O Rossio só me confrange uma vez por ano, justamente na época
que atravessamos, quando em contraste com a sua toilette cada vez
mais cuidada, ali tomba, em vésperas do Natal, a ronda soturna, o rosário deselegante e miserável dos vendedores de brinquedos «a dez
tostões».
É já um lugar-comum chamar à Praça do Rossio a sala de visitas de Lisboa. Concedamos que todo o vasto recinto tem hoje, efectivamente, o caracter peculiar a uma capital. Mas é talvez o
pombalino, beliscado aqui e ali por incómoda alteração, é o Arco do Bandeira, serão mesmo os dois «pastiches» do Teatro Nacional e da estátua de D. Pedro, que ao local dão uma presença, um estilo nitidamente
lisboeta, como não é possível encontrar em outra parte. O Rossio, a
Praça do Rossio, a que o povo, com instinto seguro, nunca chamou a
Praça de D. Pedro, desprende da sua perspectiva, do recorte regular
dos seus prédios e janelas, sobretudo quando se vem de fora, quando
se vem do Norte, uma serena e cariciosa amabilidade, que eu só com
paro ao conforto do lar, depois de um dia de trabalho.
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| Praça de D. Pedro IV: Iluminações de Natal |1964-12| Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
A Praça do
Rossio, nesses momentos, quando no ar tern seu quê de amigo, e nos
trata por tu, e nos acolhe com sua graça alfacinha, - é o local de privilégio de Lisboa, o lugar-bruxo que nos sabe sempre bem atravessar,
mesmo sem pretexto aparente, sem necessidade.
Pincelada à noite, em suas mansardas, pelo vermelho, o azul, o verde luminoso dos tubos neon, dir-se-á que a Praça do Rossio, escovada e moderna, ganha outro caracter. Os novos estabelecimentos e cafés, decorados por uma publicidade bela, desenhados por luz sapiente, colorida e bem distribuída, como que surgem transformando o estilo, o caracter antigo, imprimindo a sua nota internacional.
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| Praça de D. Pedro IV: Iluminações de Natal |1965-12| Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
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| Praça de D. Pedro IV: Iluminações de Natal |1966-01| Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
Muito embora a instalação de todo esse cenário venha pintalgando
lojas e telhados, o Rossio resiste, permanece pombalino, reserva-nos
sempre a sua serenidade cariciosa. O seu estilo guarda sempre o segredo que nele adivinhamos, sem o desvendar.
Lisboa, a bela, não perdeu ainda, no pormenor do seu toucado,
um certo desprendimento, um descuido peculiar que vive paredes meias
com o desleixo. Um pouco mais e esta cidade constituiria o burgo mais
aprazível da Europa do Sul. [Luíz Moita: 1939]
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| Praça de D. Pedro IV: Iluminações de Natal |1959-12| Lagos do Rossio Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |




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