalhadores.


A Estr. de Sacavém tinha seu começo no cunhal da Igreja de Arroios, do lado da sacristia, onde se lia o respectivo letreiro municipal, posteriormente substituído por Rua Alves Torgo, e estendia-se até Sacavém, encontrando-se neste longo trajecto os Retiros, também conhecidos por Hortas porque todos eles dispunham de tratos de terrenos, mais ou menos extensos, onde, nos espaços anexos à parte urbana, se estabeleciam os caramanchões engalanados com arbustos e vegetação própria, seguindo-se-lhe cultura hortense bem cuidada, com esmero e rigor, das espécies vegetais de consumo constante, vivificadas pela água que a vigilante nora mourisca, em seu característico chiar, lhes distribuía por intermédio dos alcatruzes que o pachorrento boi, de olhos vendados e inalterável andamento, fazia mover, prestando sua ajuda ao rústico labor. A estas atraentes locandas acorriam todas as camadas sociais, constituindo assim centros de reunião com freguesia especial que lhes era assídua.

Os Pacatos na Estr. de Sacavém [c. 1940]
Algures entre a Rua Alves Torgo  e o Areeiro
Eduardo Portugal, in AML

Para se ir ás hortas, metia-se a gente num carrão ou char·á·bancs que, às tardes, se postava em S. Domingos, junto às grades, com a sua imperial de bancos em anfiteatro, por cima do veículo, três muares derrancados que a puxavam, cocheiro e condutor de grandes melenas.
Pagava-se um pataco pelo transporte até à Estrada de Sacavém, onde os principais retiros eram a Perna de Pau e o Zé dos Pacatos [propriedade de José Joaquim Pereira Caldas], o primeiro onde trabalhavam de cozinheira a tia Gertrudes e a gorda Basalisa, que teve, mais tarde, um retiro com o seu nome e acabou em costureira do Teatro do Príncipe Real, e o segundo, onde havia um criado galego, baixo, pançudo, nariz arrebitado, tipo de gnomo, conhecido pelo Bitoque, que acabou em criado da Floresta.
O Bitoque, que era popularíssimo, tinha imensa graça e descompunha os fregueses. Se lhe pediam qualquer vianda que demorava, respondia imediatamente:
 — Espere!. Vá você buscá-la! Eu não sou seu criado, sou criado do patrão!
Uma tarde, fui jantar ao Zé dos Pacatos com Fialho de Almeida, grande amador dos petiscos das hortas, e D. João da Câmara, que, a convite nosso, ia fazer a sua iniciação. Veio a sopa, trazida pelo Bitoque, cuja biografia contámos ao grande dramaturgo, e êste, metendo acolher à bôca e queimando-se, gritou:
 — Ó Bitoque! olha que esta sopa está quente!
O gnomo aproximou-se do prato de D. João da Câmara, meteu-lhe dentro o rechonchudo fura-bolos, levou-o à bôca e chupou, declarando logo, com um enorme descaramento:
 — Não acho!
Foram canas e canetas para o mimoso poeta não lhe partir a cara, custando a convencê-lo de que todos davam ao Bitoque a maior liberdade.
O galego apressou-se em trazer nova sopa e tais artes teve de se insinuar no ânimo de D. João da Câmara, que este, quando ia ao Zé dos Pacatos, não queria outro servo. [1]

Os Pacatos na Estr. de Sacavém
Gravura de J. Novaes, in Lisboa, Alfredo Mesquita, p. 573, 1903 (1.ª Ed.)

Bibliografia:
[1](Olisipo: boletim do Grupo "Amigos de Lisboa", «Os petiscos de Lisboa e o Carnaval», por Eduardo Fernandes (Esculápio), n.º 17, pp. 39-40, Janeiro 1942)

Thursday 28 July 2016

Igreja de Santa Catarina, Convento dos Paulistas

Pois desçamos, Dilecto, a Calçada do Combro, que foi «do Congro» no século XVII, «do Congo», em alguns documentos, e devia ser, afinal, pela lógica toponímica, do «Cômoro», isto é, do alto.
(ARAÚJO, Norberto de, «Peregrinações em Lisboa», vol. V, p. 29, 1935)


Igreja de Santa Catarina e Convento dos Paulistas [1945]
Calçada do Combro
Alvarez, J. C., in AML

Foi em 1646 que os eremitas de São Paulo da Serra de Ossa do Redondo instalaram uma pequena comunidade em Lisboa, na Calçada do Combro. No ano seguinte, fundavam o Convento do Santíssimo Sacramento, e em 1654 iniciaram a obra da igreja; a obra, no entanto, iria arrastar-se pelas décadas seguintes, e a sagração do templo aconteceu apenas em 1680. A obra seria terminada já nos primeiros anos do século XVIII, uma vez que em 1707 se construíram novas celas na ala do dormitório.

