Defronte do Convento do Calvário havia, mais antigo e mais nobre, o Convento das Flamengas, ao qual estão ligados alguns sucessos da família real no século XVII.
O Convento das Flamengas foi construido em 1586 pelo arquitecto Nicolau de Frias, de fundação de Felipe I [II de Espanha], para as religiosas clarissas flamengas, emigradas para Portugal em virtude das perseguições calvinistas na Baixa Alemanha e na Holanda; estas religiosas albergaram-se primeiramente, ainda sem constituírem comunidade, no Mosteiro da Madre de Deus, mas em Dezembro de 1582 tinham casa própria junto à Ermida da Glória, a Valverde (ou seja à Avenida [da Liberdade], ermida que deu o nome às actuais Calçada, Rua e Travessa da Glória.
O Convento neste lugar recebeu a invocação de N. Senhora da Quietação, que perdura ainda na Igreja, aberta ao culto.Pelo Terramoto poucos estragos sofreu.
Convento das Flamengas |c. 1940| Rua Primeiro de Maio; perspectiva tirada do Largo do Calvário Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Desde 1893 que o edifício do antigo Convento foi cedido ao Ministério das Colónias (então da Marinha e Ultramar), para moradias de senhoras de família de oficiais falecidos no Ultramar; presentemente [em 1939] habitam aqui vinte e quatro famílias naquelas condições. Não constituí um Recolhimento e muito menos um asilo, mas um agrupamento de casas independentes.
Convento das Flamengas, fachada principal, pórtico brasonado |c. 1940| Rua Primeiro de Maio Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Entremos. Aí temos, em tudo, marcado o aspecto conventual do sexo feminino, pequeno e delicado, com seu claustro miniatural, sem lavores de arquitectura, seu terraço, jardim e tanque central.
Podemos espreitar a Igreja. Mas antes observa-me o pórtico do Instituto, ou seja do desaparecido Convento, com seu escudo e coroa real em relêvo. Quero lembrar-te que neste Convento se celebrou o casamento de D. Pedro II com D.Maria Francisca de Sabóia: a mulher de seu irmão, ainda vivo, D. Afonso VI.
A pequena Igreja das Flamengas, do orago de N. Senhora da Quietação, é pequena e graciosa, forrada de bons azulejos, revestida de talha apreciável, forrada de bons azulejos, revestida de talha apreciável, com lousas e inscrições no chão do corpo da Igreja.Como vês recolhe-se boa impressão de conjunto neste minúsculo templo. No sopé de um dos altares do Cruzeiro está enterrado o coração de D. Pedro II.1
Convento das Flamengas, claustro |c. 1940| Rua Primeiro de Maio; ao fundo, a Rua Leão de Oliveira Eduardo Portugal. in Lisboa de Antigamente |
Entre as lápides existentes no pavimento da Igreja das Flamengas, desperta-nos a atenção e a curiosidade o de uma singela campa que está junta aos degraus do altar-mor, da banda do Evangelho, e nos diz que o coração de D. Pedro foi ali enterrado:
COR JACET HIC PETRI |
Conta-nos António Caetano de Sousa, na sua História Genealógica,2 o processo de embalsamento do corpo do Rei que morreu no Paço de Alcântara pela 1 hora da tarde de uma quinta-feira, dia 9 de Dezembro de 1706):
“(...) terminada a operação foram os intestinos (i.e. as vísceras) a enterrar à Igreja das Religiosas Flamengas, que ficam contiguas ao Paço, e levados à noite,
com a decência devida, por António Rebelo da Fonseca, que servia de
porteiro da câmara. ”.
Assim sendo — enquanto o corpo embalsamado do Rei foi levado para S. Vicente de Fora, onde está sepultado, como se comprova ter sido sua vontade por o expressar em testamento “(…) o meu corpo será sepultado na igreja de S. Vicente de Fora, junto do túmulo de minha sobre todas muito amada e prezada mulher D. Maria Sofia Isabel, que está em Glória (…)” —, as vísceras, e com elas o «cor[ação] mortale», ficaram enterradas na formosa igreja do vizinho deste Convento da Quietação.
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Bibliografia
1 ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, pp. 33-34, 1939.
2 SOUSA, António Caetano de, C.R., História genealógica da casa real portugueza, vol VII, p. 658, 1735-174.
Mais um excelente artigo. Agradecido.
ReplyDeleteJosé Quintero
Excelente história
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