Sunday, 27 April 2025

Lojas de Antanho: Freire-Gravador

O jornal diário A Capital: Diário Republicano da Noite, na sua edição de 29 de Junho de 1916, dedicava um longo artigo às mais antigas e tradicionais lojas da Baixa, mais precisamente aquelas situadas na Rua Áurea, vulgo do Ouro. Sobre a história do estabelecimento denominado Freire Gravador — e respeitando a grafia da época — o texto rezava assim:

No outro quarteirao para o lado do Rocio fica o Freire-Gravador casa de larga fama, como se sabe, que teve a precede-la n'aquelle mesmo sitio, u, ourives de importancia. A casa Freire, pelos seus producros em ferro esmaltado, entre os que se se distinguem nas melhores taboletas que se fabricam e Portugal; pelas sua fábrica de carimbos, que nao tem rival, pelas suas officinas de gravura, notabilissimas, occupa, entre as suas congeneres, uma situação de privilegio.==
(A Capital: diário republicano da noite, Guimarães, Manuel, 1868-1938, ed. com., N.º 2106, 26 Jun. 1916)

Lojas de Antanho: Freire-Gravador |1932-03-03|
Rua Áurea (vulgo do Ouro), 158-64 com a Rua da Victoria, 90-96
Fund. 1882 — propriedade de Aires Lourenço Costa Freire
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Os anúncios pitorescos do Candeias do Intendente, do Clemente dos Gabões, do 92 da Rua Nova do Almada, do Freire Gravador ou do Mergulhão dos Cordões de Oiro, admirá-lo-iam decerto muito mais do que o reclamo do francês António la Fissière, alfaiate dos tafuis que dizia fazer e alugar fraques e os mais hábitos da modernice, ou do sapateiro que intitulava o seu estabelecimento de Real Fabrica de Botas Elásticas porque nela se servem ambos os sexo, e se acha a famosa invenção dos canhões postiços.

 

A unica fabrica
“Este anúncio é um labirinto, um novelo, uma teia!.
que ha completa na Europa
      ** PREMIADO
      COM 3  * * * *
      MEDALHAS **
      D'OURO NA EX-
      POSIÇÃO DO *
      BRAZIL * * * *
Fabrica sellos em branco pa
ra repartições e companhias,
carimbos de metal, borracha
e  para  lacre,   numeradores,
timbragem a côres, ouro, em
relevo, monogrammas e bra-
sões,  prensas, balancés, cu-
nhos,  alicates para sellar  a
chumbo,  fabrica de chapas
esmaltadas em metal e ferro,
gravura em pedra e seus an-
neis, lithographia,  typogra-
phia, papelaria ferragens, bi-
lhetes, trabalhos superiores,
é a casa ==============
A. L. FREIRE GRAVADOR
o qual  tem feito viagens  de
estudo á Allemanha, Austria,
Inglaterra, França, etc, é um
estab elecimento de  muitos
artigos. Preços baratissimos
com os quaes ninguem pode
competir =============
Mandam-se as encommendas
para a provincia á cobrança =

Em tudo se tem avançado, até nisto. O progresso no tocante às tabuletas vai de vento em popa e de velas inchadas. Desde o «Sempre por bom caminho e segue» dos «Armazéns Grandella» à Única Loja que Vende Barato de que se ufanam em letras pintadas tantas lojas de Lisboa, todas únicas, já se vê; da firma Faria & Filhos a que pertence uma botica ao Bom Sucesso (veja-se a coincidência!) a um Silva & Mata alfaiates que representa, evidentemente, uma vingança daquela aranha que foi morta por sete, há de tudo nas tabuletas e fachadas de Lisboa, a desafiar a crítica mordaz [...] encontra-se, porém, matéria para variadas e desenfastiadas cogitações filosóficas. Experimente-o, comigo, o paciente leitor. As casas de vinho, tabernas e botequins, como naquela no caminho para o alto de S. João, com a famosa legenda de «Reparem à ida, à volta cá os espero», que é um convite pagão de folia fúnebre para os carpideiros da praxe!==
(SEQUEIRA Gustavo de Matos). RELAÇÃO de Vários Casos Notáveis e Curiosos Sucedidos em tempo na cidade de Lisboa e em outras terras de Portugal, p. 58, 1925)