Convento dos Paulistas - Vista de norte: corpo da capela-mor da Igreja de Santa Catarina, (traseiras), corpo da livraria e da ala conventual  [c. 1940]
Eduardo Portugal, in AML

O Convento dos Paulistas é uma austera construção tardo-maneirista de planta em L, junto à qual se ergue a Igreja de Santa Catarina. As fachadas são ritmadas por janelas idênticas, de verga recta, dispostas a espaços regulares, com janela de sacada em pedra encimada por frontão curvo no corpo principal.

Convento dos Paulistas, traseiras [c. 1900]
Em primeiro plano, os terrenos onde foi construído o Liceu Passos Manuel.
José Artur Bárcia, in AML
 
Conserva-se parte do claustro quadrangular com arcada de arcos redondos, um monumental corredor de acesso à zona das celas, o átrio de acesso à igreja vizinha, o espaço da antiga portaria, decorado por azulejos do 1º quartel do século XVIII que se atribuem a António de Oliveira Bernardes e ao mestre P.M.P., uma escadaria de mármore, a magnífica sacristia poligonal com estuques atribuíveis a João Grossi e dois lavabos. Destaca-se ainda o espaço da Biblioteca do Exército, que ocupa a antiga livraria conventual, considerada uma réplica, em escala mais reduzida, da Biblioteca de Mafra. Classificada como Monumento Nacional.

Igreja de Santa Catarina, órgão [s.d.]
Mário Novais, in AML

Tuesday 26 July 2016

Profissões de antanho: a (o)varina

A mais curiosa população desta cidade


As ovarinas (o 'o' etimológico perdeu-se na pronuncia) (peixeiras) formam com seus pais, maridos e irmãos a mais curiosa população desta cidade; população inteiramente à parte e com carácter e feição própria. São esses rudes operários do mar que fornecem peixe à capital do país; os homens embarcam para ir pescá-lo, as mulheres percorrem para vendê-lo as ruas da cidade, os homens embarcam para ir pescá-lo, as mulheres percorrem para vendê-lo as ruas da cidade, levando à cabeça uma canastra de fundo chato, equilibrada com graça e habilidade

Varina descarregando o peixe das fragatas, na Ribeira Nova [c. 1900]
 Tente-não-caias
Colecção Seixas, in AML

As ovarinas têm um fraseado e expressão peculiares; falam uma algaravia, que é necessário ter o ouvido afeito para perceber. No mais, como todas as peixeiras do mundo — parece condão do ofício — , berram espantosamente e são corajosas e destemidas. Uma ovarina de 12 ou 15 anos é capaz de responder sem se perturbar às provocações impertinentes de muitos homens, ficando sempre senhora do terreno. 

Varinas no Mercado do Peixe [c. 1890]
 Varinas no terreiro da Ribeira Nova, junto ao Mercado do Peixe, local onde se preparava, encanastrava e vendia o peixe por grosso, defronte do Mercado 24 de Julho
Louis Levy, in AML

Os que cortejam as ovarinas não só demonstram que não receiam o cheiro do peixe, como provam que são susceptíveis de arrostarem qualquer revés: virtudes ferozes, respondem habitualmente a uma galanteria com uma bofetada. É brutal, mas enfim a virtude pode escolher as armas que lhe convenham e servir-se até do soco e do  pontapé.
Maria Rattazzi (1833-1902). Portugal de Relance, [c. 1879]

Varinas esperando o peixe [c. 1912]
Cais da Ribeira Nova

Joshua Benoliel, in AML

Sunday 24 July 2016

Convento das Flamengas (ou da Quietação)

Defronte do Convento do Calvário havia, mais antigo e mais nobre, o Convento das Flamengas, ao qual estão ligados alguns sucessos da família real no século XVII.


O Convento das Flamengas foi construido em 1586 pelo arquitecto Nicolau de Frias, de fundação de Felipe I [II de Espanha], para as religiosas clarissas flamengas, emigradas para Portugal em virtude das perseguições calvinistas na Baixa Alemanha e na Holanda; estas religiosas albergaram-se primeiramente, ainda sem constituírem comunidade, no Mosteiro da Madre de Deus, mas em Dezembro de 1582 tinham casa própria junto à Ermida da Glória, a Valverde (ou seja à Avenida [da Liberdade], ermida que deu o nome às actuais Calçada, Rua e Travessa da Glória.
O Convento neste lugar recebeu a invocação de N. Senhora da Quietação, que perdura ainda na Igreja, aberta ao culto. 
Pelo Terramoto poucos estragos sofreu.

