Saturday 29 July 2017

Igreja dos Freires da Conceição Velha ou Conceição Velha (antiga da Misericórdia)

Ora bem, Dilecto — expressão com que habitualmente Norberto de Araújo interpela o leitor — mais tem que ver a Rua dos Bacalhoeiros, em 1755 designada Rua de Cima da Misericórdia, e depois, e até à dos Arameiros, aberta depois do Terramoto, chamada dos Confeiteiros.
E da Misericórdia, porquê? Porque no chão onde se eleva hoje um quarteirão de propriedades sólidas, entre as Ruas dos Bacalhoeiros e da Alfândega, se ergueu no começo do século de quinhentos a Igreja do Recolhimento da Misericórdia.
Pois metamos já por esta transversal da Rua dos Arameiros, e vamos ver o que resta desse templo manuelino, chamando, desde a segunda metade do século XVIII, da Conceição Velha. Quedemo-nos sob o majestoso pórtico. Duas breves notícias de história, que é simples, afinal.
   A instituição das Misericórdias foi obra, como já disse quando passámos pela Sé, e por S. Roque, da Rainha D. Leonor. A primeira Confraria, instalou-se na Capela de N. Senhora da Piedade, vulgo da Terra Sôlta no claustro ogival da Sé, em 15 de Agôsto de 1498.
   Prosperou a Confraria, ou seja a Misericórdia de Lisboa, reconhecendo-se pouco depois que a capela claustral da Sé era mesquinha para sede da instituição. D. Manuel, irmão da Rainha fundadora, viúva de D. João II, projectou, não se sabe ao certo o ano, mas seguramente depois de 1510, erguer neste chão — que era ocupado por vários edifícios públicos, como o Paço do Trigo, a Portagem, o Paço da Madeira — um majestoso templo e Casa para Misericórdia, a obra querida de sua irmã, inspirada por freire Miguel Contreiras.
   Era o tempo opulento da Índia e do Brasil, caracterizado pela sumptuosidade na arquitectura religiosa. A obra — templo, Recolhimento das Orfãs e Casas da Misericórdia — só se concluiu em 1534, tempo de D. João II, já havia falecido (1525) D. Leonor. A Igreja ostentava-se de três naves, sendo a abóbada apoiada ao centro por seis colunas monolíticas (de mármore?) e por mais catorze laterais, pilares de sustentação da cobertura; as casas anexas ocupavam quatro pavimentos.
   Obra notável era, de precioso recheio. Orientada no sentido poente-nascente, a porta principal com seu adro rasgava-se, de começo, para o Largo da Portagem, prolongamento, então da Rua da Padaria; a sua porta travessa, a sul, é hoje o portal desta Conceição Velha (já vou dizer, porque se chama Conceição Velha).

Igreja da Conceição Velha [ant. 1900]
À esquerda, a Rua dos Arameiros em direcção ao Campo das Cebolas
Rua da Alfândega, 112-114 
Augusto Bobone, in AML

   Veio o Terramoto. Aluiu e incendiou tudo. Do templo escaparam êste pórtico magnífico, a Capela do Espírito Santo, hoje Capela-mór, e uma ou outra imagem.
   D. José ordenou que se reedificasse a Igreja, mas a Misericórdia andou de empréstimo por aqui e por ali, até que ocupou a Casa dos Jesuítas de S. Roque.
   A nova igreja, já num estilo bastardo da arquitectura religiosa, cujo risco é de Francisco António Ferreira, o «Cangalhas», foi entregue aos freires de Cristo de Nossa Senhora da Conceição, cuja Casa e templo haviam ardido também.
   Aquela Igreja da Conceição [vd. gravura] que ocupava uma antiga sinagoga dos judeus, situava-se próximo à Madalena, caindo sobre a actual Rua dos Fanqueiros junto ao quarteirão cujas traseiras são a Rua dos Douradores; fora N. Senhora da Conceição dada aos freires de Cristo em troca da Ermida do Restelo, derrubada para se erguer os Jerónimos, e chamava-se, por oposição, «a Velha» (paroquial em 1568), porque em 1698 se construíra outra sede paroquial de N. S. da Conceição «Nova» — desaparecida também pelo, Terramoto — e que se localizava onde passa hoje a Rua da Prata, segundo quarteirão do sul, então Rua Nova dos Ferros.
   E como foram os freires da Conceição Velha que para a antiga Misericórdia vieram em 1770, esta Igreja que temos à vista se passou também a chamar da Conceição Velha.
   Falta dizer que nunca estes chãos foram de sinagoga e de judeus, (como anda escrito), ou sítio de uma Vila Nova de Gibraltar, que nunca existiu, versão esta que corre derivada de um dos raros erros do grande Herculano, e que mestre Vieira da Silva teve a felicidade de poder desfazer, sem deixar qualquer espécie de dúvida.
Ficaste sumariamente a par do que isto foi, e como e porque foi.

