Tuesday 21 July 2015

Palácio Valada-Azambuja

Aí temos, Dilecto, ainda no Calhariz, esquina da Rua Marechal Saldanha — antiga da Cruz de Pau — este palácio, há poucos anos reedificado, e onde esteve instalado o jornal A Lucta. É este, seguramente, o monumento urbano que mais atrás recua na história do sítio.


Para quem se interessa pela história destes velhos palácios e para melhor perceber o longo e intrincado historial deste solar dos Almadas e dos Valadas, vale a pena a leitura e a descrição  detalhada feita pelo ilustre olisipógrafo Norberto de Araújo.

Aqui se erguiam no século xv, tempo de D. Afonso V, as casas e quinta de D. Álvaro Vaz de Almada, o famoso Conde de Avranches, morto com o Infante D. Pedro, «o Regente», na triste batalha de Alfarrobeira. Logo aos herdeiros de Avranches foram confiscados os bens deste sítio, e doados a Álvaro Pires de Távora, em Agosto de 1449; foi este fidalgo quem aqui fez levantar um novo palácio sobre velhas casas. Estes Távoras foram ascendentes dos Menezes, Tarocas e Castros, cujas armas campeavam num brasão, que existia sobre o portão principal, enfrentando o Largo actual do Calhariz. Por ocasião do Terramoto, o Palácio, que certamente beneficiara de obras e ampliações no decorrer de três séculos, ruiu estrondosamente e, sob os escombros, morreu o Embaixador de Espanha que nele morava. Mais obras recebeu o arruinado edifício, feitas por um dos Menezes, ascendente de D. Francisco de Menezes da Silveira e Castro, 1.º Conde da Caparica, e, em 1813, feito Marquês de Valada, e que no seu palácio habitava no começo do século passado [XIX]. Antes, em 1791, morava aqui o Marquês de Pombal, Henrique, que era casado com uma Menezes , filha de D. José. É ainda célebre «o coche do Marquês de Valada» , D. José de Menezes, como notáveis foram as recepções na sua casa e a sua vida envolvida em fausto.

Palácio Valada-Azambuja [séc. XIX]
Largo do Calhariz, 15-19; Rua da Bica Duarte Belo, 71-81; Rua Marechal Saldanha, 30-40;
Ascensor da Bica
Alberto Carlos Lima, in A.M.L.

Em 1867, era proprietário de direito deste edifício D. Francisco de Menezes, Conde de Caparica, de menor idade, e administradores e usufrutuários seus pais D. José de Menezes Silveira e Castro e D. Maria Isabel de Bragança, marqueses de Valada.
Em Janeiro desse ano, precedendo autorização do Conselho de família o palácio foi vendido por 23 contos e 500 mil réis ao conselheiro Francisco José da Silva Torre que em 1874 remiu o foro devido ao Hospital de S. José, por 48$523. 
Este Silva Torre: tinha uma enteada, casada com um Conde de Azambuja, e foi esta senhora que, depois, herdou a propriedade. Desta data em diante começou o velho solar dos Almadas e dos Valadas a ser conhecido por «Palácio Azambuja».

Palácio Valada-Azambuja [1968]
Largo do Calhariz, 15-19; Rua da Bica Duarte Belo, 71-81; Rua Marechal Saldanha, 30-40
Armando Serôdio, in A.M.L.

Em 1922, D. José de Melo, da família Azambuja, vendeu o edifício ao comerciante e antiquário Sr. Manuel Henriques de Carvalho. Já no edifício estava instalado o jornal A Lucta, em cujas salas tantos dramas políticos se conceberam. Em 1925, o proprietário mandou encurtar o átrio nobre para abrir estabelecimentos comerciais, colocando nas paredes do vestíbulo belos panos de azulejos — estes que vês — que haviam pertencido a um palácio da vila de Almada, única afinidade de procedência que eles têm com o primitivo solar dos Almada-Avranches do século XV, e adornando um pequeno pátio, à direita, com dois registos de azulejos, um datado de 1760, e que estavam numa dependência do edifício.
Em 1936, fizeram-se novas obras no antigo Palácio Azambuja (cuja frontaria ainda diz alguma coisa) respeitando-se contudo alguns pormenores interiores, e construindo-se uma Sala onde era o Jardim de  Inverno. Desapareceram as salas da Lucta e do Centro Nacionalista, e  instalaram-se o 7.º, 8.° e 9.º Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, e uma repartição de Registo Civil. Os inquilinos multiplicaram-se.

Palácio Valada-Azambuja [1936-03-19]
Largo do Calhariz, 15-19; Rua da Bica Duarte Belo, 71-81; Rua Marechal Saldanha, 30-40
Fotógrafo não identificado, in Arquivo do Jornal O Século

A Travessa Rua do Almada que aqui corre paralela à face lateral do velho Palácio, não deriva seu nome — como Júlio de Castilho supôs — do solar de D. Álvaro Vaz de Almada (Conde de Avranches), mas de um Fernão Rodrigues de Almada, homem abastado, que no meado do século de quinhentos aqui morava (Informação generosa do Sr. Luiz Pastor de Macedo; veja-se «Livro de Lançamento e serviço que a cidade de Lisboa fez a El-Rei D. João III, no ano de 1565», fol. 374, 375 e 394).

Do antigo jornal republicano de Brito Camacho, das suas tertúlias políticas e literárias, das suas congeminações conspiratórias (Sidónio Pais aqui urdiu discretamente a sua conjura de 1917) não resta mais do que a memória: «o palácio da Lucta».
Não vale a pena subirmos. Basta que observemos a fachada que olha para a Rua Marechal Saldanha [vd. imagem acima], respeitada pelas obras do século XIV e do presente, oferecendo ainda um semblante muito aproximado da arquitectura civil banalíssima posterior ao Terramoto.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. V, pp. 25-26, 1939)

Palácio Valada-Azambuja [1960]
Largo do Calhariz, 15-19; Rua da Bica Duarte Belo, 71-81; Rua Marechal Saldanha, 30-40
 Arnaldo Madureira, in A.M.L.

No seu interior são de destacar: o silhar de azulejos azuis e brancos, setecentistas, figurando cenas galantes, localizado no átrio de entrada; a decoração com estuques levemente relevados da escadaria de mármore; e os dois registos azulejares, figurando S. Francisco e S. Marçal, do pátio interior.

N.B. De espaço residencial converteu-se em espaço comercial, de serviços e cultural, acolhendo inclusivamente a Biblioteca Municipal Camões.

 
 
 Painel de azulejos com a imagem
de São Francisco de Borja


Painel de azulejos com a imagem
de São Marçal

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