Convento das Flamengas |c. 1940|
Rua Primeiro de Maio; perspectiva tirada do Largo do Calvário
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente
   
Desde 1893 que o edifício do antigo Convento foi cedido ao Ministério das Colónias (então da Marinha e Ultramar), para moradias de senhoras de família de oficiais falecidos no Ultramar; presentemente [em 1939] habitam aqui vinte e quatro famílias naquelas condições. Não constituí um Recolhimento e muito menos um asilo, mas um agrupamento de casas independentes.

Convento das Flamengas, fachada principal, pórtico brasonado |c. 1940|
Rua Primeiro de Maio
Eduardo Portugal,
in Lisboa de Antigamente

Entremos. Aí temos, em tudo, marcado o aspecto conventual do sexo feminino, pequeno e delicado, com seu claustro miniatural, sem lavores de arquitectura, seu terraço, jardim e tanque central.
Podemos espreitar a Igreja. Mas antes observa-me o pórtico do Instituto, ou seja do desaparecido Convento, com seu escudo e coroa real em relêvo. Quero lembrar-te que neste Convento se celebrou o casamento de D. Pedro II com D.Maria Francisca de Sabóia: a mulher de seu irmão, ainda vivo, D. Afonso VI.
A pequena Igreja das Flamengas, do orago de N. Senhora da Quietação, é pequena e graciosa, forrada de bons azulejos, revestida de talha apreciável, forrada de bons azulejos, revestida de talha apreciável, com lousas e inscrições no chão do corpo da Igreja.
Como vês recolhe-se boa impressão de conjunto neste minúsculo templo. No sopé de um dos altares do Cruzeiro está enterrado o coração de D. Pedro II.1

Convento das Flamengas, claustro |c. 1940|
Rua Primeiro de Maio; ao fundo, a Rua Leão de Oliveira
Eduardo Portugal. in Lisboa de Antigamente

Entre as lápides existentes no pavimento da Igreja das Flamengas, desperta-nos a atenção e a curiosidade o de uma singela campa que está junta aos degraus do altar-mor, da banda do Evangelho, e nos diz que o  coração de D. Pedro foi ali enterrado

COR JACET HIC PETRI 
REGIS MORTALE SECVNDI 
COR VIVEBAT VBI 
CON TVMVLATVR IBI

Conta-nos António Caetano de Sousa, na sua História Genealógica,2  o processo de embalsamento do corpo do Rei que morreu no Paço de Alcântara pela 1 hora da tarde de uma quinta-feira, dia 9 de Dezembro de 1706): 
(...) terminada a operação foram os intestinos (i.e. as vísceras) a enterrar à Igreja das Religiosas Flamengas, que ficam contiguas ao Paço, e levados à noite, com a decência devida, por António Rebelo da Fonseca, que servia de porteiro da câmara. ”
Assim sendoenquanto o corpo embalsamado do Rei foi levado para S. Vicente de Fora, onde está sepultado, como se comprova ter sido sua vontade por o expressar em testamento  “(…) o meu corpo será sepultado na igreja de S. Vicente de Fora, junto do túmulo de minha sobre todas muito amada e prezada mulher D. Maria Sofia Isabel, que está em Glória (…)” —, as vísceras, e com elas o «cor[ação] mortale», ficaram enterradas na formosa igreja do vizinho deste Convento da Quietação.  
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Bibliografia
1 ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, pp. 33-34, 1939.
2 SOUSA, António Caetano de, C.R., História genealógica da casa real portugueza, vol VII, p. 658, 1735-174.

Saturday 23 July 2016

Travessa da Espera: o antigo Farta-Brutos

A Travessa da Espera — pela qual vamos sair do interior do Bairro Alto — e que liga a Rua da Atalaia com a Rua Larga de S. Roque [hoje Rua da Misericórdia], é das serventias do Bairro mais movimentadas e tradicionais de turbulência. Porquê? — perguntas tu. Pela circunstância de ser uma saída natural do íntimo do sítio bairrista para o exterior, por S. Roque. Foi sempre servida por baiucas de esquina, que desapareceram; hoje possui dois restaurantes pequenos, bem frequentados, de fundação recente em relação à antiguidade do sítio, mas sem nenhuma característica típica: o "Primavera", e o "Farta-Brutos", respectivamente nos nºs 45 e 53, este mais antigo.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa», vol. VI, p. 53, 1938)


Travessa da Espera [c. 1900] — À esq., a Rua da Barroca; o fundo, a Rua da Misericórdia, in AML 


Travessa da Espera [c. 1900] — A 1ª rua à esq. é a Rua do Diário de Notícias, seguida das ruas do Norte e das Gáveas; ao fundo, a Rua da Misericórdia, in AML
        (clicar para ampliar)


