Wednesday, 27 March 2019

Miradouro de São Pedro de Alcântara

Varanda dos amores românticos, do tempo em que era alameda — S. Pedro de Alcântara é um dos mais ternos miradouros naturais da cidade. Bem avisada andou a vereação que há pouco mais de um século fez deste cômoro, que fora de olivais, rústico e arrabaldino, — uma esplanada de crianças, um eirado, um jardim, uma alameda.

Sobre as Taipas e o Passeio Público, depois sobre a Avenida — S. Pedro de Alcântara é também um «passeio», suspenso, balouçante entre S. Roque, já sem padres, o Convento do Marialva, já sem arrábidos, e a Patriarcal, que nunca o chegou a ser.

Varanda do Bairro Alto, este Jardim — olha a direito. Que panorama!


Lisboa vista do Jardim de São Pedro de Alcântara [post. 1932]
S. Pedro de Alcântara teve o seu período de moda. Era o «Passeio», a «Alameda», o «Jardim» de S. Pedro de Alcântara, com a sua ingenuidade alfacinha, e o seu traço espiritual de romantismo. Não dava espectáculo, como o Passeio Público, mas era aprazível na sua posição de miradouro.
Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente

Para nascente e sul, o Castelo, recortado sobre a peanha pintalgada da cidade velha; as torres alvíssimas de S. Vicente espreitando da linha do horizonte, acima do casario; a Graça, generosa, entregando-se toda; S. Gens, minúsculo, pousado no outeiro que cai sobra as Olarias; a , flanqueada de torres, morena, muito severa... Para norte, os altos de Campolide, os retalhos verdes do Parque, ainda rústico aqui e ali, a confusão indistinta das avenidas modernas, e logo a cumeeira de Santana. É uma ondulação cenográfica de encantamento, sobretudo a certas horas de luz dourada, quando o sol se rende, e se despede nas vidraças de mil casas e tugúrios, embrechados nas colinas sagradas de Lisboa do oriente. [...]¹

Miradouro Jardim de São Pedro de Alcântara [entre 1926 e 1932]
Tanque do jardim  de São Pedro de Alcântara, no plano superior da Alameda (que data de 1840), peça elegante que fez parte do Paço da Bemposta ou Paço da Rainha.
António Passaporte, in Lisboa de Antigamente

Tinham entrado em São Pedro de Alcântara — escreve o imortal Eça no seu Primo Basílio; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e, apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto.[...]
Convidou-a mesmo a dar uma volta em baixo no jardim. [...]
Foram encostar-se às grades. Através dos varões viam, descendo num declive, telhados escuros, intervalos de pátios, cantos de muro com uma ou outra magra verdura de quintal ressequido; depois, no fundo do vale, o Passeio [Público], estendia a sua massa de folhagem prolongada e oblonga, onde a espaços branquejavam pedaços da rua areada.

Miradouro de São Pedro de Alcântara [c. 1920]
No tabuleiro inferior — verdadeiro jardim de crianças, contemplativo e sereno — foram colocados os bustos de mármore que ainda lá se vêem, e que representam homens notáveis de Portugal — o Infante
D. Henrique D. João de Castro, Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral — de mistura com figuras de mitologia e da lenda: Ulisses, Minerva, Vénus [entre outros]
.

Mário Novais,in Lisboa de Antigamente

 

Do lado de lá erguiam-se logo as fachadas inexpressivas da Rua Oriental [do Passeio Público], recebendo uma luz forte que fazia faiscar as vidraças; por trás iam-se elevando no mesmo plano terrenos de um verde crestado fechados por fortes muros sombrios; a cantaria da Encarnação de um amarelo triste; outras construções separadas, até ao alto da Graça coberta de edifícios eclesiásticos, com renques de janelinhas conventuais e torres de igrejas, muito brancas sobre o azul; e a Penha de França, mais para além, punha em relevo o vivo do muro caiado, de onde sobressaia uma tira verde-negra de arvoredo. À direita, sobre o monte pelado, o castelo assentava, atarracado, ignobilmente sujo; e a linha muito quebrada de telhados, de esquinas de casas da Mouraria e de Alfama descia com ângulos bruscos até às duas pesadas torres da , de um aspecto abacial e secular. Depois viam um pedaço do rio, batido da luz; duas velas brancas passavam devagar; e na outra banda, à base de uma colina baixa que o ar distante azulava, estendia-se a correnteza de casarias de uma povoaçãozinha de um branco de cré luzidio