Lojas de Antanho: Freire-Gravador |c. 193-|
Rua Áurea, 158-64 com a Rua da Victoria, 90-96
Na última página deu com um grande anúncio, dois palmos de mão ancha, representando,
ao alto, à direita, o Freire Gravador, de monóculo e gravata, perfil antigo, e por baixo, até
ao rodapé, uma cascata doutros desenhos figurando os artigo fabricados nas suas oficinas, 
únicas que merecem o nome de completas, com legendas explicativas.
(SAMAGO, Jose O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984)
AFG, in Lisboa de Antigamente

N-B. Aires Lourenço Costa Freire, natural de Penela. Alcançou rapidamente uma boa reputação nacional, tendo além da sua loja na Rua Aurea (A. L. Freire-Gravador), um armazém na Calçada de S. Vicente e uma fábrica no Beco dos Clérigos, no bairro de Alfama em Lisboa. Mais tarde, muda a sua fábrica para estrada Paço de Arcos-Cacém. Aires Costa Freire detentor de grande fortuna, foi benemérito tendo construído um bairro para os seus trabalhadores no Dafundo, Algés, e cujas habitações ao fim de uns anos reverteriam para os próprios. O estabelecimento terá encerrado na década de 1960. (arquivodigital.cascais.pt)

Lojas de Antanho: Freire -Gravador, oficina |1932-03-03|
Rua Áurea, 158-64 com a Rua da Victoria, 90-96
Fund. 1882, por Aires Lourenço Costa Freire, fechou portas década de 1960.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Friday, 25 April 2025

Da Revolução dos Cravos de 1974 à Constituição da República Portuguesa de 1976

O 25 de Abril de 1974, marco fundamental na história recente de Portugal, implantou o Estado de Direito, a Liberdade e a Democracia no país, que se passaria a reger-se pela Constituição da República publicada em 1976. A constituição é um conjunto de normas que regem um Estado (país) que pode ser ou não codificado como um documento escrito, que enumera e limita os poderes e funções de uma entidade política. 
Essas regras formam, ou seja, constituem o que a entidade política é. (...) A Constituição da República Portuguesa de 1976 é aquela que ainda hoje se mantém em vigência. Foi redigida pela Assembleia Constituinte eleita na sequência das primeiras eleições gerais livres no país, a 25 de Abril de 1975, no primeiro aniversário da Revolução dos Cravos. Entro em vigor no dia 25 de Abril de 1976. [Cunha: 20221

Rua Garrett esquina com a Rua Serpa Pinto |25 de Abril de 1974|
Revolução de 25 de Abril de 1974
Viatura Blindada de Reconhecimento Panhard EBR 75 17 Ton. 7,5cm 8X8 M/1959. Todas as 50 adquiridas por Portugal em 1959 vinham com a torre FL 10. Além da peça dispunha de 3 metralhadoras 7,5mm. Guarnição de 4 militares, motor a gasolina e autonomia entre os 650 e os 700 km. Blindagem entre 10 e 40mm (EBR- Engin Blindé de Reconnaissance). 
Simbologia relativa a antiga Região Militar Tomar, quando a viatura estava adstrita à Escola Prática Cavalaria em Santarém.
Gouveia, in Lisboa de Antigamente

05H00 - Apesar da a esta hora já vários responsáveis militares e governamentais estarem ao corrente do Movimento militar é Silva Pais (Director da PIDE/DGS) que telefona ao Presidente do Conselho Marcelo Caetano informando: “Senhor Presidente, a Revolução está na rua! O caso é muito grave. Os revoltosos ocuparam já as principais emissoras de rádio e a Televisão e tomaram o Quartel General da Região Militar de Lisboa. Caçadores 5 está com eles” Pouco depois em novo telefonema Silva Pais recomenda: “É indispensável que V.Exa. saia de casa com a maior urgência. Vá para o quartel do Carmo que a GNR está fixe”.
15H10 - Seguindo as instruções do Posto de Comando da Pontinha, as forças lideradas pelo Capitão Salgueiro Maia dirigem-se para o Quartel-General da Guarda Nacional Republicana, no Largo do Carmo, onde se encontram refugiados o ditador Marcelo Caetano e alguns dos seus ministros. As ruas que conduzem àquele Largo são bloqueadas por viaturas militares.