 A propósito de uma dessas  «baiucas» de que fala Norberto de Araújo, o Farta-Brutos — «instalada em uma loja para a qual se descia por dois degraus — recorda-nos Eduardo Fernandes (Esculápio) um patusco episódio em que contracenam o proprietário da casa «um galego hercúleo, antigo cosinheiro de bordo, casado com uma mulher muito franzina que servia às mesas» —  e o Biscaia, um dos «habitués» da afamada locanda, sita na Travessa da Espera. Reza assim:
   (....)
    — Chamam-me o Farta-Brutos, dizia o galego, para me chamarem bruto, quando, afinal, os brutos são êles...
   A casa era muito bem freqüentada por gente de jornais e de teatros. Entre os fregueses, figurava o Reinaldo, chefe da claque do teatro da Trindade e bombeiro voluntário, de quem o cenógrafo José de Almeida, com a sua mania de falar em verso, dizia:
Há um bombeiro chamado Reinaldo,
Só chega ao fogo depois do rescaldo.
   Certa noite, estava o Farta-Brutos, que tinha o apelido de Fortes e já morreu, a dormitar, encostado ao balcão, com as mangas arregaçadas, quando entrou na locanda o Biscaia, boemio do tempo, companheiro do Reinaldo, que andava quási sempre com o seu grão na aza. Vendo-o em tal posição, começou a cofiar·lhe uma das mãos e a cantar, como na Viuva Alegre:
Tua mão está fria ...
   O galego acordou, pôs-se em pé e gritou:
   — Pudera! Não havia de estar fria! Eu estive alá dentro a labá·los copos!»
 (Olisipo: boletim do Grupo «Amigos de Lisboa», Ano IV, n.º 16, Outubro 1941)

Travessa da Espera  [c. 1900] — Esquina com a Rua do Norte (poente); ao fundo, a Rua das Gáveas, in AML
 
(A numeração de polícia das fotos não corresponde com a actual)
 
Travessa da Espera  [c. 1900] — Esquina da Rua do Norte (nascente); à esq., a Rua das Gáveas e, ao fundo, a Rua da Misericórdia, in AML
        (clicar para ampliar) 

Friday 22 July 2016

Ascensor da Bica

O Ascensor da Bica, também conhecido por “Elevador da Bica”fazendo a ligação entre a Rua de S. Paulo e o Largo do Calhariz (Calçada da Bica Pequena; Largo de Santo Antoninho; Rua de São Paulo)é um dos elementos mais pitorescos da cidade de Lisboa, atravessando o popular Bairro da Bica. Construído pela Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa, sob projecto do Eng.º Mesnier du Ponsard, foi inaugurado em 1892.

Ascensor da Bica [1933]
Os novos elevadores.
  A Rua (Calçada) da  constitui o eixo central do bairro da Bica, cujo topónimo procede de uma área abundante em água distribuída por fontes e chafarizes.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Trata-se de um equipamento de transporte urbano constituído por 2 carros, ligados por um cabo subterrâneo, que sobem e descem alternada e simultaneamente ao longo de duas vias paralelas de carris de ferro. Movido inicialmente a água e pelo sistema de tramway-cab, passou da locomoção por contrapeso de água à locomoção a vapor, em 1896, conhecendo a sua total electrificação, somente, em 1914. O Ascensor da Bica e o seu meio urbano envolvente estão classificados como Monumento Nacional.

Ascensor da Bica [1909]
O velho ascensor junto ao Largo do Calhariz.
Joshua Benoliel, in Illustração Portugueza

No 10 de Junho de 1882, na sala das sessões da Câmara Municipal de Lisboa, o presidente José Gregório da Rosa Araújo, leu um ofício do engenheiro-chefe da repartição técnica, Frederico Ressano Garcia, em que se indicavam as condições a impor para se conceder, a Raul Mesnier de Ponsard, engenheiro distinto, «licença para o estabelecimento e exploração de diversos planos inclinados no interior da cidade». A vereação concordou e resolveu lavrar o termo da concessão.

Ascensor da Bica [c. 1923]
Calçada da Bica Pequena; Largo de Santo Antoninho
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

Na Bica, o assentamento da linha começou em dia de finados deste mesmo ano [1890]. Durante meses houve dificuldades e atritos com a Câmara; umas pela estreiteza e diferentes declives da rua e os outros pela construção do colector de esgotos, atrasaram muito os trabalhos; em fins de Maio, um director, em telegrama a Mesnier, dizia : «Estou em braza»; não admira: era Verão ...
Finalmente, a vistoria foi requerida em Março de 1892; e a inauguração fez-se numa terça-feira, véspera de São Pedro. Cada viagem custava : 1 vintém para cima e 10 réis para baixo. Os bancos dos carros eram colocados «em plateia» e pensava-se instalar um restaurante à entrada pela Rua de S. Paulo.

