O sítio de Lisboa, mais alto e empoleirado para ver o mar — é a Ajuda.
O galo da Torre é a própria Ajuda que canta, desdenhosa de Belém, a quem não perdoa os Jerónimos e o velho Baluarte do Restelo. O galo marca um ingénuo orgulho do povo bairrista. Aquela Torre, isolada, é, na sua gracilidade e também na sua humildade de monumento, a sentinela vigilante de um Palácio que foi Paço, sucessor de Paços reais improvisados depois do Terramoto, mole arquitectónica que se mostra a toda a Lisboa, com soberano desprezo pelas outras grandiosidades de vinte metros. O galo é o alerta de voz da Torre; quando seus sinos repicaram pela primeira vez na manhã de 29 de Abril de 1793, o galo cantou có-có-ró-có, e ouviu-se no cais de Belém, que é o que era preciso. Manuel Caetano de Sousa, o artista que a concebeu, para sineira de uma patriarcal rejubilou. Foi-se embora a antiga paroquial de que ela parecia fazer parte. A Capela Real sumiu-se. Mas a Torre ficou.
O sítio da Ajuda tem uma lenda, que é a história feita em poesia. Possuir um sítio uma lenda é ter sido baptizado, com o povo por padrinho. Foi assim: no século de quatrocentos isto era um campo silvestre; um pastorinho trazia o gado atrás de si, e uma flauta. Entrou numa gruta e deu com uma imagem da Virgem. Correu a nova; a Virgem obrava prodígios. Quem a ela recorresse era ajudado. E Nossa Senhora da Ajuda logo teve uma ermidinha, e por ela se fez uma romaria, se compôs um sítio, se alargou uma freguesia, se construiu um bairro.
O palácio [da Ajuda] imponente, rico de semblante, de beleza arquitectural, de perspectiva — a despeito de estar inacabado — só surgiu em 1802, mas veio por acréscimo, pois a Ajuda estava feita. E ela quer ser apenas a Torre, com o seu galo, símbolo do povo, descendente, sem o saber, do pastorinho do século XV.¹
A torre era o
único elemento em cantaria, destacando-se as faces do primeiro registo
com molduras salientes e a janela que surge no topo das mesmas, cuja
moldura se liga ao friso superior, que a separa do registo central,
cujos mostradores dos relógios são gravados na cantaria e são rematados
por cornija alteada e angular, suportada por pingentes. A zona mais
exuberante é a que envolve as sineiras, flanqueadas por pilastras
toscanas e rematadas por invulgar frontão contracurvado interrompido,
com os símbolos da Patriarcal. A cobertura é original, formando duplo
bolbo, o inferior rasgado por óculos, sendo coroada por enorme esfera e
galo de bronze.
Subsistindo à demolição da Capela Real da Ajuda em 1843, a Torre encontra-se
integrada na Zona Circundante do Palácio Nacional da Ajuda, que está
classificada como Imóvel de Interesse Público.¹
Torre da Ajuda e Palácio Nacional da Ajuda [1967] Alto da Ajuda com vista sobre o Tejo e sua ponte. Artur Inácio Bastos, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas em Lisboa, pp. 58-59, 1943.
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas em Lisboa, pp. 58-59, 1943.
² monumentos.pt.
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