15H25 - Esgotado o tempo concedido para a rendição do Quartel do Carmo, o Cap. Salgueiro Maia dá ordem ao Ten. Santos Silva para com as metralhadoras da torre da sua Chaimite, abrir fogo sobre a parte superior da frontaria do quartel. São disparadas várias rajadas estoirando vidraças da frontaria do edifício. [a25abril]


Avenida da Liberdade |25 de Abril de 1976|
Da Revolução dos Cravos de 1974 à Constituição da República Portuguesa de 1976.
Chalber, in Lisboa de Antigamente

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
                          Sophia de Mello Andresen
                          in O Nome das Coisas, 1974

Sunday, 20 April 2025

Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa»

No lugar onde hoje existe este cemitério, foi a antiga casa de saúde (lazareto) que se estabeleceu nas terras da Quinta dos Prazeres em 1599, no ano chamado da peste grande. Havia aqui uma fonte, sobre a qual apareceu uma imagem da Virgem (pelo que se chamou Fonte Santa, e á imagem Nossa Senhora dos Prazeres).
Fez-se-lhe uma ermida dentro do cemitério [em 1860 foi substituída por uma capela].
Os paroquianos de Santos prometeram uma procissão annual a Nossa Senhora se desaparecesse o flagelo da peste; e como foram ouvidos, têm até hoje cumprido o seu voto. [vd, Feira das Amoreiras]


Temos à vista o Cemitério dos Prazeres — observa Norberto de Araújo. Os cemitérios, em algumas cidades da Europa, são verdadeiros campos santos de arte, ou parques floridos; neles em verdade não se sente a morte, mas a vida, até pelos horizontes que deles se desfruta. O Cemitério dos Prazeres, já limitado, é, com efeito, um recinto fechado onde se topa alguma cousa de arte, que não é apenas a dos canteiros lavrantes, mas que não consente atribuir-se ao Cemitério a classificação de recinto de Museu.

 

Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa» |1939|
Perpectiva tomada do Largo de Alcântara (Ruas. Maria Pia e Prior do Crato).
Os primeiros enterramentos socorreram em 1590 junto à primitiva ermida dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, resultantes de uma epidemia de peste.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Este Cemitério, construído, como te disse, em 1833, embora só organizado formalmente em 1835, é contemporâneo do do Alto de S. João. Tem 82 ruas que preenchem 1.100 hectares
O portão da entrada foi traça do arquitecto Domingos Parente da Silva.

Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa» |séc. XIX|
 Entrada vista da Praça São João Bosco.
O pórtico monumental, em estilo neo-clássico, com colunas que sustentam frontões triangulares de mármore e portões de ferro fundido é da autoria de Domingos Parente [da Silva].
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa» |c. 1900|
 Entrada vista da Alameda Central — que se estende até à capela do lugar — para Praça São João Bosco
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Entre os monumentos funerários cumpre-me apontar-te o de Oliveira Martins arquitectura de José Teixeira Lopes, no qual se admira a formosa figura «A História», do escultor António Teixeira Lopes; merecem-nos também referência o jazigo dos Bombeiros Municipais, por Simões de Almeida, tio, o dos Duques de Palmela, por Cinatt, com escultura de Calmels, o do Conde das Antas, também de Cinatti, o do Marquês de Valflor, o de Carvalho Monteiro, o de Guilherme Cossoul, além de muitos outros mausoléus destacados, ou simples colunas funerárias, que quebram a monotonia das alamedas .

Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa» |195-|
Mausoléu dos marqueses de Valle Flor, no cemitério dos Prazeres.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa»
Jazigo de Oliveira Martins «A História» c. 1910; Mausoléu da família Carvalho Monteiro, 195-: Jazigo do Batalhão de Sapadores Bombeiros, 19--.  
in Lisboa de Antigamente

A Quinta dos Prazeres foi mais tarde dividida — recorda o ilustre Norberto de Araújo — e na parte que pertencia ao Conde de Lumiares, descendente dos Condes da Ilha, e que incluía a ermida e uma casa nobre, é que se construiu o Cemitério.
Eis-nos diante da «Taberna do João da Ermida». É o resto material da Ermida da Quinta dos Prazeres, que, quando se construiu o Cemitério, algum tempo serviu, ou se destinou para servir, a actos fúnebres. (A Capela do Cemitério data de 1869).