Ascensor da Bica [1945]
Calçada da Bica Pequena; Largo de Santo Antoninho (Escadinhas)
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

Depois de, em 1916, se ter dado um grave acidente na Bica, vindo um carro pela linha abaixo, em grande velocidade, romper o guarda-vento de S. Paulo e atravessar a rua, este elevador esteve anos sem funcionar. Em 1923, o senado municipal convida a empresa a pô-lo de novo em movimento. A direcção ainda tentou dissuadi-lo, alegando que durante muitos anos tinha conservado o elevador em circulação, apesar do prejuízo que sofria; mas a exploração dele era muito perigosa por ser a rua muito estreita e sempre cheia de crianças.
«De resto», acrescentava a Ascensores, «o elevador da Bica aproveita a tão diminuto número de passageiros que é preferível melhorar as condições de viação de outras linhas». Falta de previsão: a «Bica», em 1952, transportou nada menos que 1 milhão e 597 mil passageiros. [1]

Ascensor da Bica [1963]
Rua de S. Paulo
Augusto de Jesus Fernandes, in Lisboa de Antigamente

[1] Olisipo: boletim do grupo «Amigos de Lisboa", 1954.

Pastelaria Mexicana

Estabelecimento comercial, em estilo modernista, inaugurado em 1946, ocupando quatro pisos de um prédio dos anos 40, com o rés-do-chão e a primeira cave destinados ao serviço do público, o estabelecimento prolonga-se para a rua, em esplanada coberta por pala de betão com letreiro luminoso. Foi objecto de total remodelação, em 1961/62, segundo projecto do arq.º Jorge Ribeiro Ferreira Chaves, de forma a modernizar quer o espaço quer o mobiliário nele existente. A tabacaria, junto à entrada, foi construída na década de 70, com risco do mesmo autor.

Pastelaria Mexicana [c. 1977]
Avenida Guerra Junqueiro, 30 C
Vasques, in AML

No interior, merecem destaque os revestimentos cerâmicos, nomeadamente o painel de azulejos «Sol Mexicano», de Querubim Lapa, assim como a pintura mural «Sol»,da autoria de Mirya Toivolla e João Câmara Leme.
Foi local de encontro de vários artistas ligados ao Surrealismo e ao Neo-realismo, bem como de arquitectos da geração que fixou o Movimento Moderno em Portugal e serviu de cenário a alguns filmes portugueses, nomeadamente, «Corte de Cabelo», de Joaquim Sapinho (1995).
Classificada como monumento de interesse público desde Março de 2014. A classificação abrange o “património integrado” da pastelaria, em especial o painel cerâmico Sol Mexicano, de Querubim Lapa, a cabine telefónica interior e o “passarinhário”, uma espécie de gaiola de vidro com aves no seu interior.[cm-lisboa.pt]

Pastelaria Mexicana
Sol Mexicano, de Querubim Lapa
Fotografia anónima

Wednesday 20 July 2016

Praça da Alegria de Baixo

"Ora aqui temos, entre as embocaduras da Praça da Alegria e da Rua das Pretas (designação esta que remonta a seiscentos) o sítio que foi a Praça da Alegria de Baixo, (não confundir com a Praça de Alegria de Cima, a actual) também chamada a Praça da «Erva» ou do «Verde», e na qual se abria a entrada norte do Passeio [Público]. Antes de êste ser construído, mas já depois do Terramoto, neste local se erguia o cadafalso para execução de ladrões. 
Nesta Praça, que era limitada por um renque de prédios que lhe dava o fundo ao Norte, existiu um chafariz, em 1880 transferido para a Mãi da Água (Alto da Alegria)." 
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 27)

Casas que fechavam pelo Norte a Praça da Alegria de Baixo,
demolidas quando se iniciaram as obras da Avenida da Liberdade [ant. 1882]
Na esquerda baixa, o magnifico Terraço
da Cascata, entrada Norte do Passeio Público
Fotógrafo não identificado, in AML

Para a abertura da Avenida da Liberdade começaram as obras de remoção das grades do Passeio Público e de demolição dos envazamentos e dos pilares, no ano de 1882. Depois rasgou-se a grande artéria que lá vemos, o que não deixou de representar um grande melhoramento para a cidade.

