Varanda dos amores românticos, do tempo em que era alameda — S. Pedro de Alcântara é um dos mais ternos miradouros naturais da cidade. Bem avisada andou a vereação que há pouco mais de um século fez deste cômoro, que fora de olivais, rústico e arrabaldino, — uma esplanada de crianças, um eirado, um jardim, uma alameda.
Sobre as Taipas e o Passeio Público, depois sobre a Avenida — S. Pedro de Alcântara é também um «passeio», suspenso, balouçante entre S. Roque, já sem padres, o Convento do Marialva, já sem arrábidos, e a Patriarcal, que nunca o chegou a ser.
Varanda do Bairro Alto, este Jardim — olha a direito. Que panorama!
Para nascente e sul, o Castelo, recortado sobre a peanha pintalgada da cidade velha; as torres alvíssimas de S. Vicente espreitando da linha do horizonte, acima do casario; a Graça, generosa, entregando-se toda; S. Gens, minúsculo, pousado no outeiro que cai sobra as Olarias; a Sé, flanqueada de torres, morena, muito severa... Para norte, os altos de Campolide, os retalhos verdes do Parque, ainda rústico aqui e ali, a confusão indistinta das avenidas modernas, e logo a cumeeira de Santana. É uma ondulação cenográfica de encantamento, sobretudo a certas
horas de luz dourada, quando o sol se rende, e se despede nas vidraças
de mil casas e tugúrios, embrechados nas colinas sagradas de Lisboa do
oriente. [...]¹
Tinham entrado em São Pedro de Alcântara — escreve o imortal Eça no seu Primo Basílio; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e, apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto.[...]
Convidou-a mesmo a dar uma volta em baixo no jardim. [...]
Foram encostar-se às grades. Através dos varões viam, descendo num declive, telhados escuros, intervalos de pátios, cantos de muro com uma ou outra magra verdura de quintal ressequido; depois, no fundo do vale, o Passeio [Público], estendia a sua massa de folhagem prolongada e oblonga, onde a espaços branquejavam pedaços da rua areada.
Do lado de lá erguiam-se logo as fachadas inexpressivas da Rua Oriental [do Passeio Público], recebendo uma luz forte que fazia faiscar as vidraças; por trás iam-se elevando no mesmo plano terrenos de um verde crestado fechados por fortes muros sombrios; a cantaria da Encarnação de um amarelo triste; outras construções separadas, até ao alto da Graça coberta de edifícios eclesiásticos, com renques de janelinhas conventuais e torres de igrejas, muito brancas sobre o azul; e a Penha de França, mais para além, punha em relevo o vivo do muro caiado, de onde sobressaia uma tira verde-negra de arvoredo. À direita, sobre o monte pelado, o castelo assentava, atarracado, ignobilmente sujo; e a linha muito quebrada de telhados, de esquinas de casas da Mouraria e de Alfama descia com ângulos bruscos até às duas pesadas torres da Sé, de um aspecto abacial e secular. Depois viam um pedaço do rio, batido da luz; duas velas brancas passavam devagar; e na outra banda, à base de uma colina baixa que o ar distante azulava, estendia-se a correnteza de casarias de uma povoaçãozinha de um branco de cré luzidio.
Da cidade um rumor grosso e lento subia, onde se misturavam o rolar dos trens, o pesado rodar dos carros de bois, a vibração metálica das carretas que levam ferraria, e algum grito agudo de pregão.— Grande panorama! — disse o Conselheiro com ênfase. — E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla! Os estrangeiros invejavam-na imenso. Fora outrora um grande empório, e era uma pena que a canalização fosse tão má, e a edilidade tão negligente!— Isto devia estar na mão dos ingleses, minha rica senhora! — exclamou.Mas arrependeu-se logo daquela frase impatriótica. Jurou que era uma maneira de dizer. Queria a independência do seu país; morreria por ela, se fosse necessário; nem ingleses nem castelhanos!... Só nós, minha senhora! — E acrescentou com uma voz respeitosa: — E Deus!— Que bonito está o rio! — disse Luísa.Acácio afirmou-se, e murmurou em tom cavo:— O Tejo!
Quis então dar uma volta pelo jardim. Sobre os canteiros borboletas brancas, amarelas, esvoaçavam; um gotejar de água fazia no tanque um ritmozinho de jardim burguês; um aroma de baunilha predominava; sobre a cabeça dos bustos de mármore, que se elevam dentre os maciços e as moitas de dálias, pássaros pousavam.Luísa gostava daquele jardinzinho, mas embirrava com as grades tão altas...— Por causa dos suicídios! — acudiu logo o Conselheiro. [...]
— Se fôssemos andando?... — lembrou Luísa.O Conselheiro curvou-se, mas vendo-a, a ir colher uma flor, reteve-lhe vivamente o braço:— Ah, minha rica senhora, por quem é! Os regulamentos são muito explícitos! Não os infrinjamos, não os infrinjamos! — E acrescentou: — O exemplo deve vir de cima.²
Miradouro de São Pedro de Alcântara [entre 1918 e 1922] O gradeamento, que ainda hoje ali se encontra, veio do Palácio da Inquisição do Rossio, ou dos Estaus, actual Teatro D. Maria..
João Penha Lopes, in Lisboa de Antigamente
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Apenas no tabuleiro inferior — remata Norberto de Araújo — , quando se cala o alarido saudável do dia infantil, e as sombras se alongam — S. Pedro de Alcântara se pode entregar ao recolhimento, que amacia as almas. Mas com o seu arvoredo ralo, com os seus canteiros de miosótis, com a sua cascata romântica, com o seu tanque, que pertenceu ao Paço da Bemposta, com o seu ardina de bronze a apregoar a liberdade — é um enternecedor eirado do Ocidente, senhor de Lisboa.¹
______________________________________Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, p. 114-115, 1943.
² QUEIROZ, Eça de, O Primo Basílio, 1878.
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