A Travessa da Espera — pela qual vamos sair do interior do Bairro Alto — e que liga a Rua da Atalaia com a Rua Larga de S. Roque [hoje Rua da Misericórdia], é das serventias do Bairro mais movimentadas e tradicionais de turbulência. Porquê? — perguntas tu. Pela circunstância de ser uma saída natural do íntimo do sítio bairrista para o exterior, por S. Roque. Foi sempre servida por baiucas de esquina, que desapareceram; hoje possui dois restaurantes pequenos, bem frequentados, de fundação recente em relação à antiguidade do sítio, mas sem nenhuma característica típica: o "Primavera", e o "Farta-Brutos", respectivamente nos nºs 45 e 53, este mais antigo.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa», vol. VI, p. 53, 1938)
Travessa da Espera [c. 1900] — À esq., a Rua da Barroca; o fundo, a Rua da Misericórdia, in Lisboa de Antigamente
Travessa da Espera [c. 1900] — A 1ª rua à esq. é a Rua do Diário de Notícias, seguida das ruas do Norte e das Gáveas; ao fundo, a Rua da Misericórdia, in LdA
(clicar para ampliar)A propósito de uma dessas «baiucas» de que fala Norberto de Araújo, o Farta-Brutos — «instalada em uma loja para a qual se descia por dois degraus — recorda-nos Eduardo Fernandes (Esculápio) um patusco episódio em que contracenam o proprietário da casa — «um galego hercúleo, antigo cosinheiro de bordo, casado com uma mulher muito franzina que servia às mesas» — e o Biscaia, um dos «habitués» da afamada locanda, sita na Travessa da Espera. Reza assim:
(....)
— Chamam-me o Farta-Brutos, dizia o galego, para me chamarem bruto, quando, afinal, os brutos são êles...
A casa era muito bem freqüentada por gente de jornais e de teatros. Entre os fregueses, figurava o Reinaldo, chefe da claque do teatro da Trindade e bombeiro voluntário, de quem o cenógrafo José de Almeida, com a sua mania de falar em verso, dizia:
— Chamam-me o Farta-Brutos, dizia o galego, para me chamarem bruto, quando, afinal, os brutos são êles...
A casa era muito bem freqüentada por gente de jornais e de teatros. Entre os fregueses, figurava o Reinaldo, chefe da claque do teatro da Trindade e bombeiro voluntário, de quem o cenógrafo José de Almeida, com a sua mania de falar em verso, dizia:
Há um bombeiro chamado Reinaldo,
Só chega ao fogo depois do rescaldo.
Certa noite, estava o Farta-Brutos, que tinha o apelido de Fortes e já morreu, a dormitar, encostado ao balcão, com as mangas arregaçadas, quando entrou na locanda o Biscaia, boemio do tempo, companheiro do Reinaldo, que andava quási sempre com o seu grão na aza. Vendo-o em tal posição, começou a cofiar·lhe uma das mãos e a cantar, como na Viuva Alegre:
Tua mão está fria ...
O galego acordou, pôs-se em pé e gritou:
— Pudera! Não havia de estar fria! Eu estive alá dentro a labá·los copos!»
(Olisipo: boletim do Grupo «Amigos de Lisboa», Ano IV, n.º 16, Outubro 1941)— Pudera! Não havia de estar fria! Eu estive alá dentro a labá·los copos!»
(A numeração de polícia das fotos não corresponde com a actual)
Travessa da Espera [c. 1900] — Esquina da Rua do Norte (nascente); à esq., a Rua das Gáveas e, ao fundo, a Rua da Misericórdia, in LdA
(clicar para ampliar)
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