Miradouro Jardim de São Pedro de Alcântara [ant. 1938]
O tabuleiro inferior era um «Queluz» em miniatura, delícia das nossas avós pequeninas; lá existiram um labirinto de buxo, os bancos voltados à cidade, os balouços e brinquedos infantis, os velhos do Asilo da Mendicidade e alugando cadeiras ao domingo, e, cá em cima, uma Banda regimental.
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

Da cidade um rumor grosso e lento subia, onde se misturavam o rolar dos trens, o pesado rodar dos carros de bois, a vibração metálica das carretas que levam ferraria, e algum grito agudo de pregão.
— Grande panorama! — disse o Conselheiro com ênfase. — E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla! Os estrangeiros invejavam-na imenso. Fora outrora um grande empório, e era uma pena que a canalização fosse tão má, e a edilidade tão negligente!
— Isto devia estar na mão dos ingleses, minha rica senhora! — exclamou.
Mas arrependeu-se logo daquela frase impatriótica. Jurou que era uma maneira de dizer. Queria a independência do seu país; morreria por ela, se fosse necessário; nem ingleses nem castelhanos!... Só nós, minha senhora! — E acrescentou com uma voz respeitosa: — E Deus! 
— Que bonito está o rio! — disse Luísa.
Acácio afirmou-se, e murmurou em tom cavo:
— O Tejo!

Miradouro de São Pedro de Alcântara [1967]
Ao fundo, antes das escadas de pedra que dão acesso à Alameda, vê-se o  groto embutido no muro de suporte e o respectivo tanque, também visível na 2ª foto.
Em meados do século XIX, segundo Norberto de Araújo, todo este sítio era «um monturo de pedregulhos e de imundícies, vala de despejo de animais mortos, a contrastar com a bonita e verdejante encosta que caía mais para o lado de S. Roque, sobre o fundo de Valverde, depois Passeio Público, justamente a Quinta do Marques de
Castelo Melhor».

Artur Inácio Bastos, in Lisboa de Antigamente

Quis então dar uma volta pelo jardim. Sobre os canteiros borboletas brancas, amarelas, esvoaçavam; um gotejar de água fazia no tanque um ritmozinho de jardim  burguês;  um aroma  de  baunilha  predominava; sobre  a  cabeça  dos bustos  de  mármore, que se elevam dentre os maciços e as  moitas de dálias, pássaros pousavam. 
Luísa gostava daquele jardinzinho, mas embirrava com as grades tão altas...
— Por  causa  dos  suicídios! — acudiu  logo  o  Conselheiro. [...]
— Se fôssemos andando?... — lembrou Luísa.
O  Conselheiro  curvou-se,  mas  vendo-a,  a  ir  colher  uma  flor,  reteve-lhe vivamente o braço:
— Ah,  minha  rica  senhora,  por  quem  é!  Os regulamentos  são  muito explícitos!  Não  os  infrinjamos,  não  os  infrinjamos! — E acrescentou: — O exemplo deve vir de cima.²

Miradouro de São Pedro de Alcântara [entre 1918 e 1922]
O gradeamento, que ainda hoje ali se encontra, veio do Palácio da Inquisição do Rossio, ou dos Estaus, actual Teatro D. Maria..
João Penha Lopes, in Lisboa de Antigamente

Apenas no tabuleiro inferior — remata Norberto de Araújo — , quando se cala o alarido saudável do dia infantil, e as sombras se alongam — S. Pedro de Alcântara se pode entregar ao recolhimento, que amacia as almas. Mas com o seu arvoredo ralo, com os seus canteiros de miosótis, com a sua cascata romântica, com o seu tanque, que pertenceu ao Paço da Bemposta, com o seu ardina de bronze a apregoar a liberdade — é um enternecedor eirado do Ocidente, senhor de Lisboa.¹
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Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, p. 114-115, 1943. 
² QUEIROZ, Eça de, O Primo Basílio, 1878.

3 comments:

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