Saturday, 29 July 2017

Igreja dos Freires da Conceição Velha ou Conceição Velha (antiga da Misericórdia)

Ora bem, Dilecto — expressão com que habitualmente Norberto de Araújo interpela o leitor — mais tem que ver a Rua dos Bacalhoeiros, em 1755 designada Rua de Cima da Misericórdia, e depois, e até à dos Arameiros, aberta depois do Terramoto, chamada dos Confeiteiros.
E da Misericórdia, porquê? Porque no chão onde se eleva hoje um quarteirão de propriedades sólidas, entre as Ruas dos Bacalhoeiros e da Alfândega, se ergueu no começo do século de quinhentos a Igreja do Recolhimento da Misericórdia.
Pois metamos já por esta transversal da Rua dos Arameiros, e vamos ver o que resta desse templo manuelino, chamando, desde a segunda metade do século XVIII, da Conceição Velha. Quedemo-nos sob o majestoso pórtico. Duas breves notícias de história, que é simples, afinal.
   A instituição das Misericórdias foi obra, como já disse quando passámos pela Sé, e por S. Roque, da Rainha D. Leonor. A primeira Confraria, instalou-se na Capela de N. Senhora da Piedade, vulgo da Terra Sôlta no claustro ogival da Sé, em 15 de Agôsto de 1498.
   Prosperou a Confraria, ou seja a Misericórdia de Lisboa, reconhecendo-se pouco depois que a capela claustral da Sé era mesquinha para sede da instituição. D. Manuel, irmão da Rainha fundadora, viúva de D. João II, projectou, não se sabe ao certo o ano, mas seguramente depois de 1510, erguer neste chão — que era ocupado por vários edifícios públicos, como o Paço do Trigo, a Portagem, o Paço da Madeira — um majestoso templo e Casa para Misericórdia, a obra querida de sua irmã, inspirada por freire Miguel Contreiras.
   Era o tempo opulento da Índia e do Brasil, caracterizado pela sumptuosidade na arquitectura religiosa. A obra — templo, Recolhimento das Orfãs e Casas da Misericórdia — só se concluiu em 1534, tempo de D. João II, já havia falecido (1525) D. Leonor. A Igreja ostentava-se de três naves, sendo a abóbada apoiada ao centro por seis colunas monolíticas (de mármore?) e por mais catorze laterais, pilares de sustentação da cobertura; as casas anexas ocupavam quatro pavimentos.
   Obra notável era, de precioso recheio. Orientada no sentido poente-nascente, a porta principal com seu adro rasgava-se, de começo, para o Largo da Portagem, prolongamento, então da Rua da Padaria; a sua porta travessa, a sul, é hoje o portal desta Conceição Velha (já vou dizer, porque se chama Conceição Velha).

Igreja da Conceição Velha [ant. 1900]
À esquerda, a Rua dos Arameiros em direcção ao Campo das Cebolas
Rua da Alfândega, 112-114 
Augusto Bobone, in Lisboa de Antigamente

   Veio o Terramoto. Aluiu e incendiou tudo. Do templo escaparam este pórtico magnífico, a Capela do Espírito Santo, hoje Capela-mor, e uma ou outra imagem.
   D. José ordenou que se reedificasse a Igreja, mas a Misericórdia andou de empréstimo por aqui e por ali, até que ocupou a Casa dos Jesuítas de S. Roque.
   A nova igreja, já num estilo bastardo da arquitectura religiosa, cujo risco é de Francisco António Ferreira, o «Cangalhas», foi entregue aos freires de Cristo de Nossa Senhora da Conceição, cuja Casa e templo haviam ardido também.
   Aquela Igreja da Conceição [vd. gravura] que ocupava uma antiga sinagoga dos judeus, situava-se próximo à Madalena, caindo sobre a actual Rua dos Fanqueiros junto ao quarteirão cujas traseiras são a Rua dos Douradores; fora N. Senhora da Conceição dada aos freires de Cristo em troca da Ermida do Restelo, derrubada para se erguer os Jerónimos, e chamava-se, por oposição, «a Velha» (paroquial em 1568), porque em 1698 se construíra outra sede paroquial de N. S. da Conceição «Nova» — desaparecida também pelo, Terramoto — e que se localizava onde passa hoje a Rua da Prata, segundo quarteirão do sul, então Rua Nova dos Ferros.
   E como foram os freires da Conceição Velha que para a antiga Misericórdia vieram em 1770, esta Igreja que temos à vista se passou também a chamar da Conceição Velha.
   Falta dizer que nunca estes chãos foram de sinagoga e de judeus, (como anda escrito), ou sítio de uma Vila Nova de Gibraltar, que nunca existiu, versão esta que corre derivada de um dos raros erros do grande Herculano, e que mestre Vieira da Silva teve a felicidade de poder desfazer, sem deixar qualquer espécie de dúvida.
Ficaste sumariamente a par do que isto foi, e como e porque foi.