O Passeio Público, Carta topográfica, Filipe Folque, 1858
Legenda: a Laranja a antiga Praça da Alegria de Baixo (na 1ª foto); a Verde o Passeio Público (1764-1882); a Vermelho, a bela Entrada Norte do Passeio, rematada de balaustrada e de escadarias e terraço.
(clicar para ampliar)

Monday 18 July 2016

Palácio Nacional de Sintra

 

Duas chaminés acopladas dominam todo o edifício

Hans Christian Andersen, Uma visita a Portugal, 1866


O Palácio Nacional de Sintra ou da Vila é o único sobrevivente íntegro dos paços reais medievais em Portugal. Muito provavelmente, foi construído sobre a residência dos antigos wallis muçulmanos e desde o início da Monarquia os monarcas portugueses aqui tiveram um Paço. As principais campanhas de obras que lhe conferiram o aspecto actual devem-se a D. João I, que o reconstruiu, e a D. Manuel I, que acrescentou a hoje denominada ala manuelina. Durante a Idade Moderna o Palácio não cessou de ser engrandecido, como o provam os elementos renascentistas do tempo de D. João III, a grande Sala dos Cisnes, a mais antiga Sala de aparato dos Palácios portugueses, e onde se encontram os retratos de D. Catarina de Bragança, de Carlos II de Inglaterra e de D. Pedro II, ou a Sala dos Brasões, cuja cúpula ostenta as armas de D. Manuel, de seus filhos, e de setenta e duas das mais importantes famílias da Nobreza, e cujo revestimento integral das paredes data do século XVIII, obra do ciclo dos Grandes Mestres da azulejaria lisboeta dessa altura. 

Palácio Nacional de Sintra [1866]
Francesco Rocchini, in Lisboa de Antigamente

Afectado pelo grande terramoto de 1755, foi logo reconstruído «à maneira antiga», e durante os séculos XIX e XX sofreu ainda outras obras que transformaram irremediavelmente algumas partes, como os edifícios que fechavam o Largo Rainha D. Amélia, que então foram destruídos. Convertido em museu a partir de 1940, na actualidade é objecto de um Programa de restauro e valorização da responsabilidade do IPPAR, que teve como primeira medida a recuperação das coberturas e fachadas, e que prosseguirá com a recuperação e restauro do património móvel e com a criação de uma nova dinâmica na interpretação e animação do monumento e respectiva envolvente.
A capela, reformulada na campanha de D. Manuel I, filia-se no estilo mudéjar, pelo tapete de azulejos hispano-mouriscos dos pavimentos, de que subsistem muito poucos testemunhos em Portugal. Desses dois primeiros períodos, o principal destaque vai para a cozinha, com as suas duas chaminés de 33m de altura, a Sala Árabe, parcialmente revestida com azulejos de matriz geométrica, ou o magnífico pátio central, com os seus arcos geminados cairelados. [in parquesdesintra.pt]

"A vila de Cintra na Estremadura é, talvez, a mais bela do mundo inteiro"

Lord Byron, 1809


Palácio Nacional de Sintra [post. 1933]
Estúdio Mário Novaisin Lisboa de Antigamente

Saturday 16 July 2016

Os alfacinhas vão a banhos: praia de Pedrouços

"A praia de Pedrouços, como todas as da grande Bahia do Tejo, é lisa, plana, de areia fina. O mar é tranquillo, sereno como um lago, o melhor dos banhos, na maré enchente, para as creanças fraquinhas, para as mulheres débeis, fatigadas. (...) As praias do Tejo, de Pedrouços a Cascaes, são como as dos golphos da Itália (...), as mais propicias á constituição dos valetudinários e dos anemicos." 

É no período de 1852-1885, que a sociedade alfacinha consagra de bom-tom os longos passeios à beira-mar, nomeadamente entre a burguesia ascendente já convertida ao Romantismo. E eis que surgem as primeiras praias alfacinhas, todas em Belém: O Bom Sucesso, a praia da Torre e a praia da aldeia de Pedrouços.

Praia de Pedrouços [1920] 
A sociedade alfacinha consagra de bom-tom os longos passeios à beira-mar
Eduardo Portugal, in AML

As crónicas da época falam de ilustres banhistas: Almeida Garrett que não dispensava a praia de Pedrouços — chegou a alugar a Casa do Arco da Torre no Verão de 1852 — , a Marquesa de Rio Maior que a ela faz referência nas suas memórias. Segundo Ramalho Ortigão, Pedrouços tinha então um bom hotel, «o Hotel Club, fresco, aceado, dirigido por uma senhora franceza e apresentando a boa apparencia interior, modesta e confortável da pension burgeoíse.»

Praia de Pedrouços [1937] 
(...) Junto de Pedrouços, para o lado de Lisboa, fica a praia de
Belém [ao fundo], cujas condições são muito similhantes ás de Pedrouços.

