Poucas vezes no mundo verá o viajante, como em Lisboa, tanta magnificencia de espectaculos naturaes, e tamanha variedade de scenario! (...)
Temos ahi uma vista tomada da beira da esplanada sudoeste do castello de S. Jorge, e inundada do nosso formosíssimo sol peninsular. Que vasto quadro! (...)
Basta um quadro assim, para justificar os enthusiasmos insuspeitos, com que os estrangeiros saudaram sempre a nossa capital.
«Parece-me extraordinário — escrevia em 1826 um viajante inglez — como se póde contemplar a magestade do Tejo, desde as janellas da hospedaria de Reeve, sem ficar assombrado com a magnificencia de tal quadro!
E vinte annos andados, exclamava Hughes:
«Lindissima se ostenta a formosa capital, como um amontoado de palacios de marmore levantado na orla d' aquelle glorioso rio! Só depois de um conhecimento intimo do interior da cidade é que a illusão se dissipa.»
Se hoje voltasse o auctor a percorrer Lisboa, limpa, banhada de agua,
enfeitada de jardins, cortada de avenidas, e melhorada em todo o genero de viaçao, veria todo o caminho andado na estrada do progresso material. ¹
Vista parcial de Lisboa tirada do Castelo S. Jorge [c. 1870] Observe-se, ao centro, o Arco Triunfal da Rua Augusta ainda por rematar. O coroamento, composto pelo grupo escultórico alegórico "A Glória coroando o Génio e o Valor" só ficou concluído em 1875. Francesco Rocchini (1822-1895), in Lisboa de Antigamente |
[...] situação única desse morro mirando o
deslumbrante estuário do Tejo, a sumptuosidade do ar, a diafaneidade do
céu e dos contemplativos montes da outra margem.
Fialho de Almeida
(1857-1911), «Lisboa Monumental», Barbear, Pentear [1910]
Sentado num capachinho, agarrado às grades da estreita sacada pombalina, mudo e fascinado,
o menino olha os telhados de veludo, o céu sereno, o rio coberto de
palhetas de prata cintilantes: são peixinhos que saltam, andam a brincar, brilham à lua - diz a irmã, e ele acredita. A tia Zulmira, sentada na pedra ao lado dele, canta baladas tristes — Sentinela do céu avançada, Que noite serena — e de repente...
... da janela do meu quarto
vejo saltar a sardinha!
Então é que são mesmo peixinhos de prata que pulam ao
luar. A voz fresca e sentida derrama-se pela vizinhança adormecida,
mexe-lhe com alguma coisa lá dentro, afoga-o de sedução. Larga as grades e estende os braços... E amor, é de amor
que ele sofre! A tia aperta-o ao peito e ri-se, beija-o com ternura:
«Tolo, meu tolinho!» — O seio dela é macio, o seu cabelo negro cheira bem, e ele fecha os olhos, gosta de adormecer
assim no zunzum das conversas, dos risos. Sente-se embalado e parte à
desfilada pelo céu de prata.
Mas há muito mais, ali, do que o luar: os cais, os guindastes, as sereias e apitos, o
arfar das locomotivas e o ranger das correntes e roldanas, o martelar
das forjas e dos caldeireiros. Chegam até à mansarda distante os cheiros náuticos.
Riscos de fumo babujam o azul trespassado de sol. Os vapores sobem e
descem devagar o rio, parecem rastejar, deixando uma esteira de espuma,
as cadeias das âncoras guincham nos estais — como tudo se ouve bem,
cá tão longe, no ar imenso e cristalino! ²
Vista parcial de Lisboa tirada do Castelo S. Jorge [c. 1870] Francesco Rocchini (1822-1895), in Lisboa de Antigamente |
¹ CASTILHO, Júlio de (1840-1919). «Lisboa vista do Castello de S. Jorge» [26 de Outubro de 1901] in A Arte e a Natureza em Portugal.
² MOURÃO-FERREIRA, David (1927.1996), «Saudades de Lisboa de Eça de Queiroz a Miguel Torga», [1967]
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Excelentes imagens, pena que seja muito mais dificil encontrar imagens dessa época a respeito do lado mais a oriente da cidade e do rio (de Santa Apolónia em diante).
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