Vista de Lisboa [1598?-1610?]
(clicar para  ampliar)
Olissippo quae nunc Lisboa, civitas amplissima Lusitaniae ad Tagum, totius orientis... emporium nobilissimum
Autores: Georg Braun, gravador (1542-1622) e Franz Hogenberg, geógrafo (1535-1590)
Esta gravura, colorida à mão e gravada em cobre, faz parte da colecção "Civitates Orbis Terrarum" publicada entre 1572 e 1618. Representa  a cidade de Lisboa com Armas Reais e as Armas de Lisboa ladeando uma rosa dos ventos e com os edifícios e espaços públicos numerados correspondente a uma legenda na parte inferior e superior..

Assinalados no mapa: 
Antiga Igreja da Misericórdia, actual Conceição Velha
Primitiva Igreja da Conceição
Terreiro do Paço, actual Praça do Comércio
Sé Patriarcal de Lisboa

Agora contempla o Pórtico — antiga porta travessa lateral —, obra de peregrinos lavrantes da pedra: ali tens, sobre a porta geminada, dentro do arco, o quadro escultórico, pormenor largo historiado desta bela peça arquitectónica, e que representa N. Senhora da Misericórdia, de manto aberto [sustido por dois anjos], tendo de joelhos, a seus pés, de um lado D. Manuel, D. Leonor, e alguns príncipes, e do outro o Pontífice Leão X, freire Miguel Contreiras — o inspirador das Misericórdias —, e algumas figuras da Igreja. Este quadro admirável esteve retirado deste seu lugar, desde 1818 a 1880, substituído por uma grade iluminante da Igreja, e colocado numa capela da nave, então de N. Senhora das Mercês.

Igreja da Conceição Velha, aguarela [s.d.]
Pórtico de estilo manuelino
Rua da Alfândega, 112-114 
Autor desconhecido, in Lisboa de Antigamente

De cada um dos lados do Pórtico rasga-se uma formosa e decorativa janela, avolumando a beleza deste conjunto plástico, que o frontão alto de remate avilta até à mesquinhez.
Como observas, esta peça solta de arte, encravada entre prédios vulgares do século passado [XIX], é de puro estilo manuelino, do tipo dos pórticos dos Jerónimos, posto que menos grandioso e exuberante.
A-pesar-de, aparte o pórtico, a Conceição Velha não ser famosa, ela merecia mais dilatada visita; se deste templo mais quiseres saber recomendo-te o livro «A Igreja da Conceição Velha», de Filipe Nery de Faria e Silva (1900).

Igreja da Conceição Velha [c. 1940]
Capela de Nossa Senhora do Restelo ou do Parto, quadro
oferecido pelo Infante D. Henrique aos freires.
Rua da Alfândega, 112-114 
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Vejamos agora o templo no seu interior — prossegue o autor das Peregrinações — obra do final de setecentos, cuja torre sineira se encrava em propriedades particulares. (...)
À direita vemos a Capela de N. Senhora do Restelo  [vd. imagem acima], ou do Parto — pela circunstância de a Virgem, sentada numa cadeira (esta de madeira) ter o Menino Jesus nu sobre os joelhos. Esta imagem, em pedra pintada, é o venerando monumento dêste templo, relíquia da imaginária religiosa portuguesa; pertenceu à primitiva Ermida de N. Senhora do Restelo, doada em 1460 pelo Infante D. Henrique aos freires de Cristo, e adveio de Sagres onde o Infante teve sua Casa, sendo por consequência anterior à Ermida, podendo atribuír-se-lhe meio milhar de anos de idade (há receio de se lhe tocar por correr o perigo de se desfazer).
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 16-19, 1939.

Wednesday, 26 July 2017

Palácio Angeja-Palmela: actual Museu Nacional do Traje

Edificado sobre o antigo Paço de D. Afonso Sanches, após o terramoto de 1755, traduz uma arquitectura de influência pombalina. Tendo conhecido acrescentos e obras ao longo do séc. XIX, apresenta características neo-clássicas e românticas. Após a recuperação do edifício e do património paisagístico envolvente,nomeadamente a Quinta do Monteiro-Mor/Quinta do Marquês de Angeja, acolheu o Museu Nacional do Traje e da Moda, inaugurado em 1977.