Vista de Lisboa [1598?-1610?]
(clicar para  ampliar)
Olissippo quae nunc Lisboa, civitas amplissima Lusitaniae ad Tagum, totius orientis... emporium nobilissimum
Autores: Georg Braun, gravador (1542-1622) e Franz Hogenberg, geógrafo (1535-1590)
Esta gravura, colorida à mão e gravada em cobre, faz parte da colecção "Civitates Orbis Terrarum" publicada entre 1572 e 1618. Representa  a cidade de Lisboa com Armas Reais e as Armas de Lisboa ladeando uma rosa dos ventos e com os edifícios e espaços públicos numerados correspondente a uma legenda na parte inferior e superior..

Assinalados no mapa: 
Antiga Igreja da Misericórdia, actual Conceição Velha
Primitiva Igreja da Conceição
Terreiro do Paço, actual Praça do Comércio
Sé Patriarcal de Lisboa

Agora contempla o Pórtico — antiga porta travessa lateral —, obra de peregrinos lavrantes da pedra: ali tens, sôbre a porta geminada, dentro do arco, o quadro escultórico, pormenor largo historiado desta bela peça arquitectónica, e que representa N. Senhora da Misericórdia, de manto aberto [sustido por dois anjos], tendo de joelhos, a seus pés, de um lado D. Manuel, D. Leonor, e alguns príncipes, e do outro o Pontífice Leão X, freire Miguel Contreiras — o inspirador das Misericórdias —, e algumas figuras da Igreja. Este quadro admirável esteve retirado dêste seu lugar, desde 1818 a 1880, substituído por uma grade iluminante da Igreja, e colocado numa capela da nave, então de N. Senhora das Mercês.

Igreja da Conceição Velha, aguarela [s.d.]
Pórtico de estilo manuelino
Rua da Alfândega, 112-114 
Autor desconhecido, in AML

De cada um dos lados do Pórtico rasga-se uma formosa e decorativa janela, avolumando a beleza dêste conjunto plástico, que o frontão alto de remate avilta até à mesquinhez.
Como observas, esta peça solta de arte, encravada entre prédios vulgares do século passado [XIX], é de puro estilo manuelino, do tipo dos pórticos dos Jerónimos, posto que menos grandioso e exuberante.
A-pesar-de, àparte o pórtico, a Conceição Velha não ser famosa, ela merecia mais dilatada visita; se dêste templo mais quiseres saber recomendo-te o livro «A Igreja da Conceição Velha», de Filipe Nery de Faria e Silva (1900).

Igreja da Conceição Velha [c. 1940]
Capela de Nossa Senhora do Restelo ou do Parto, quadro
oferecido pelo Infante D. Henrique aos freires.
Rua da Alfândega, 112-114 
Eduardo Portugal, in AML

Vejamos agora o templo no seu interior — prossegue o autor das Peregrinações — obra do final de setecentos, cuja torre sineira se encrava em propriedades particulares. (...)
À direita vemos a Capela de N. Senhora do Restelo  [vd. imagem acima], ou do Parto — pela circunstância de a Virgem, sentada numa cadeira (esta de madeira) ter o Menino Jesus nu sobre os joelhos. Esta imagem, em pedra pintada, é o venerando monumento dêste templo, relíquia da imaginária religiosa portuguesa; pertenceu à primitiva Ermida de N. Senhora do Restelo, doada em 1460 pelo Infante D. Henrique aos freires de Cristo, e adveio de Sagres onde o Infante teve sua Casa, sendo por consequência anterior à Ermida, podendo atribuír-se-lhe meio milhar de anos de idade (há receio de se lhe tocar por correr o perigo de se desfazer).
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 16-19, 1939.

10 comments:

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