Estamos em face da Basílica dos Mártires, um dos templos de Lisboa de «categoria social» — que as igrejas também possuem por efeito de convenções ou da importância das suas irmandades. A Igreja dos Mártires, porém, vale pelo seu título, pela história da sua paroquial, pela sua ligação aos primeiros destinos de Lisboa.
A Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, de tão ressonante nome olisiponense, é uma edificação integral do século XVIII, do risco do arquitecto Reinaldo Manuel dos Santos.
A paróquia remonta ao ano da conquista de Lisboa; a sede principiou por ser uma pequena ermida dos Cruzados ingleses que auxiliaram D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa, erecta no local — Monte Fragoso, que mais tarde foi o Alto de S. Francisco — onde aqueles cavaleiros tinham o cemitério dos seus «mártires», junto do acampamento situado a Poente da Lisboa sarracena.
O templo primitivo de Nossa Senhora dos Mártires foi várias vezes reedificado, ampliado e restaurado, nomeadamente em 1598-1602, 1629, 1686-1692, 1710, 1746-1750; assentava ao lado, sobre o rio, do convento de S. Francisco (no sitio ocupado pelo prédio que esquina da Rua Vítor Córdon para o Largo da Biblioteca [actual Largo da Academia Nacional de Belas Artes] e o Terramoto destruiu-o inteiramente. A paróquia estanciou depois por vários locais: numa barraca em Rilhafoles, na ermida dos Mártires, ao Rego, na de S. Pedro Gonçalves, ao Corpo Santo.Em 1769, ou no ano seguinte, deu-se começo às obras do novo templo, situado na rua Direita das Portas de Santa Catarina, entre as ruas da Figueira e da Ametade (mas Garrett, Anchieta e Serpa Pinto actuais). Ainda por acabar foi benzida a nova sede paroquial em 18 de Março de 1774, mas só aberta ao culto em 5 de Agosto de 1786 (outros dizem em 1783). Só foi sagrada em 1866 (30 de Julho) após obras efectuadas nesse ano.
A fachada, como vês, é simples e discreta (teve em tempos um adro fechado entre grades); as pilastras da parte inferior são de ordem dórica, aos de cima, sob o frontão, de ordem jónica. Com seus três pórticos, suas três janelas iluminantes, o seu óculo gradeado no tímpano — a frontaria dos Mártires parece-nos bem no semblante arquitectónico do Chiado.
Basílica dos Mártires |s-d.|
Perspectiva tirada do Largo de S. Carlos;
A torre sineira está colocada por detrás do edifício, sobre a Rua Serpa Pinto
Fotografia anónima
Basílica dos Mártires |195-|
Porta de ferro dourada que defende a capela baptismal
Mário de Oliveira
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A Basílica dos Mártires não é sumptuosa nem trivial. Impressiona bem sem deslumbrar. O tecto da igreja em pintura de Pedro Alexandrino com ornatos de Inácio de Oliveira, tem no centro a cena da dedicação do templo antigo a N. Senhora dos Mártires, e em volta os doutores da igreja.
O coro assenta sobre três arcos de pedra, sendo o do centro de volta abatida. Possui oito capelas por lado, e que vamos ver, a começar pelo lado esquerdo, logo a seguir à capela baptismal defendida por porta de ferro doirada com uma inscrição relativa ao primeiro baptismo realizado, em 1147 [vd. foto acima à dir. e NB.], no templo velho: de S. Brás, com painel de fundo deste santo, logo de Santo António, com painel de Santa Cecília, com painel representando a Santa de Joelhos, e a do Santíssimo; pela direita: de Santa Luísa com painel representando o sacrifício da Santa, de S. José, .cujo retábulo representa Cristo no Gólgota, de N. Senhora da Conceição, dando a pintura do fundo S. Miguel, e o de N. Senhora de Lourdes, com o Bom Pastor no retábulo. Todas as pinturas são de Pedro Alexandrino.
N.B. O baptistério, defendido por uma porta de ferro, dourada, com inscrição repartida; no batente esquerdo lê-se em maiúsculas: «NESTA PARÓQUIA/SE ADMINISTROU O/PRIMEIRO BAPTISMO», e no batente direito «DEPOIS DA TOMADA/DE LISBOA AOS MOU/ROS, NO ANO DE1147»; no fundo do baptistério vê-se um quadro «O baptismo do Salvador por S. João» pintura atribuída a Pedro Alexandrino.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, pp. 96-97, 1939.
id., Inventário de Lisboa, 1956.