Lisboa era o Chiado; o Chiado era o Marrare; e o Marrare ditava a lei. Ser frequentador do Marrare era a suprema elegância para os elegantes; frequentar o Marrare era como para os romanos ir a Atenas; imprimia carácter.
Numa tarde, estando no Marrare, vira parar defronte, à porta de Madame Levaillant, uma caleche azul onde vinha um velho de chapéu branco, e uma senhora loura, embrulhada num xale de Caxemira.
O velho, baixote e reforçado, de barba muito grisalha talhada por baixo do queixo, uma face tisnada de antigo embarcadiço e o ar goche, desceu todo encostado ao trintanário como se um reumatismo o tolhesse, entrou arrastando perna o portal da modista; e ela voltando devagar a cabeça olhou um momento o Marrare.» [...]
(QUEIROZ, Eça de, Os Maias», 1888)
O café Marrare «do Polimento» situado na Rua Garrett, em meados do século XIX, gravura |
O Café mais antigo e, sem dúvida, o de maior nomeada em Lisboa, foi o Café Marrare «do Polimento» a que Tinop chamou o «príncipe dos botequins». Era «do Pulimento» porque «estava forrado com silhares de madeira pulida, e ainda por oposição aos outros «Marrares» [ARAÚJO, 1939]O seu proprietário e fundador foi António Marrare que viera para Lisboa como copeiro do Marquês de Nisa, italiano de berço, estabeleceu-se primeiramente no Largo de S. Carlos, mudando daqui, em 1820, para o edifício da Rua do Chiado que tinha então os números 25 e 26, hoje Rua Garrett, 58-60.Desde logo, o Marrare foi uma «espécie de café-clube, frequentado de dia e de noite por uma sociedade, o high-life, que era com certeza a fina flor da nossa aristocracia e da alta burguesia lisboeta. Júlio de Castilho sintetizou assim o Marrare: «Lisboa era o Chiado; o Chiado era o Marrare; e o Marrare ditava leis.»
Todos os escritores contemporâneos enalteceram a simpatia do seu ambiente e as qualidades do serviço, desde o magnífico infuso, em que entrava o genuíno «Moka», às bebidas das melhores marcas e aos excelentes sorvetes e chocolates de fama. Entre os pratos que servia, celebrizou-se o famoso bife à Marrare, confeccionado numa frigideira de ferro com molho de natas. Além da sala de bilhar, tinha ainda um pequeno pátio coberto por uma clarabóia envidraçada onde, no Verão, as senhoras podiam comer os melhores gelados da cidade. Polido era também o atendimento: criados de libré serviam excelente café em cafeteiras de prata.
Prédio setecentista onde existiu o «Café Marrare do Polimento» [c. 1910] Rua Garrett, 54-64 Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Bulhão Pato disse muito categoricamente: «Em 1848 o Marrare do Polimento, no Chiado, tornara-se o ponto de reunião de todos os elegantes e homens superiores de Lisboa». E, logo a seguir: ««Foi notável aquele café; assumiu um carácter literário e político, que hoje pertence à história. Ali só entravam pessoas que andassem em certa roda; as outras não se sentiam à sua vontade em semelhante convivência, ou em tal meio. como agora se diz. O Marrare possuía uma casa de numerosos hóspedes, todos parentes, mais ou menos próximos.»
Encerrou portas em 1866.
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A foto da Rua Garrett (c. 1910)seria mais acertado ser de c. 1911 já que as
ReplyDeletebandeiras nas varandas são da República.
Valdemar Silva
A República foi instituída em 1910 e c. Quer dizer "circa", ou seja, "à volta de", o que inclui 1911... valia a pena a sua crítica?
DeleteQue pena.
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