Cemitério dos Prazeres que foi «Cemiterio Occidental de Lisboa» |1866|
 Perpectiva tomada da Praça do Príncipe Real.
Francesco Rocchini, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
PINHO LEA, (Augusto) Portugal Antigo e Moderno, vol. 4,p- 200, 1874.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa», vol. XI, p. 60, 1939.

Friday, 18 April 2025

Rua Joaquim Bonifácio

«[...] a Rua Joaquim (Gregório) Bonifácio (vereador da Câmara a quem chamavam o “Bota-Abaixo” porque, para aformosear, não se lhe dava demolir) é de Julho de 1882, embora fosse aberta em 1878». [Araújo: II, 1938]

A Rua Joaquim Bonifácio que se estende pelas freguesias de S. Jorge de Arroios, Pena e Anjos, foi atribuída por deliberação camarária de 20/07/1882. Mais tarde, por edital de 23/03/1929, o troço da artéria compreendida entre a Rua de D. Estefânia e a Rua Gomes Freire, tomou o nome de Rua Joaquim Bonifácio, como prolongamento deste.

Ruas Joaquim Bonifácio (e do Conde de Redondo) |1958|
Obras da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, colocação de carris para o eléctrico. 
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Joaquim Gregório Bonifácio foi vereador da CML em 1834 e presidente da edilidade de 1834 a 1836, voltando como vereador em 1840, tendo a seu cargo o pelouro da Limpeza, Passeios, Mercado Novo e Praça da Figueira. Da obra deste homem diligente e prático na cidade de Lisboa durante estes anos, registe-se os melhoramentos na Praça da Figueira, a limpeza dos restos das ruínas do Terramoto, a conclusão dos arranjos do Rossio e do Terreiro do Paço em 1841.

Rua Joaquim Bonifácio |1958|
Obras da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, colocação de carris para o eléctrico. 
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 13 April 2025

Sítio de Alvalade: o Pequeno e o Grande

A Estr. de Jerabrigam ia, pois, ao Campo de Alvalade onde, à beira do caminho, surgiram duas povoações distintas, denominadas do Campo, sendo a maior o Campo Grande, e a menor o Campo Pequeno. Grande e Pequeno não são alusivos a campos distintos, mas a póvoas distintas em que uma era maior que a outra, e ambas no mesmo campo.

Quase todos os dicionários de Língua Portuguesa trazem o artigo «alvalade» a que dão o sentido de «campo ou pátio murado». A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, além dessa acepção, que não sei onde se foi arranjar, dá ainda mais esta: «Estrado ou tablado erguido do chão e destinado a permitir que dele se veia (sic) solenidade ou espectáculo». Traz como abonação um passo do El-Rei Seleuco de Camões, que é, na íntegra, como segue: «Mas tornando ao que importa, vossas mercês he necessario que se cheguem hus para os outros, para darem lugar aos outros senhores que hào de vir, que doutra maneira, se todo o corro se ha de gastar em palanques, será bom mandar fazer outro alualade....» , p. 83 da admirável edição do prof. Marques Braga.¹

 

Fotografia aérea do bairro de Alvalade e jardim do Campo Grande |c. 1953|
O Campo Grande tem este topónimo fixado através da publicação do Edital municipal de 19 de Janeiro, de 1916, que assim juntou as Ruas Oriental e Ocidental num único topónimo.
Abreu Nunes, in Lisboa de Antigamente
Fotografia aérea do Campo Grande |1955|
Em 1869, durante o reinado de D. Luís I, arranca a construção do lago principal, para agradar às esposas e famílias dos amantes de cavalos. Nascem os passeios românticos de barco a remos, frequentados por nobres e realeza. 
Mário Oliveira, in Lisboa de Antigamente

