Estamos, enfim, no Alto de Santa Catarina — um dos belos miradouros naturais de Lisboa.
Eis, a cavaleiro de Lisboa buliçosa e rumorejante dos cais, um sítio tranquilo, onde o silêncio assentou arraiais. Daqui se pode dizer que, ao longe, o ruído « se vê».
Este Alto, rodeado de palacetes, prédios de discreto semblante burguês, um certo ambiente aristocrático recolhido, destoa em absoluto da zona urbana que o envolve: a Bica, S. Paulo, o Combro, o Bairro Alto.
Há destes fenómenos por Lisboa — fenómenos de dissociação, nascidos sempre de um acaso, que acaba por deitar raízes.
Miradouro do Alto de Santa Catarina, Pico da Boa Vista ou Belveder [1959] Rua de Santa Catarina Fernando Manuel de Jesus Matias, in Lisboa de Antigamente |
Este sítio foi conhecido nos séculos velhos por Monte ou Pico do «Belveder» ou do «Belver», e ainda da «Boa Vista», vocábulos que bem correspondem à sua privilegiada situação panorâmica, e que deram a «Boa Vista› no sopé, junto ao mar, e que ainda subsiste.
O Alto de Santa Catarina, designação que foi simultânea com a de Belver, mas resistiu, deve a designação à circunstância de neste sítio — exactamente onde está esse Palacete n.º 1 [do Conde de Verride], com pátio guarnecido de gradeamento — ter existido a Igreja paroquial de Santa Catarina do Monte Sinai.
No alto deste cabeço, havia, como atrás disse, desde o século XV uma enorme Cruz de madeira, que servia de guia aos mareantes.
Miradouro do Alto de Santa Catarina, Pico da Boa Vista ou Belveder [c. 1940] Rua de Santa Catarina Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente |
Miradouro do Alto de Santa Catarina, Pico da Boa Vista ou Belveder [1965] Rua de Santa Catarina Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente |
O Jardim, Miradouro ou «Alto»
de Santa Catarina — é este onde nos encontramos,
debruçado sobre a vista, e dominando a margem fabril e naval, o Aterro, a
Madragoa, o Tejo, e os montes da outra banda. A expressão «ver navios no Alto de Santa Catarina» tem a sua justificação.
O ajardinamento deste logradoiro público data do princípio do século [séc. XX]; nem por carecer de arbustos e de flores o local deixou de ser, desde há alguns séculos, um dos encantos panorâmicos de Lisboa.
Em 1927 foi colocado no centro deste pequeno jardim esse bloco de pedras sobrepostas, que constitui, no complemento escultórico, o monumento singelo, simbólico ao Gigante Adamastor. O artista Júlio Vaz Júnior, imprimiu à sua obra um sentido subjectivo; a «Visão do Estatuário» é o coroamento do monumento, e nele se vê a pequena figura do escultor, em bronze, à sombra da carranca do gigante fabuloso.
Pode ser discutível esta obra; possui, contudo, uma certa expressão alegórica de grandeza.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p. 71-73, 1939)
No comments:
Post a Comment