Eduardo Portugal, in AML

Praia pequena, aburguesada, não tinha areia para tanta gente, nem «aposentos» para os mais exigentes. Diz Ramalho que «todos vivem em contacto intimo uns com os outros, mesmo ficando cada um em casa. Pela manhã, a gente abre a janella do seu quarto, deita a cabeça de fora e pôde fazer a barba no espelho do seu visinho do prédio fronteiro».

Praia de Pedrouços [1937]
 (...) Chefes de secretaria, officiaes, amanuenses, tabelliães, guarda-livros, caixeiros de escriptorio, escrivães, retemperam annualmente em Pedrouços a sua pallida e sedentária fibra plumitiva.
Eduardo Portugal, in AML

É pena que, de tantas senhoras que se banham em Pedrouços, no Dafundo, em Paço d'Arcos, em toda a orla do Tejo, tão poucas nadem» — acrescenta Ramalho em forma de lamento — sugerindo que «n'estas aguas serenas seria da maior vantagem para as mulheres a natação. Este nobre exercício, executado de bruços, obriga a uma forte contracção os músculos do dorso e do pescoço, gymnastica extremamente benéfica para as pessoas que se fatigam com o menor exercício, e ás quaes a natação desenvolve muito a força da columna vertebral. 
Seria um óptimo serviço á therapeutica o estabelecimento n'esta praia de uma escola de natação para as senhoras. 

Praia de Pedrouços [1921]
 (...) Meninas de bibes brancos, escrupulosamente nitidos, trazem os seus barcos. 
C. Garcês, in Arquivo do Jornal O Século

Escreve o autor de As Praias de Portugal que «Nas praias da Allemanha é raríssima a mulher que não sabe nadar. Outra diflerença: as portuguezas vão para a agua com demasiado fato; as allemãs chegam a ir vestidas unicamente com o seu bracelete. Para que esta innocente liberdade paradisíaca, para que esta simples toilette pre-historica se torne possível, ha na Allemanha algumas praias privativas das senhoras, onde o ingresso é prohibido aos homens por meio de um dístico collocado a distancia n'um poste de madeira. Áo que transgride a disposição do letreiro, appiica-se uma multa de cerca de duas libras..... Meu Deus! é enorme. Aconselho a escola de natação, mas não aconselho na toilette senão modificações parciaes, porque, a nudez por um lado, as duas libras por outro, em Allemanha é a lei para todos, em Portugal seria para cada um a ruína: tantas vezes a multa seria paga! ¹

Praia de Pedrouços [c. 1910]
Alberto Malva, edições, postal, in AML

¹ ORTIGÃO, Ramalho, As praias de Portugal: guia do banhista e do viajante, pp. 41-43, 1876.

Thursday 14 July 2016

Profissões de antanho: o leiteiro

Ordenhavam-nas diante de nós, nas vacarias. E algumas vezes, até, ao ar livre das ruas, pois nesses tempos a cidade e o campo ainda se confundiam na igual doçura de trabalho espreguiçado (...) Mal ouviu a minha encomenda, o homem agachou-se e, de cócoras, pôs-se a afagar as tetas do animal como se tocasse um instrumento luminoso, donde os dedos, com a leveza de gás, extraíam uma melodia branca, a acompanhar não sei que flauta de sonho pastoril. 
(FERREIRA, José Gomes (1900-1985),  O Irreal Quotidiano, Um instrumento maravilhoso atravessa a cidade)
Rua Castilho [1909]
(...) Mal ouviu a minha encomenda, o homem agachou-se...

 Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Rua Castilho [1909]
... e, de cócoras, pôs-se a afagar as tetas do animal como se tocasse um instrumento luminoso...

Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Rua Castilho [1909]
Ao fundo, o antigo Quartel do Vale de Pereiro (Quartel de Caçadores 2) na actual Rua Braamcamp.
 ... donde os dedos, com a leveza de gás, extraíam uma melodia branca, a acompanhar não sei que flauta de sonho pastoril.(...)
 Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente


Nota(s): O local onde o fotógrafo Joshua Benoliel captou estas magníficas imagens não se encontra identificado no arquivo. Todavia, tendo como referência outras duas fotos catalogadas como prédios para demolir sitos na Rua Castilho, constata-se que os edifícios em ambas coincidem com os das fotografias (1ª e 2ª) de Benoliel. Comparando, então, a moldura da porta e das janelas do 1º prédio na 1ª foto com a desta imagem, e a varanda do prédio ao centro na 2ª foto, com esta outra, facilmente se  comprova tratar-se do mesmo local: Rua Castilho
Como a qualidade da digitalização das fotos para comparação é de péssima qualidade, torna difícil a leitura dos números de polícia, inviabilizando, assim, apontar com maior exactidão o troço da rua onde se erguiam estes edifícios. De qualquer modo, e levando em consideração outros registos fotográficos deste arruamento, arriscaria para local desta bucólica cena de rua, um dos quarteirões entre as Ruas Alexandre Herculano e do Salitre. Contudo, devo confessar, que aqueles prédios ao fundo na última imagem, não me calham, não sei por quê, mas não me calham... Por via disso, se algum  leitor tiver outras sugestões,  saiba que serão muito bem-vindas.

