Sunday, 16 July 2023

Palácio da Mitra

Transposta a embocadura da Rua Capitão Leitão, surge-nos o Palácio que foi dos Patriarcas de Lisboa, a famosa «Mitra» do século XVIII, mas que a mais longe recua.
O Palácio da Mitra — recorda o ilustre Norberto de Araújo — , dito de Marvila, situado na Rua do Açúcar, entre o Beato e Poço do Bispo, monumento municipal, é um dos mais lindos exemplares arrabaldinos de arquitectura solarenga seiscentista, a despeito da sua reedificação, que abrangeu todo o exterior, ser vincadamente ao século XVIII.


O primitivo Palácio da Mitra lisbonense, casa de campo dos prelados, remontava, pelo menos, ao começo do século XVII, e dele não existem vestígios; desfrutava de larga quinta e chãos que sobreviveram à transformação do palácio, restaurado e ampliado pelo penúltimo arcebispo de Lisboa, D. Luís de Sousa (1676-1702). Foi, porém, o 1.º patriarca de Lisboa (1716). D. Tomás de Almeida. da Casa Lavradio e Avintes. quem, dispondo de muitos bens e de protecção como um grande da corte, que era, reedificou totalmente o palácio, com grandeza e bom gosto. construindo mesmo. sobre o rio. um cais para seu serviço privativo. O palácio, incorporado temporariamente nos bens nacionais depois de 1884, ainda serviu de residência patriarcal a D. Frei Patrício da Silva e a D. Frei Francisco de S. Luís, Cardeal Saraiva, que nele morreu em 7 de Maio de 1845.

Palácio da Mitra |c. 1941|
Rua do Açúcar, 56-64
O Palácio da Mitra é uma construção rectangular em planta, com dois andares, medindo 27 metros na fachada principal, que enfrenta o Tejo sobre a Rua do Açúcar, e na fachada posterior, e cerca de 21 metros na fachada lateral Poente.
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

Em 1864 o Palácio da Mitra foi à praça para com o seu produto se adquirir uma outra residência patriarcal, que veio a ser o Palácio dos Condes de Barbacena no Campo de Santa Clara (era prelado D . Manuel Bento Rodrigues). comprando-o então, por dez contos, o espanhol D. José Saldanha. Marquês de Salamanca, um dos fumadores da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, o qual, por sua vez, em 1874, vendeu, por cinquenta e quatro contos, a propriedade palaciana e rústica a Horácio Justus Perry. encarregado de negócios dos Estados Unidos em Madrid (onde se encontrava D. José Saldanha), marido {1862) da poetisa espanhola D. Carolina Coronado, que na casa do campo que fora dos prelados de Lisboa viveu durante anos, mesmo depois de viúva (1891). e onde morreu. Em 1902 a «Mitra» passou de D . Carolina Coronado ao Dr. António Centeno, que já possuía os direitos hipotecários sobre a propriedade do bloco rústico e urbano; alguns poucos anos depois este imóvel foi adquirido por uma sociedade constituída por Francisco de Moura e Sá e Manuel Fuertes Peres; em 1909 a propriedade era apenas de Fuertes Peres que em 1918 se ligou com Ernesto Henriques Seixas, fumando a Fabrica Seixas, de metalúrgica e fundição, encerrada em 1925, e cujos restos de barracões e armazéns ainda se viam há pouco tempo.

