Sunday, 12 May 2019

Estação dos Caminhos de Ferro de Leste e Norte, vulgo Estação de Santa Apolónia

O relógio da estação dos Caminhos de Ferro de Leste e Norte — vulgo Estação de Santa Apolónia — marcava treze horas e trinta minutos e estava "prontinha a estrear".


A Estação de Santa Apolónia figura em pelo menos uma dúzia de livros de Eça de Queiroz. Repartia com o Porto, no último quartel do século XIX, a condição de principal meio de chegada à capital portuguesa, a partir do exterior. Inaugurada no dia 1 de Maio de 1865, a estação de Santa Apolónia ficava na Rua do Cais dos Soldados, diante da Praia dos Algarves. O Tejo passava rente a ela [vd. 2ª imagem], em seu flanco sul. Hoje, em terreno conquistado ao rio, corre a Avenida Infante Dom Henrique, entre a estação e a estrada de ferro de um lado, e o cais atracável, de outro, onde se situa o Terminal de Contentores de Santa Apolónia.

Estação de Santa Apolónia |c. 1865|
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
O edifício, encomendado pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, dispunha no piso térreo de cocheira para 22 carruagens, salas de espera de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, e salas do chefe de estação, dos botequins e casas de pasto, do telégrafo, do serviço de saúde, etc., além de ser iluminado por 143 candeeiros a gás, de acordo com uma descrição no «Archivo Pittoresco: Semanario Illustrado, nº 4 de 1866», publicação lisboeta da época.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O primeiro caminho de ferro em Portugal foi inaugurado em 1856. A linha ia de Lisboa ao Carregado (cerca de 40 quilómetros ao norte da Capital). Não foram poucos os que se opuseram à introdução dos caminhos de ferro em Portugal, pois isto parecia um sacrifício estéril para a nação, que deveria, ao contrário, ir avançando na construção de estradas macadamizadas. O romance Os Maias, um grande painel da época, reflecte, na pessoa do Abade Custódio, esse sentimento de oposição às estradas de ferro. Quando soube que o procurador Vilaça viera no comboio até o Carregado, disse, suspendendo a colher que ia levar à boca: 
"De causar horror, hem?"
O abade assustava-se com as inevitáveis desgraças dessas máquinas. Gostava do progresso, achava até necessário o progresso, mas parecia-lhe que se queria fazer tudo à lufa-lufa. "O país não estava para essas invenções, o que se precisava eram boas estradinhas..." O lugar da actual estação de Santa Apolónia, ponto de partida da linha inaugural, era ocupado por um quartel de artilharia, edifício grande mas irregular, com espaçosa área na frente, fechada com grades de ferro que o separavam da Rua do Cais dos Soldados [actual R. dos Caminhos de Ferro].

Estação de Santa Apolónia |post. 1865|
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
Foi aqui que tudo começou. Foi daqui que no dia 26 de Outubro de 1856 partiu o rei D. Pedro V no primeiro comboio que circulou em Portugal, ligava Lisboa ao Carregado. Sendo portanto este local o berço dos caminhos de ferro portugueses.
Edificada, entre 1862-1865, próximo do Bairro de Alfama, em frente ao «Cais dos Soldados», no local ocupado pelo antigo Quartel de Artilharia, é a estação mais antiga de Lisboa e o ponto de partida de diversos comboios, quer a nível nacional, quer internacional.
A. S. Fonseca, in Lisboa de Antigamente

A construção foi iniciada em Outubro de 1862, no ano seguinte ao da coroação do Rei D. Luís I. O projecto era de autoria dos engenheiros João Evangelista Abreu (que , Angel Arribas Ugarte e Lecrenier. O edifício era iluminado por 143 candeeiros a gás. O caminho de ferro que sai de Santa Apolónia corre paralelamente ao Tejo, em direcção a leste e depois a norte. No dizer de Vasco Callixto, Santa Apolónia poderá considerar-se o berço do comboio em Portugal, pois, mesmo sem estação, foi dali que, em 1856, partiu a primeira composição ferroviária rumo ao Carregado. A denominação de Santa Apolónia advém do facto de que naquele local existia um edifício que, até 1833, era o convento das religiosas franciscanas da invocação de Santa Apolónia. O dia de Santa Apolónia, padroeira dos dentistas, ocorre a 9 de Fevereiro.

