Sunday 2 January 2022

Alameda de S. Pedro de Alcântara

Nos séculos velhos — recorda Norberto de Araújo —  estes campos, muito em declive para os lados da Avenida [Liberdade] de hoje, de semeadura e de olival, altaneiros sobre o esteio do rio Valverde, depois feito charco até enxugar de todo. Já o Bairro Alto oferecia certa pompa urbanista incipiente com casas, alguns palácios, igrejas, conventos e ruelas alinhadas, ainda verdejantes sobre os restos da Quinta dos Andrades — e isto , S. Pedro de Alcântara, era um arrabalde contemplativo.
Na lomba, aos pés das Taipas de hoje, elevava-se casario, e estava desenhada a encosta da Glória, depois Calçada formalizada nos roteiros. Mas cá em cima, num plano irregular, circundada de chãos que eram de particulares, desagregados dos prazos pertencentes a Santa Maria (Sé) e a Santa Justa, o «cômoro», planície que olhava, como hoje, a Lisboa velha, não tinha foros de alameda.

S. Pedro de Alcântara no primeiro terço do sé. XIX [1821]
Neste desenho observa-se, à direita, a torre ou cúpula da Mãe de Água (1) e o Chafariz de S. Pedro (2) (hoje sito na Cç. da Glória),  distinguindo-se igualmente a igreja e o Convento de S. Pedro de Alcântara (3), e o Palácio do Marquês de Santa Iria (4), assim como a velha  muralha e parte do terreno do antigo sequeiro de S. Roque (parte do actual largo Trindade Coelho) . Na parte inferior, do lado esquerdo, notam-se algumas casas do Bairro da Glória.
Desenho por Luiz Gonzaga Pereira, in BnF

Realizavam-se por aqui passeios domingueiros, e fazia-se uma feira ou arraial que durou do começo de setecentos precisamente a 1812, ano em que foi proibida.
Do lado edificado, este à nossa direita, levantavam-se dois palácios, algumas casas, um hospício de Clérigos e um Convento de Arrábidos. Em 1732, a Câmara Municipal comprou estes terrenos, onde hoje está a Alameda, a um Fernão Pais, que os adquirira de André Dias, por tal sinal genro do navegador João da Nova. E comprou-os para aqui fazer uma grande «Mãe de Água» — variante das Águas Livres – destinada, por um aqueduto, a abastecer a Cidade Oriental, aqueduto que passaria sobre o vale, a futura Avenida. Construiu-se, e não foi imediatamente. (1752), a muralha sobre as Taipas, e fez-se obra de alvenaria neste local, com aquele bem intencionado propósito. Mas a ideia do aqueduto, aliás esboçado, não prosseguiu.
É esta a origem da Alameda de S. Pedro de Alcântara.

Alameda de  São Pedro de Alcântara [1909]
O gradeamento, que ainda hoje ali se encontra, veio do Palácio da Inquisição do Rossio, ou dos Estaus, actual Teatro D. Maria.
Joshua Benoliel, in AML

A água, contudo, foi trazida desde Campolide para S. Pedro de Alcântara, e em 1754 já existia um chafariz de cinco bicas, defronte, pouco mais ou menos do Recolhimento [de S. Pedro de Alcântara] hoje de pé, à esquina curva. Este chafariz foi passado, em 1833, para o começo da Rua das Taipas – espécie de meia circunvalação de S. Pedro de Alcântara – e mais tarde arrumou-se onde está hoje [c. 1880], no princípio da Calçada da Glória.
Isto passou a ser um monturo de pedregulhos e de imundícies, vala de despejo de animais mortos, a contrastar com a bonita e verdejante encosta que caía mais para o lado de S. Roque, sobre o fundo de Valverde, depois Passeio Público, justamente a Quinta do Marquês de Castelo Melhor.
Finalmente, nas primeiras décadas do século passado — há cem [180] anos — a Câmara começou a pensar a sério em S. Pedro de Alcântara.
Aí por 1830 estava instalado nos baixos do Palácio Ludovice, defronte da Calçada da Glória, um Quartel da Guarda Real da Polícia, e as cavalariças situavam-se aqui no recanto da Alameda, hoje tabuleiro superior, encostado ao pátio do actual Park Hotel [Rua D. Pedro V, 2 actual edifício da SCML], e a cair sobre as Taipas. Foram os oficiais que promoveram a arborização do local, que os seus soldados terraplanaram.
A Alameda de S. Pedro de Alcântara data de 1840.

Alameda de  São Pedro de Alcântara [1909]
Rua de S. Pedro de Alcântara e Rua das Taipas
Paulo Guedes, in AML

Do muito que haveria a dizer – isto basta a uma ideia rápida da evolução do sítio.
Fizeram-se dois terraplanos — o do Passeio, em cima , e o do jardim em baixo, sendo as grades colocadas em 1864, porque a muralha, com a altura de vinte metros sobre as Taipas era uma atracção dos suicidas (parte do gradeamento pertencera ao Palácio da Inquisição ao Rossio). O lago ou tanque da Alameda veio dos jardins do Paço da Bemposta. [...]
S. Pedro de Alcântara teve o seu período de moda. Era o «Passeio», a «Alameda», o «Jardim» de S. Pedro de Alcântara, com a sua ingenuidade alfacinha, e o seu traço espiritual de romantismo.

Fotografia aérea da zona do Bairro Alto e de  São Pedro de Alcântara [1950]
Igreja de São Roqu; Rua de S. Pedro de Alcântara: Rua das Taipas
Judah Benoliel, in AML

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, p. 114-115, 1943. 

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