Julgo que o passo é bem claro: Alvalade não quer dizer nada do que se lhe atribui na Enciclopédia! Naquelas palavras a que oferece tal acepção é palanque. Camões pretendeu muito simplesmente dizer na sua o seguinte: se porventura os espectadores não se apertassem, quando se verificasse a chegada dos retardatários, para que todos ali coubessem, seria necessário mandar lá construir outro Alvalade, mas o Alvalade topónimo, o Alvalade sítio correspondente ao actual Campo Grande, naquela época fora do perímetro da Capital. Como esta designação moderna ainda o indica, a superfície dos terrenos desse local era extensa, de tal maneira que por vezes até lá se reuniam tropas para manobras. Alvalade, portanto, no citado passo camoniano tem de ser entendido, repita--se, como nome de sítio e não como nome comum, embora, por comparação, Camões o utilizasse, dada a referida extensão do local, para exprimir as ideias de «espaço vasto», «terreno extenso». Trata-se de topónimo já atestável em 933, não o de Lisboa, mas outro «in territorio conimbriense» («...de uilla de albalat per suos terminos», idem, p . 25), etc. A sua origem está no árabe al-balâT, «parte chata ou «plana», «prato chato», «chão», daí «terreno plano, planície».²


Campo Grande, antigo Campo 28 de Maio |séc. XIX|
O Lumiar tinha garantidas as suas carreiras, tomando os passageiros os veículos na Rua do Ouro, 265, por um tostão; pagavam-se quatro vinténs ate ao Campo Grande. (Martans, 1947)
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Campo Grande, antigo Campo 28 de Maio |1910|
Em 1816 alberga as primeiras corridas de cavalos, sendo que hoje em dia os concursos hípicos são realizados nas proximidades do jardim, por trás do Museu da Cidade (Palácio Pimenta).
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Campo Grande, antigo Campo 28 de Maio |1909-06-06|
Concurso de raça bovina no Campo Grande promovido pela Real Associação Central de Agricultura.
Nota(s): A Feira do Campo Grande (ou das Nozes, séc. XVI) remonta ao tempo de Dona Maria I. Foi transferida para o Lumiar em 1902, tendo estado posteriormente no Campo Pequeno e voltado novamente ao Campo Grande. Em 1932, regressa de novo ao Lumiar até à sua extinção.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

No século XX, Alvalade, até então topónimo não oficial, foi oficializado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Álvaro Salvação Barreto ao determinar “[…] que o aglomerado habitacional que se está erguendo a sul da Avenida Alferes Malheiro [actual Av. Brasil], à beira do Campo 28 de Maio [hoje Campo Grande] tenha a denominação de Sítio de Alvalade.” (3 de Março de 1948). O moderno Bairro de Alvalade foi projectado por Faria da Costa, em 1940/1945, desenvolveu-se a partir da ideia de subunidades de vizinhança com espaços de comércio local, de educação, e de recreio, deixando as grandes vias para a circulação automóvel, que cruzava o bairro.

Praça de Alvalade |195-|
Cruzamento das Avenidas de Roma e da Igreja
Naqueles terrenos baldios, ao centro, encontra-se hoje o Centro Comercial de Alvalade.
 Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

A Praça de Alvalade foi criada aquando da construção do Bairro de Alvalade (c. 1950), tendo inicialmente adoptado a designação de Largo Frei Luís de Sousa. Contudo, quando foi erigida no seu centro a estátua de Santo António em 1972, evitaram-se as confusões, dando-lhe então a actual designação e alterando a designação do Largo de Alvalade para Largo Frei Luís de Sousa.³
_____________________________________________________
Bibliografia
¹ SAA, Mário, As Grandes Vias da Lusitania: O Itinerário de Antonino Pio. Lisboa, 1957-1967.
² JOSÉ PEDRO MACHADO - Factos, Pessoas e Livros: comentários através dos tempos, vol. V. Lisboa: Livraria Portugal, 2006.
³ jornaldapraceta.pt.