Estação de Santa Apolónia [post. 1865]
Rua e Largo dos Caminhos de Ferro, antiga Rua do Cais dos Soldados e a então chamada «Praia dos Algarves» aterrada em 1865.
A grande nave — cais onde (des)embarcam os passageiros — possuía um tecto todo em ferro com vidraças no centro, tinha de comprimento 117 mt., de largura 24,6 mt., e de altura 13 mt., e «é de construção mui sólida e esbelta», pode ainda ler-se no «Archivo Pittoresco: Semanario Illustrado, nº 4 de 1866».
A. S. Fonseca, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
CASTRO ALVES, Dário Moreira de, Era Lisboa e Chovia: Todas as Personagens de Eça Na Lisboa Bem-Amada, pp. 177-178, 1984.

11 comments:

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    D.

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  2. Excelente narração,fotografias....
    OBRIGADO

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  3. D. Pedro V não esteve presente (é o que leio em vários textos, embora a Marquesa de Rio Maior diga que ele esteve lá ... Quem tem razão?) no lançamento do 1º combóio, Lisboa-Carregado, na estação provisória, essa sim no Convento de Santa Apolónia, bem mais acima da actual estação. Neste local existiu o Regimento de Cavalaria do Cais. Na 2ª fotografia, podem ver-se um pouco das traseiras do convento, que ainda conheci, nos anos 50 (década da sua demolição), bem como a sua igreja.

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    1. Sei disso, optei pela versão com a presença do monarca - "sempre tem outro chic" - como diria o Dâmaso. Do antigo convento (a estação provisória) já aqui falei. https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2021/09/antigo-convento-de-santa-apolonia.html

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  4. A primeira fotografia que diz datar de 1865, ano da inauguração desta Estação, creio não corresponder à verdade.
    Veja-se a existência de armazéns de madeira no lado nascente.
    Ora,
    Em 1865 o rio encostava à parede deste lado conforme a segunda fotografia representa.
    Mais,
    O inicio das obras do porto de Lisboa iniciam-se a 31 de Outubro de 1887 onde serão construídos tais armazéns.
    Eduardo Romão - Clube Entusiasta Caminhos de Ferro (CEC)

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    1. E que, ou onde se diz que o convento era neste local? O convento situa ao cimo da rua: https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2021/09/antigo-convento-de-santa-apolonia.html

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    2. Eduardo Romão, tem toda a razão, o Convento de Santa Apolónia não se vê, é o prédio que fica mais para a direita...

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  5. Permita-me corrigi-la Rosa Machado,
    O Convento de Santa Apolónia não se vê na 2ª fotografia.
    A primeira linha de prédios é a Rua dos Caminhos de Ferro onde se encontra o prédio onde viveu Machado de Castro autor da Estátua de D. José I, das Colunas do Arco da Rua Augusta, do Presépio que se encontra na Basílica da Estrela, entre outras...,
    Mais acima o edifício que se avista é o antigo Hospital da Marinha.
    O Convento de Santa Apolónia localizava-se no entroncamento da Calçada dos Barbadinhos com a Rua de Santa Apolónia onde actualmente se encontra o edifício das Infraestruturas de Portugal.
    Cordiais Cumprimentos,
    Eduardo Romão - Clube de Entusiastas do Caminho de Ferro (CEC)

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    1. 1865 «e a data avançada pelos mais importantes e respeitados olisipógrafos da nossa praça e por isso mantemos as datas que constam no texto.

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  6. Quem te viu e quem te vê agora. Elia Ramos

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