Dístico de 1859 originado por corruptela de Vicente Borchers — filho de um negociante alemão, um tal Conrado Bicker, natural de Hamburgo — , que morou na antiga Rua da Madragoa após ter casado com Maria Clara Sousa Peres, no séc. XVIII, e acabou por substituir o antigo topónimo.
O autêntico nome que substituiu o de Madragoa é, reverendo leitor, o de Vicente Borchers — refere o olisipógrafo Luiz Pastor Macedo. Vicente Borchers e não Vicente Borga.
Nem mais, nem menos.
Declaramo-lo peremptoriamente e por nossa honra, como se fossemos em pessoa o próprio Borchers que há um século, já passante — Deus saberá com que desgosto — ouve pronunciar mal o seu apelido e há um ror de lustros o vê mal grafado nas esquinas da sua rua. Vicente Borchers e não Vicente Borga é que é, e vamos já, já ver porquê.
Rua Vicente Borga |1936| Perspectiva tomada da Cç. Castelo Picão para a Travessa do Pasteleiro Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Vicente Bernardo Borchers Maldonado, nasceu em 15 de Setembro de 1739 numa casa da Rua Direita dos Anjos; casou, morando então na freguesia de S. Paulo, em 28 de Setembro de 1776, com D. Maria Clara de Sousa Peres, e foi depois aquele morador da velha Rua da Madragoa que originou a substituição do seu vocativo. Não temos .a menor dúvida a esse respeito. Foi deste Vicente Borchers, uma das pessoas mais importantes que por aqueles tempos moraram na rua, que nasceu nos soalheiros do sítio o Vicente Borga que a: pouco e pouco foi destronando, até se fixar oficialmente na artéria, a decrépita denominação de Madragoa.
Rua Vicente Borga |1945| (Na direcção Rua das Trinas) Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Júlio de Castilho, algum tempo antes do dia 1 de Julho de 1893, explicou a razão por que, segundo lhe parecia, a uma das ruas do antigo bairro do Mocambo dera o povo o nome de Madragoa. E foram estas as palavras de que se serviu para a sua explicação:
O Mosteiro das Bernardas, com a invocação de Nossa Senhora da Nazaré, foi fundado em 1652. Pela sua parte oriental, na Rua das Madres, que vai da Calçada do Castelo Picão para a Travessa do Pasteleiro, ficava o antigo recolhimento de Santa Isabel da Hungria, fundado em dias da Raínha D. Catarina: por uma Isabel de Jesus, falecida em 1612, isto segundo o Agiológio Lusitano de Jorge Cardoso. título da Rua das Madres é abreviatura do outro que a rua teve, Rua das Madres Bernardas, para se diferençar da outra travessa superior, e paralela, que se chamou das Madres de Goa, por causa de um hospício ou recolhimento de senhoras da India, que existia na casa que ficou fazendo esquina para a íngreme Rua das Trinas, desde que alargaram esta última. Pois o nome de Rua das Madres de Goa corrompeu-se em Rua da Madragoa, de imunda e torpe memória; e tão torpe, que obrigou o letreiro a mudar-se no de Rua de Vicente Borga, sujeito que não conheço.
A marcha infantil da Rua Vicente Borga |1935-06-09| (Junto ao jornal o Seculo) Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Porém — temos de declará-lo — nem foram as madres de Goa que deram origem à denominação da rua, nem ela foi pelo vulgo baptizada com o extravagante nome de Mandrágora. As vezes sucedem coisas — acrescenta Pastor de Macedo — , até aos Mestres, especialmente quando a documentação anda arredia ou escasseia, e surge portanto aliciante e convidativo o campo das hipóteses.A quinhentista denominação da rua (data pelo menos do ano 1579) provém, reverendo leitor, duma Mandragoa, mulher dum Mandragão. Não tenhamos dúvida alguma a esse respeito. Mandragão,apelido duma família que viveu na Ilha da Madeira, deu em Mandragoa quando na cola de nome de dona ou de moça, talqualmente sucedeu com os apelios de Leitão, Falcão, Varejão e outros, que, consoante o melhor jeito, se transformavam ou não em Leitoa, Falcoa e Varejoa. E que a rua primitivamente teve em vez de Madragoa o vocativo de Mandragoa também não se nos oferece dúvida alguma, pois que assim a topamos nos documentos antigos e assim a encontramos ainda nas obras impressas na primeira metade do século XVIII.=
N.B. Nesta artéria, no nº 33, nasceu no dia 26 de Julho de 1820, Maria Severa Onofriana, filha de Ana Gertrudes Severa (conhecida como a Barbuda) e de Severo Manuel de Sousa. Por isso, no dia em que se celebrava o 193º aniversário do nascimento da fadista, a Câmara lisboeta e a Junta de Freguesia de Santos-O-Velho colocaram uma placa evocativa no prédio do evento com os seguintes dizeres:
Neste localonde sua mãe tinha uma tabernasegundo a tradição nasceu/em 26 de Julho de 1820a mítica fadistaMaria Severa Onofriana
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Bibliografia
A Madragoa e o Vicente Borga, artigo de Luís Pastor de Macedo, em Olisipo, VII, 26, pp, 81-84, 144, 1944.Grande Enciclopédia Portuguesa E Brasileira, p. 213.
Que belas memórias
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ReplyDeleteSaudades do tempo em que pisava essa calçada todos os dias!