Friday, 11 April 2025

Rua da Judiaria

Judiaria (Rua da) Principia no largo de S. Rafael, e finda no Arco do Rosário. Freguesia de Santa Maria Maior. Houve em Lisboa várias judiarias que, tais como o vocábulo indica, eram bairros habitados por judeus, do mesmo modo que os muçulmanos tinham as suas «mourarias». A actual rua é o único vestígio que existe da «Judiaria d'Alfama», extinta em 1496.
[BRITO, Gomes de) Ruas de Lisboa. Notas para a história das vias públicas, 1935]

Rua da Judiaria,  antes das obras de remodelação |1960|
Rua da Judiaria vista do Arco Rosário.
Apontamento para as graciosas janelas a espreitar do murete que quasi as encobre. 
Salvador de Almeida Fernandes, in Lisboa de Antigamente

Não se comporta aqui uma notícia, sucinta que seja, acercar das Judiarias de Lisboa — recorda por seu lado o ilustre Norberto de Araújo — olisipógrafo que legendou Lisboa.
Em apontamento posso dizer-te que aquela existente neste sítio no século xv era chamada Judiaria da Alfama, ou a «Pequena», por oposição à «Grande» que existiu onde se ergueu a Conceição Velha, à Madalena, desaparecida pelo Terramoto. Esta Judiaria, como todas, foi extinta em Dezembro de 1496, como acima vimos, por D. Manuel, logo no ano seguinte aquele em que subiu ao trono: foi o presente de noivado à fanática D. Izabel, gentil viúva de seu primo o Príncipe D. Afonso, filho de D. João II, morto aos 17 anos.
E os judeus foram-se do Reino — violência que só prejudicou o país — e as judiarias ficaram desertas.
Aí a temos hoje — morta

Rua da Judiaria |1960|
Rua da Judiaria
 cachorrada, do terraçoadarve que foi da muralha
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Respira-se, porém, neste recanto ou betesga um arcaísmo, de que este brasão da muralha é o mantenedor silencioso. Observa daqui a silhueta desluzida quem quer saber destas velharias? da cachorrada, do terraço, adarve que foi da muralha [erigida em 1375 por El-Rei D. Fernando], e o apontamento das graciosas janelas a espreitar do murete que quasi as encobre.  [Araújo: 1939, X, 48]

Rua da Judiaria no velho bairro d'Alfama |1911|
Tem a vetusta rua da Judiaria uma feição pronunciadamente arcaica; e o seu principal
brasão é a altissima muralha de cantaria de uma casa grande á esquerda de quem sobe,
casa cuja frente dá sobre a rua de S. João da Praça, e que julgo ser a do citado João Vogado,
escrivão da fazenda d'El-Rei D. Affonso V.
Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), in BNP

Sunday, 6 April 2025

Igreja de N. S. do Socorro que foi «de São Sebastião da Mouraria»

No final do Século XVI, em 1596, foi iniciada a construção da igreja da paróquia de São Sebastião da Mouraria e que viria a ser mais tarde, em 1646, renomeada para Nossa Senhora do Socorro, acabando por se tornar mais tarde na Igreja do Socorro (demolida em 1949, sensivelmente onde está agora o Centro Comercial do Martim Moniz).


Como era costume na época, a expansão urbana desenvolvia-se organicamente sem grande plano em torno dos edifícios importantes. Também na Mouraria, clero e nobreza mandaram construir uma série de edifícios de maior porte, entre eles, em 1505, a Ermida de S. Sebastião, mais tarde designada por Capela de Nossa Senhora da Saúde (no Largo do Martim Moniz, entre a Rua da Mouraria e a Rua Nossa Senhora da Saúde). (Rodrigues, 1970: 106)]
Depois de 1496, a população muçulmana foi substituída por outra cristã, que “invadiu o arrabalde, enchendo-o de templos, de ermidas, de procissões e nichos, com seus cultos e devoções” (Ribeiro, 1907). De salientar a procissão de devoção à Nossa Senhora da Saúde, iniciada no ano de construção da Ermida do mesmo nome, em1505, que é ainda actualmente celebrada todos os anos, no mês de Maio. 

