«Só a lisboeta é que põe o seu barquinho a nado a noite, ainda que o ceu
esteja carregado, ainda que a chuva ameace, só ela é que atravessa
pulando as lamas do Chiado, colhendo as velas ao vestido, e segurando a
sombrinha com a firmeza de um marinheiro experimentado que fosse ao
leme. Não teme a noite, porque as noites só são temerosas na província, treva e confusão.
Vae, n'um pulo, comprar bolos para o chá,
escolher um vestido ao Grandella, vae a pé para o theatro, porque não é
bastante rica para ir de trem, vae à modista fazer um recommendação. vae
a uma livraria comprar uma grammatica para o filho e, atravessando as
ruas, pulando sobre a lama, o seu ar de honestidade defende-a, não a
deixa confundir com as mulheres que vão habitualmente para as cadeiras
do Colyseu e para os gabinetes dos restaurants.
A chuva ás vezes
resolve-se a cair, a varrer as ruas, e a esburacal-as tambem. A lisboeta
some-se, voou para casa nas azas dos seus pesinhos ligeiros. Mas a
cidade não fica solitaria, morta, ouve-se de vez em quando o rodar de um
trem, um pregão que passa, de um cavallo, o assobio de um namorado.»
(PIMENTEL Alberto, Vida De Lisboa, 1900, p. 47)
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Campo Grande [1908] 10º Congresso Internacional Telegráfico, batalha de flores, automóvel de Jorge Burnay. Joshua Benoliel, in AML |
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