Palácio da Mitra, fachada poente |c. 1946|
Rua do Açúcar, 56-64
A fachada Poente do palácio, com quatro janelas de sacada, não equidistantes, estando a do ângulo Sul apoiada em mísulas. e três janelas inferiores de peitoril. Uma varanda, ou mirante, que corre ao longo sobre o muro Sul do pátio, guarnecida por cortina de varões de ferro, do lado interior, cortina que liga com a varanda da janela do ângulo Sul (dir.).
Mário Chicó, in Lisboa de Antigamente
Palácio da Mitra, Pátio de Honra |1945|
Rua do Açúcar, 56-64
O Pátio de Honra, além do portal, uma pequena escadaria, desdobrada em dois curtos lanços, que nasce à direita do pátio, decorada na frente por um tanque. com bica de carranca de mármore, e ladeada por cortina de grade de ferro forjado, de tipo setecentista, ao gosto francês; no patamar, porta de acesso ao átrio do palácio. emoldurada, sobrepujada por óculo oblongo gradeado.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Foi só em Abril de 1930 que a Câmara Municipal de Lisboa comprou à firma proprietária da fábrica, Fuertes & Comandita. o palácio, terreno e mais anexos, tudo por 4.000 contos, para aqui instalar um matadouro, projecto do qual depois a Câmara desistiu por haver encontrado nos Olivais e nos terrenos de Beirolas (quintas de S. Bento, da Letrada e do Salto) terrenos mais apropriados. A Câmara, de posse de tão belo edifício. resolveu instalar no palácio uma biblioteca municipal. inaugurada em 16 de Outubro do 1934, sendo os terrenos rústicos, com suas casas, destinados a asilo de mendicidade — o Asilo da Mitra, ou simplesmente «Mitra» no dizer do vulgo — , inaugurado em 4 de Maio de 1933. e que recebeu posteriormente importantes beneficiações.
Em 1941 a Câmara resolveu instalar no Palácio um Museu da Cidade, aproveitando o melhor do recheio artístico e arqueológico do Palácio Galveias; foi esse Museu inaugurado em Abril de 1942, mas circunscrito à antiga casa nobre prelatícia e ao pátio de honra.

Palácio da Mitra, antiga capela |1908|
Rua do Açúcar, 56-64
Capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição de planta ovalada, com cobertura em
cúpula, decorada a estuques, com retábulo de talha policroma do barroco joanino,
profusamente decorada por azulejo. Capela do risco do arquitecto Rodrigo Franco,
demolida em 1934.
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

O tempo áureo do Palácio da Mitra — que, assinala-se, nunca passou de uma casa de campo — decorreu na primeira metade do século XVIII, durante a vida de D. Tomás de Almeida, que contudo não fazia da Mitra residência habitual (morreu, em 1754, no Palácio Niza, em S. Roque). Em ]u1ho de 1766 esteve instalado neste palácio durante três dias, como hóspede do Rei D. osé, o novo Embaixador de França. Marquês de Baschi e de Pignan, servindo de hospedeiro um vedor da Casa Real, tendo vindo do Tesouro de El-Rei os móveis ricos, tapeçarias, baixela e armações das salas.==

Palácio da Mitra, Portal Nobre |194-|
Rua do Açúcar, 56-64
O Portal Nobre (século XVIII), ao centro, e nele: a emolduração de cantaria rematada em elegante comija sobre a qual assenta o tramo central da balaustrada ladeado por vasos ornamentais; o Portão, propriamente dito, em serralheria artística, no qual se vêem as iniciais, cm ferro, T. C. P ., de um lado e P. D. L., do outro (Tomás, Cardeal Patriarca e Prelado da diocese de Lisboa), com tímpano rematado em volta redonda, sobrepujado pela pedra de armas dos Lavradios e Avintes (seis besantes entre vãos de cruz doble), mas com tiara por timbre.
António Castelo Branco, in Lisboa de Antigamente

N.B. Em 1973 o Museu da Cidade deixa de ocupar o edifício, transferindo-se para o Palácio Pimenta; o andar inferior é cedido durante alguns anos ao grupo Amigos de Lisboa para instalação da sua sede e biblioteca, ficando o andar nobre destinado aos serviços de protocolo da Câmara Municipal.
Actualmente é utilizado para recepções oficiais. Encontra-se classificado como Monumento de Interesse Público.

Palácio da Mitra |c. 1850|
Rua do Açúcar, 56-64
Fachada principal de aspecto sóbrio e harmonioso que lhe imprimiu o Cardeal D. Tomás de Almeida. O portal de gradaria, que abre para o pálio, é dos mais curiosos e artísticos dos velhos solares de Lisboa. Vê-se ainda, à esq., o suporte do cais privativo do Patriarca D. Tomás de Almeida, com as pirâmides decorativas armoriadas de Lavradio e Avintes.
Autor desconhecido, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, 1947.
idem, Peregrinações em Lisboa, vol. XV, p. 74-75, 1939.

3 comments:

  1. This is great content for your readers. Good worh, congrats

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  2. O projecto tem sido atribuído a Giacomo Antonio Canevari, com a possível participação dos arquitectos Carlos Mardel e Rodrigo Franco.

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  3. Absolutely stunning!

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