Cravo: o símbolo da revolução
No próprio dia da revolução, uma pastelaria na Baixa preparava-se para comemorar mais um aniversário oferecendo flores a todos os clientes. A funcionária encarregada de comprá-las passou pelos militares e começou a distribuí-las — cravos vermelhos. Os soldados puseram-nos nos canos das espingardas.
Esta imagem feliz de uma arma que, ainda que dispare, só irá atirar flores, foi captada por fotógrafos e adoptada para cartaz largamente divulgado. O cravo tornou-se a imagem da revolução e o 25 de Abril ficou conhecido (pelo menos nos seus primeiros tempos) como a Revolução dos Cravos.
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Praça Dom João da Câmara 25 de Abril de 1974 Fotógrafo não identificado, Jornal Diário de Notícias, in Lisboa de Antigamente |
A Ditadura Militar instituída a 28 de maio de 1926 deu origem, volvidos escassa meia dúzia de anos, ao Estado Novo idealizado e gerido por Salazar. Afastado este do poder, por doença incapacitante, a chefia do governo é entregue a Marcello Caetano, que, entre outros problemas por resolver, herda uma guerra colonial em três frentes, sem solução militar à vista nem vontade política de optar por uma solução política negociada. Cansados da guerra, os militares profissionais encetam movimentações de carácter corporativo que rapidamente se transformam em reivindicações políticas, acabando por encarar como única saída o derrube do regime pela força.
Será o Movimento das Forças Armadas (MFA) que irá desencadear uma revolta militar em grande escala, conseguindo derrubar o regime sem o emprego da força e sem causar vítimas. Depois de uma tentativa frustrada, protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, a 16 de Março de 1974, o processo revolucionário acelera. Na noite de 24 para 25 de Abril, duas estações de radiodifusão lançam para o ar duas canções que irão adquirir um simbolismo particular — E Depois do Adeus, interpretada por Paulo de Carvalho, que soa como uma despedida do governo marcelista, e Grândola Vila Morena, interpretada pelo poeta banido José Afonso, um conhecido opositor do regime, canção esta que transporta uma mensagem de conteúdo democrático ao evocar a vilazinha de Grândola, onde o povo é quem mais ordena -, desencadeando as operações militares, superiormente coordenadas pelo major Otelo Saraiva de Carvalho. Em perfeita coordenação, elementos envolvidos na conspiração tomam conta das respectivas unidades, formam colunas de voluntários, convergem para os grandes centros e ocupam todos os pontos estratégicos do país, colocando as forças fiéis ao governo em posição de desvantagem e na defensiva. Sem disparar um tiro, cobrem praticamente todo o país.
Dois momentos de tensão apenas se registam naquela primeira fase, ambos em Lisboa, ambos protagonizados por um jovem capitão de Cavalaria, Salgueiro Maia — um encontro com um destacamento de blindados obediente ao Governo, que por pouco não redunda em acção de fogo, mas que se resolve quando as tropas envolvidas se colocam às ordens de Salgueiro Maia; outro, horas mais tarde, quando o mesmo oficial manda abrir fogo sobre a parede exterior do quartel da GNR no Carmo, como forma de persuadir Marcello Caetano, lá refugiado, a render-se. O chefe do Governo acaba por se render ao General António de Spínola, com medo de que o poder "caísse na rua", e a tensão desce.
Só um incidente irá manchar os acontecimentos: agentes da PIDE/DGS, barricados na sua sede, abrem fogo sobre manifestantes, causando alguns mortos e feridos. Apesar da sua brutalidade, não passa de um acto de desespero, não sendo sequer um acto de defesa do regime. Tal como a Monarquia a 5 de Outubro de 1910 e a República a 28 de maio de 1926, um regime cai por não ter já quem o defenda e queira dar a vida por ele.
Os revoltosos fizeram sair do Quartel do Carmo o primeiro-ministro, Marcello Caetano, e o Presidente da República, Américo Thomaz, num carro de combate (Chaimite, Bula), a fim de os poupar à exaltação da multidão. Pouco depois seriam transferidos para a ilha da Madeira, e daí, a 20 de maio, para o Brasil, com o que a revolução criou um precedente de tolerância que iria servir, em fases posteriores, para permitir ultrapassar as dificuldades sem derramamento de sangue.