ADENDA: Já depois de publicado este artigo deparei-me com estas imagens da demolição do antigo Quartel do Vale de Pereiro (Quartel de Caçadores 2). Como se pode comprovar pela planta do projecto de abertura da Rua Castilho (que reproduzo abaixo), o «prédio que não me calhava» — e que se vê ao fundo na 3ª foto — é, nem mais nem menos, o referido Quartel do Vale de Pereiro, que se situava entre as futuras Ruas Braancamp Joaquim António de Aguiar. Donde se conclui que esta cena de rua se desenrola junto ao cruzamento da actual Rua Castilho com a Rua Braamcamp, no troço entre esta e a Rua Alexandre Herculano. Mistério resolvido!

Projecto de abertura da Rua Castilho, 1915
Legenda: a Vermelho, a Rua Castilho; a Verde, o antigo Quartel do Vale do Pereiro; a Azul, o local da cena de rua captada pelo fotógrafo.
Silva, Alberto Pedro da, in Lisboa de Antigamente

Tuesday 12 July 2016

Avenida da Liberdade

Ora ahi tens tu essa Avenida! Hein?.... Já não é mau! [1]


A Avenida da Liberdade, inaugurada em 1885, ou a Avenida, como quase logo passou a ser designada, foi um lugar em si mesmo. Nos últimos anos do século XIX e até à proclamação da República, «fazia-se a Avenida» como se fazia a Rua Áurea e o Chiado: para passear, ver e ser visto, numa ritualização do passeio urbano cujas características eram ainda românticas.
O ajardinamento das placas laterais (que salvaguardaram espécies do Passeio Público e alguns dos seus elementos decorativos, como os pequenos lagos), a amplitude do espaço de andar e a quase ausência de trânsito explicam que a Avenida tenha sido, de facto, a mesma espécie de palco que fora o Passeio Público, mas sem muros nem portões de acesso, democratizando o passeio e a fruição de espectáculos ocasionais de Verão. [2]

Avenida da Liberdade [1955]
Panorâmica da Avenida da Liberdade com placas ajardinadas
Eduardo Portugal, in AML


«Assim se fez a Avenida» escreve, em 1893, Fialho de Almeidapanfletário maior da literatura portuguesa«que é como se sabe um corredor de cantaria, com altos muros cheios de buracos, palmeiras de cabellos nas pernas, e um obelisco-thermometro marcando no primeiro de Dezembro o zero da temperatura patriotica. (...)
Insisto no que poderia ter dado a Avenida, se a camara partindo d'um estudo de transformação architectonica bem guiado, e sabendo que para essa arteria convergiriam todas as novas construcções luxuosas da classe rica, dictasse a esta typos de residencia, não nos seus detalhes meúdos, que isso seria um attentado ás leis da variedade, mas dentro d'um quadro d'estilos sujeito a um ensemble, e frisando o monumental da grande rua. Eis o que teria afastado daquele sítio os prédios mercenários, os predios cómodas, com janelas de bico e platibandas de louça por vidrar, e o que multiplicaria as perspectivas por uma diversidade sem fim de tipos palaciais, dando a esse eixo novo de Lisboa a grandeza cenográfica que lhe falta, e o ar de grande terra que já agora só com um terramoto novo pode ter. 

Avenida da Liberdade [ant. 1939]
Placas ajardinada
Eduardo Portugal, in AML

É realmente mágoa olhar da praça dos Restauradores, até à Penitenciária, o bisonho canal de casarões saloios que arrotam sobre a via, chatos e altíssimos, com seus telhados opacos, lucarnas de celeiro, magras varandas, e divisórias de aluguer, cheirando a sovinice dos senhorios. Dos pouquíssimos palácios que lá restam, apenas do marquês da Foz tem grande tipo, o resto concebido num tipo de cartonagem chinfrinote, dizendo o disfrute ou a estupidez do arquitecto, a farófia patuda dos donos, e a irremissível chateza merceeiral do nosso tempo.» [3]

Avenida da Liberdade [1955]
Placa ajardinada; Monumento aos Restauradores
Eduardo Portugal, in AML

[1] QUEIROZ, Eça de, Os Maias, 1888.
[2] SILVA, Raquel Henriques da, O Livro de Lisboa: O Passeio Público e a Avenida da Liberdade.
[3] ALMEIDA, Fialho de, Os Gatos, vol. 6, 1893.

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