Os
banhos de mar tomavam-se apenas como tratamento prescrito pelos médicos
e era na Fundição ou na Praia de Santos que de manhã se ia mergulhar
na lama ou na água suja de toda a imundície que naqueles locais se
despejava.
Mais tarde, apareceram as
Barcas de Banhos com os pomposos nomes de Deusa dos Mares, Flor da
Praia, etc.. Como essas barcas estavam amarradas à terra, ou ancoradas
muito próximo, as águas eram iguais e ainda por cima o banho tomava-se
dentro de verdadeiras gaiolas; mas, por muito tempo, foi moda "ir às
barcas" que além do mais serviam para o cultivo do namoro.
Mal
se entrava no Verão encontravam-se atracadas no rio as célebres Barcas de Banhos, para ser mais preciso, no cais de Santos, na margem
do Tejo, pouco mais ou menos onde hoje fica a estação da linha de
Cascais. Assim que a canícula se tornava insuportável o alfacinha
ocorria às Barcas; efectivamente os lisboetas não eram muito dados a
idas à praia, porque os transportes eram caros e escassos e quanto
muito ia-se até Algés, Belém ou Pedrouços. Equivaleriam hoje as Barcas de
Banhos às nossas actuais praias.
Terreiro do Paço e as Barcas de Banhos, em 1848 À popa de uma delas vê-se um pontão com o enxugador para as roupas de banho. |
Três
delas, encontravam-se atracadas perto uma das outras, sendo a
primeira, a contar do Cais de Sodré para o Terreiro do Paço, a Lisbonense, pintada de negro com vivos brancos; seguindo-se a Vinte e
Quatro de Julho. pintada de azul e a terceira, a Feliz Destino, toda
de verde. A primeira era frequentada por gente do povo, a outra pelos
remediados e a terceira pelos de mais posses.
Mas,
a meio do rio, mesmo em frente ao Terreiro do Paço, fundeava mais uma
que se chamava Deusa dos Mares e que se destinava aos mais abastados,
onde inclusivamente se ensinava natação. Era esta uma barca ou casco
muito grande e com uma história curiosa, que contarei um pouco mais
abaixo; acrescia ao preço do banho o transporte em catraio a partir do
Cais das Colunas. Acontecia que os banhos ali tomados tinham a vantagem de
a água ter maior corrente, ser mais transparente e menos vasa, o que
não sucedia com os utentes das outras que estavam atracadas na margem
ou muito perto dela.
Uma Barca de Banhos em frente do Terreiro do Paço [1862-1873] À popa do pontão com o enxugador para as roupas de banho-vê-se o catraio de transporte dos banhistas. “Black Horse Square, Lisbon” with the Rua Augusta arch under construction" T. W. Langton |
"Esta barca acha-se fundeada defronte do Arsenal da Marinha, no local, onde a corrente da água é puríssima, mesmo na baixa-mar, por estar convenientemente afastada da canalização dos despejos da cidade. Depois dos melhoramentos que a empresa, como costuma, realizou este ano, foi a Barca vistoriada pelos peritos do Arsenal da Marinha, em virtude do que o Ilm.º e Exm.º Sr. Capitão do Porto deu o seguinte despacho ao requerimentos que nessa ocasião se fez.
Tendo-se passado vistoria e sendo esta de parecer que a barca se acha em boas condições, para o serviço a que é destinada, concedo a licença pedida para vir para a sua amarração. - Departamento do Centro, 26 de Julho de 1874.- Kol.
A publicação deste despacho garantiu a solidez das obras realizadas e desvanece quaisquer dúvidas, que por ventura houvessem a tal respeito. A boa ordem, asseio e comodidade são rigorosamente observados, como convêm em estabelecimento de tal ordem.
PREÇOS: Primeiro banho de proa, $120 réis; Banho de proa, $100; Banho de chuva, $160; Banho reservado, $200; Banho grande, $120; Banho de ré, $080; Banho geral, $060.
Obs.: O banho geral para homens corre em volta da popa da barca e mede 102 pés, sendo por tal motivo apropriado para o exercício de natação, sem que haja perigo. A bordo alugam-se roupas, assim como se ministram banhos mornos. No Terreiro do Paço, encontram as pessoas que quiserem frequentar a barca, botes sólidos e expressamente construídos para o serviço de conduzir a bordo."
As
barcas menores tinham a forma de uma pequena vivenda de madeira,
construídas sobre enormes faluas, para as quais se entrava por meio de
um pontão que vinha da embarcação para o cais, onde se vendiam os
bilhetes e alugavam os lençóis, os fatos de banho e as bóias, porque
quem sabia nadar tinha autorização para se banhar, fora das gaiolas
reservadas aos banhistas, em volta da construção.