Algumas horas após a transmissão de poderes de Marcello Caetano para as mãos de Spínola, constitui-se um órgão governativo provisório, com representação de todos os ramos das Forças Armadas (a Junta de Salvação Nacional; os militares subalternos que acabavam de fazer triunfar a revolução do Movimento dos Capitães, em nome do respeito pelas hierarquias, entregavam o poder nas mãos de oficiais generais. (infopedia.pt)
Cronologia resumida:
22:55 [24 de Abril de 1974] - Os Emissores Associados de Lisboa faz a transmissão de “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, dando ordem de partida para a saída dos quartéis.
00:20 - O programa "Limite" da Rádio Renascença transmite a canção “Grândola Vila Morena”, de José Afonso, segundo sinal do MFA, para que os militares dessem início às operações previstas.
03:00 - Início do cumprimento das missões militares, de acordo com o Plano Geral das Operações”.
04:20 - O Rádio Clube Português transmite o primeiro comunicado do MFA. O Aeroporto de Lisboa e o Aeródromo Base de Figo Maduro são ocupados pela coluna da EPI-Escola Prática Infantaria (Mafra).
06:45 - O Posto de Comando toma conhecimento de que Marcello Caetano, Presidente do Conselho de Ministros, está no Quartel do Carmo.
08:30 - Uma força da PSP chega ao Terreiro do Paço, mas nem tenta entrar em confronto com as tropas de Salgueiro Maia.
11:30 - Salgueiro Maia comanda as forças da EPC (Escola Prática de Cavalaria), que vão cercar o Quartel da GNR no Largo do Carmo, em Lisboa.
Carro de combate selando o acesso ao Largo do Carmo, a partir da Calçada do Sacramento 25 de Abril de 1974 Fotógrafo não identificado, Jornal Diário de Notícias, in Lisboa de Antigamente |
11:45 - O MFA informa o país, através do RCP, que domina a situação de Norte a Sul.
12:30 - As forças de Salgueiro Maia cercam o Largo do Carmo e recebem ordens do Posto de Comando para abrir fogo sobre o Quartel da GNR, para obter a rendição de Marcello Caetano.
15:10 - Por ordem do Posto de Comando, Salgueiro Maia pega num megafone e faz um ultimato à GNR para que se renda, ameaçando rebentar com os portões do Quartel do Carmo, dizendo: «Atenção Quartel do Carmo, atenção Quartel do Carmo. Damos 10 minutos para se renderem. Todas as pessoas que ocupam o quartel devem sair desarmadas e com as mãos no ar. Se não saírem destruiremos o edifício.».
Largo do Carmo: Salgueiro Maia pega num megafone e faz um ultimato à GNR 25 de Abril de 1974 Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
18:00 - Spínola chega ao Largo do Carmo e, acompanhado por Salgueiro Maia, entra no Quartel para dialogar com Marcello Caetano.
18:30 - A Chaimite Bula entra no Quartel do Carmo para transportar Marcelo Caetano à Pontinha.
23:30 - É promulgado o Decreto-Lei n.º 171/74, da Junta de Salvação Nacional, que extingue a PIDE/DGS , a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa Feminina e o Secretariado para a Juventude e insere novas disposições relativas às atribuições da Polícia Judiciária e da Guarda Fiscal. A PIDE/DGS era somente extinta em Portugal Continental, sendo reorganizada em Polícia de Informação Militar «nas províncias»
Rua do Carmo, concentração popular 25 de Abril de 1974 Estúdio Mário Novais, in Lisboa de Antigamente |
(...) É promulgada a Lei n.º 1, da Junta de Salvação Nacional, que destitui das suas funções o Presidente da República, o Presidente do Conselho e o Governo e dissolve a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado e determina que todos os poderes atribuídos aos referidos órgãos passem a ser exercidos pela Junta de Salvação Nacional.
Rua do Carmo, concentração popular 25 de Abril de 1974 Estúdio Mário Novais, in Lisboa de Antigamente |
para o E.
com eterna gratidão
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