Igreja de N. S. do Socorro que foi «de São  Sebastião da Mouraria» |c. 1910|
Rua de São Lázaro com Rua da Palma ao fundo e, nela, o Teatro Apolo.
Ourivesaria do Socorro
Igreja do Socorro

Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Igreja de N. S. do Socorro que foi «de São  Sebastião da Mouraria» |c. 1910|
Rua da Palma co Rua de São Lázaro.
Ourivesaria do Socorro; Igreja do Socorro.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

A paróquia de Nossa Senhora do Socorro foi desmembrada da de Santa Justa ao tempo em que era arcebispo de Lisboa D. Miguel da Costa. Teve o seu orago na ermida de S. Sebastião na Mouraria, que era dos artilheiros, pelos anos de 1596, e passou a chamar-se freguesia de S. Sebastião da Mouraria. Construído em 1646 outro templo maior, foi para ele transferido o Santíssimo Sacramento e a imagem de Nossa Senhora do Socorro, que lhe deu o nome. 
[COSTA, António Carvalho da Corografia Portuguesa, III, p. 104]

Igreja de N. S. do Socorro que foi «de São  Sebastião da Mouraria» |c. 1940|
Rua da Palma
Mário Novaesin Lisboa de Antigamente

N.B. Veja-se também o Cartório Paroquial da Igreja do Socorro, com 24 maços que entraram no ANTT em Janeiro de 1951.Ali se encontram muitos papéis da Irmandade do Santíssimo Sacramento ( Certidões de missas e patentes de admissão) , da Irmandade do Senhor Jesus da Compaixão ( Requerimentos e receitas e despesas), da Irmandade das Almas (Certidões de missas e despesas) e da Irmandade de Nossa Senhora da Igreja do Socorro (Assentos das obrigações de missas nas capelanias), todos referentes aos séculos XVIII e XIX, e ainda por tratar do ponto de vista arquivístico.

Igreja de N. S. do Socorro que foi «de São  Sebastião da Mouraria» |Inicio séc. XX|
Panorâmica tirada da encosta da Senhora do Monte.
José A. Bárciain Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Gésero, Paula, Configuração da paisagem urbana pelos grupos imigrantes: o Martim Moniz na migrantscape de Lisboa, 2014.
SERRÃO, Joel, Roteiro de Fones da História Portuguesa Contemporânea, 1984 , vol. I , pp . 124-125.

Friday, 4 April 2025

Estação do Rocio que foi «da Avenida»

Acordei um pouco antes do meio-dia, quase a chegar a Lisboa. Era impossível pensar em almoçar e mal tive tempo de me aproveitar rapidamente do meu gabinete de toilette e do belo equipamento da minha mala de crocodilo. Não voltei a ver o professor Kuckuck na confusão da descida, nem na praça em frente do edifício da estação, de inspiração mourisca, onde segui o carregador até uma tipoia descoberta. [Thomas Mann (1875-1955). As Confissões de Félix Krull. 1895]

Estação do Rossio que foi «da Avenida» ou «de Cintra» |c. 1889|
A Estação Central da C. P. do Rossio — traço do arq.º Luiz Monteiro — começada a construir em 1887 é inaugurada em 11 de Junho de 1890, mas já em 8 de Abril de 1889 pelas 6 da tarde chegava ao Rocio a primeira máquina com um vagão, vindo de Campolide.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Na noite de 7 de Março de 1914 Fernando Pessoa, poeta e fingidor sonhou que acordava. Tomou o café no seu pequeno quarto alugado, fez a barba e vestiu-se com esmero. Enfiou a gabardine, porque lá fora chovia. Quando saiu faltavam vinte minutos para as oito, e às oito em ponto estava na Estação do Rossio, na plataforma do comboio com destino Santarém.
[António Tabucchi. «Sonho de Fernando Pessoa, poeta e fingidor» Sonho de Sonhos, 1914]

Estação do Rocio que foi «da Avenida» |1899|
Em frente do edifício da estação de inspiração mourisca.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Estação do Rocio que foi «da Avenida» |1908|
«Cais de Orsay-Rossio» é que ele devia chamar-se.
Observam-se uns quantos eléctricos e carroças, um cavaleiro, os peões domingueiros e um dos raros automóveis existentes em Lisboa na época.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Neste comboio toda a gente vai a Paris ou para lá regressa e, mais que Sud-Express ou Paris-Lisboa, «Cais de Orsay-Rossio» é que ele devia chamar-se como comboio que é, o belo comboio-cama que tomamos nas imediações do Palácio da Legião de Honra e deixamos à entrada do Rossio, a grande praça central de Lisboa a dois passos da Avenida da Liberdade, a dez minutos do Terreiro do Paço cujas escadarias descem à água do Tejo. 
[Valery Larbaud. «Escrito numa carruagem do sud-express». in Portugal de fora para dentro, 1927]