Barca menor ligada por um pontão ao cais |
O
preço do banho variava conforme os lados de bombordo ou estibordo, ou
segundo os quartos com poços especiais, onde podia cada qual despir-se;
à ré, encontrava-se o "banho geral", onde os utentes se agarravam a
uma corda, que um marítimo experiente vigiava, banho este que se pagava
com um pataco.
A Barca DEUSA DOS MARES
Tem
esta barca uma história curiosa e digna de menção. Pertenceu outrora à
praça de Lisboa e fazia a carreira da Índia debaixo do nome «Maia
Cardoso». Mais tarde, foi armada em vaso de guerra, e por esse motivo
mudou de feição e de nome. Passou a chamar-se «Trovoada» e assistiu
impassível, no alto mar, à desencadeada luta dos elementos, pois era
feita de teca e da melhor construção, prestando serviços à armada e
ganhando mais um título à estima pública.
Seguiram-se
os anos e o vaso de guerra voltou ao Tejo. Cansado já da glória, e
depois de se ter tornado útil ao comércio e à marinha, desarmou-se dos
apetrechos bélicos, e ataviou-se elegantemente como "Barca de Banhos", e
hoje mais do que nunca se acha bem conceituada, porque tem ido de
melhoramento em melhoramento, a ponto da barca conter agora 31 banhos a
estibordo e bombordo, sendo estes divididos em banhos diferentes, como
por exemplo: 4 banhos de chuva, 2 reservados e 3 grandes, havendo a
facilidade de reunir 3 banhos num só, quando se dá o caso da família
ser numerosa. Como se todos estes atractivos não fossem bastantes, tem
mais 2 magníficos banhos gerais com o comprimento de 102 pés ingleses, e
a conveniência de servir um dos banhos de escola de natação,
descobrindo-se metade, e tornando-se por tanto muito mais claro do que
os outros. Davam-se, também banhos quentes em tinas e igualmente
mornos de chuva.
O que sobretudo demonstrava claramente a excelência desta barca era o estar colocada na corrente da água e os banhos de proa serem
"tão fortes e cristalinos como o das praias". A bordo, ainda havia um
"bufete", onde os banhistas encontravam sempre um bom serviço e preços
acessíveis. Havia
sempre à disposição dos frequentadores da "Deusa dos Mares" 3 botes no
cais do Terreiro do Paço e 2 no Cais do Sodré. Em remate direi que a
barca media da proa à popa 156 pés ingleses e 61 de boca, sendo por
conseguinte a maior embarcação, ao seu tempo, surta no Tejo.
COMO ERAM AS BARCAS DE BANHOS?
Nada como o Eng.º Vieira da Silva, que frequentou estas barcas em 1875, na companhia de sua mãe, para nos descrever que: "Tratavam-se
de velhos cascos de barcos que se adaptavam a essa nova aplicação.
Para esse efeito, ao longo de uma coxia longitudinal de circulação no
convés, adaptava-se, a cada um dos costados, de proa à popa, uma
estrutura de madeira semelhante a uma longa caixa, com tecto, dividida
interiormente por tábuas transversais em celas ou compartimentos, com
uma porta para o convés na parede anterior. Constituíam essas celas as
barracas, para os banhistas se vestirem e despirem.
Os
compartimentos alongavam-se para fora do convés do barco, e as suas
paredes laterais e as posteriores, que desciam vedadas até ao nível da
água, prolongavam-se para baixo deste nível com a forma de gaiolas, com
três das suas paredes feitas de grades de sarrafos, e com o fundo de
tábuas de soalho, que ficava cerca de 1,30m abaixo do nível normal da
água nos compartimentos.
Panorâmica do rio Tejo vista do Cais do Sodré [séc XIX] Ao centro observa-se uma Barca de Banhos Fotógrafo não identificado, , in Lisboa de Antigamente |
Deste modo, cada barraca podia considerar-se formada por dois compartimentos sobrepostos: um aéreo, com o pavimento ou estrado a nível do convés, no qual os banhistas se preparavam para o banho; outro aquático ou submerso, ou poço onde se tomava banho, limitado pelo gradeamento de sarrafos e pelo costado do barco. Como os barcas estavam fundeadas, a água corrente do rio atravessavam os diversos compartimentos, pelos intervalos das grades de madeira o que proporcionava aos banhistas água corrente, com alguns encontros inesperados com peixes, alforrecas e uma ou outra imundície que vagueava pelo rio". (in coisasdeantigamente)
Há uma pequena gralha no cabeçalho do poste.
ReplyDeleteJá corrigi. Obrigado pelo alerta
ReplyDeleteBelíssimo artigo, neste blog de muita qualidade.
ReplyDeleteOs meus cumprimentos
José Leite
Grato pelo apreço, mas os créditos são partilhados com coisasdeantigamente, Cumptos
DeleteThis comment has been removed by the author.
ReplyDeleteParabéns ao BLOGUE, por esta grande apresentação.
ReplyDeleteMagnífico post! Parabéns! Nunca tinha lido nada a propósito.
ReplyDelete