Friday, 19 April 2019

Semana Santa em Lisboa

A Semana Santa no primeiro quartel do século passado tinha maior brilho e concorrência do que as actuais. Um cronista da Illustração Portugueza escrevia sobre a de 1907 (foi mantida a ortografia da época):

Meia Lisboa accorre ás igrejas que se vestem de crepes, cumprindo a cada fiel visitar sete. É uma immensa romaria pelas ruas da cidade, a que o predominio dos fatos escuros dá um aspecto desusado. A's portas das egrejas é um vae-vem ininterrupto de gente que entra e sae, silenciosamente. Dentro, na meia treva que se mantém em todos os borborinha o rumor de orações discretas, evola-se o cheiro do incenso e as pessoas movem-se com gestos lentos e sobrios, que parecem automaticos. Ha uma onda de mulheres e homens, principalmente mulheres, que constantemente se renova. Uns vão por fé, decerto; muitos por curiosidade; outros por motivo diverso; mas o certo é que no dia da visita ás egrejas metade de Lisboa percorre os templos da capital.

Largo do Chiado [1906]
Antigo Largo das Duas Igrejas; Igrejas do Loreto e da Encarnação
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

No sabbado apparece a Alleluia. Jesus resuscitou. Correm-se os véos do templo, accendem-se todas as luzes, enfeitam-se os altares com flôres e toalhas brancas. Por toda a parte renasce a alegria e se espalha o ruido. Os rostos illuminam-se de satisfação, os labios sorriem sem constrangimento. Pelas ruas continua a mesma romaria interminavel, mas a onda é agora mais marulhenta. As toilettes claras da primavera, que substituem os vestidos pretos ou rôxos, incutem uma impressão de alegria e de rejuvenescimento, como a natureza nas arvores que começam a florir.

Largo do Chiado [ant- 1912]
Igreja do Loreto
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Não ha duvida de que a ardente fé viva de outras eras se acalmou nas almas, mas ha ainda no meio do geral scepticismo dos tempos correntes crenças sinceras e verdadeira piedade. O recolhimento com que nações inteiras celebram a grande semana que vem de decorrer, a persistencia das cerimonias religiosas, cujo significado symbolico se perdeu comtudo, são prova d'isso.==

Rua Garrett [24-03-1932]
Antiga Rua do Chiado; Igreja dos Mártires
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Illustração Portuguez, n.º 59, 8 de Abril, 1907.

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