Estação do Rossio |c. 1950|
Praça Dom João da Câmara, antigo Largo de Camões.
Os autocarros AEC Regal III da Carris começaram a circular em 1948-49.
Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente

Tuesday, 1 April 2025

Café Chave d'Ouro: o maior café do Rossio (1916-1959)

O Chave d'Ouro foi não só o maior, mas também um dos mais emblemáticos cafés e salões de chá do século XX lisboeta, orgulhando - se na imprensa de fazer o chá e o café com água do Luso. Aberto ao público em 1916, tomou o espaço de uma antiga loja de ferragens, da qual reteve o respetivo nome comercial. Na segunda metade dos anos 30 foi totalmente remodelado pelo arquiteto Norte Júnior, autor da decoração original, na qual se destacara o enorme anjo que então decorava a fachada deste estabelecimento. O novo Chave d'Ouro abriu as suas portas em Fevereiro de 1936, tendo merecido uma página inteira no Diário de Lisboa, que realçou as suas «duas rentes — Rossio e Primeiro de Dezembro — sete andares, nove pavimentos, central — o grande café — galeria de café; salão de bilhares, salão de chá, restaurante, esplanada, cinco bares [...] » e até «11 400 lâmpadas».¹

Café Chave d'Ouro: o maior café do Rossio de 1916 a 1959 |1923-05-10|
Praça D. Pedro IV, 33-38
Nota(s): Esta fotografia integra a reportagem "A Festa da Flor" em Lisboa. Foi coroada do melhor êxito,
sendo importantes os donativos alcançados", publicada no jornal 'O Século' de 10 de Maio de 1923.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Eram 5 da tarde e o Café Chave d'Ouro, no Rossio, no topo superior da grelha da Baixa, o coração da cidade , estava cheio de gente. Ainda não fazia frio e as janelas estavam todas abertas. Laura van Lennep tinha-se sentado ao pé de uma dessas janelas e olhava repetidamente para a praça. Tinha diante dela a pequena chávena de café que pedira há hora e meia, quando chegara, mas os empregados não a incomodavam. Já estavam habituados.

Café Chave d'Ouro: o maior café do Rossio entre 1916 e 1959 |c. 1940-50|
Praça D. Pedro IV, 33-38
Anote-se o anjo esculpido em pedra de lioz e ferro, projecto de Fausto Fernandes. Á dir. observa-se a afamada Joalharia Lory. 
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Distraidamente, ia ouvindo a conversa duma mesa de refugiados que falavam francês com forte sotaque. Os dois homens tinham visto camiões do exército na Baixa, de manhã cedo, e desenvolviam uma fantástica teoria de invasão que não contribuiu nada para acalmar Laura. Não podia suportar a inércia daquela gente, que sabia vir de uma pensão a três prédios da sua, na rua de S. Paulo, por trás do Cais do Sodré. Tinha-os ouvido na rua, corrigindo-se mutuamente acerca de aristocratas que tinham conhecido em festas, como se isso tivesse sido na semana passada, e não noutro país e noutra década. Estava desesperada por não ter cigarros, e o homem que ia mudar a sua vida, que tinha prometido mudar a sua vida, não chegava.²

 

Café Chave d'Ouro: o maior café do Rossio de 1916 a 1959 |1959|
Praça D. Pedro IV, 33-38 
Frontaria estilo Art Déco após remodelação, em 1936. e onde se destacam as grandes chaves pintadas de ambos os lados da entrada no dia em que foi encerrado.
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ WILSON, Robert W, Último Acto em Lisboa.1941
² SANTOS, João Moreira dos, Roteiro do Jazz na Lisboa dos anos 20-50 : guia ilustrado de 40 espaços históricos dos primórdios do Jazz em Portugal 2012.
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