Este palácio, assim denominado por ter sido propriedade, sucessivamente, destas duas famílias, deve a sua traça actual ao 3º Marquês de Angeja, que aqui projectou instalar as suas colecções de história natural, complementadas com um jardim botânico. O projecto de remodelação é realizado mas o de instalação de um museu de história natural não se concretiza, embora tenha deixado alguns vestígios arquitectónicos — o edifício que actualmente serve de restaurante e a estufa.
Adquirido pela Família Palmela no segundo quartel do séc. XIX, continua a servir de residência secundária e foi objecto de campanhas de requalificação dos interiores, das quais se salienta a desenvolvida por Pereira Cão, Rambotti e Cinatti, que intervieram na decoração parietal do andar nobre.
Foi adquirido, juntamente com o seu jardim e quinta,  pelo Estado Português em 1975, para instalação do Museu Nacional do Traje, inaugurado em 1977.

Palácio Angeja-Palmela, actual museu Nacional do Traje |1939|
Largo Júlio de Castilho, 5; Estrada do Lumiar, 2-8
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

No interior destacam-se os tectos de masseira, estuques, pinturas ornamentais e alguns silhares de azulejos setecentistas, para além do acervo do Museu: tecidos dos sécs. IV a XIX, salientando-se os tecidos coptas; indumentária civil dos sécs. XIV a XX, com especial relevo para o traje da corte de meados do séc. XVIII e traje Império; trajes populares, brinquedos e bonecas dos sécs. XIX e XX em sistema rotativo de exposições temporárias; e uma secção de tecelagem e estamparia manual em exibição permanente. O Palácio Angeja-Palmela, edifícios, jardins, parque e terrenos anexos encontram-se classificados como Imóvel de Interesse Público por si mesmo, assim como fazem parte do Paço do Lumiar, classificado como Conjunto de Interesse Público.
A capela do Palácio é dedicada a Santa Rita tem um altar encimado por um sacrário de talha dourada. De ambos os lados pode observar as imagens que representam Santo António e São Francisco Xavier.

Palácio Angeja-Palmela, capela |1939|
Estrada do Lumiar, 2-8Largo Júlio de Castilho, 5
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

O jardim botânico terá sido iniciado por Domingos Vandelli, na segunda metade do séc. XVIII, no tempo do 3ª Marquês de Angeja e, no séc. XIX, foi continuado pela Família Palmela. Aqui se encontra a primeira Araucaria Heterophylla conhecida em Portugal continental. O jardim botânico, uma área que integrou os jardins oitocentistas e parte do antigo núcleo agrícola, tem cerca de 11 hectares murados e é atravessado por uma ribeira que, à entrada, corre a céu aberto e segue depois num troço encanado, datado do séc. XVIII. Esta solução permitiu a construção dos grandes socalcos que sustentam a plataforma onde se encontra o palácio.
Após a aquisição pelo Estado, em 1975, procedeu-se à adaptação da propriedade a parque, mantendo as áreas características — jardim, roseiral, pomar, prados, pinhal e  horta —, e aumentando a diversidade botânica. [DGPC]

Monumento ao Duque da Terceira

Se a Praça Duque da Terceira já não tem os famosos cafés do tempo de Eça de Queirós, toda a zona é rica de edifícios e monumentos do século XIX. No centro daquela praça foi erigido em 1877 o monumento ao general conde de Vila Flor, duque da Terceira que libertou Lisboa do governo absoluto em 1833, obra do escultor Simões de Almeida.


Sigamos o olisipógrafo Norberto de Araújo em mais uma Peregrinação e «enfiemos ao Cais do Sodré, que aí temos alguma cousa que ver e outras para lembrar.
A Praça do Duque da Terceira é do meado do século passado [séc. XIX], e assenta sabre chãos que eram praia há menos de um século. A Praça Duque da Terceira constitui uma parte do Cais do Sodré, e não logrou absorver a velha designação mesmo na limitada área em que a Praça, com sua estátua, rigorosamente se contém». Recorda-nos ainda o mesmo autor que na denominação municipal «Cais do Sodré é a larga zona que abrange o Jardim Roque Gameiro e vai desde a Estação da linha do Estoril-Cascais até ao Corpo Santo»,  e ainda que as «designações «Cais do Sodré» ou «Praça dos Remolares» foram comuns durante muito tempo, antes de se erguer a Estátua; «Remolares», perdeu-se na oralidade. Há no povo uma atracção particularíssima para os vocábulos sonantes. «Sodré» — canta».
No local onde hoje se ergue a estátua ao Duque da Terceira existiu até 1874  um relógio de sol conhecido como a «Merediana dos Remolares».

Praça Duque da Terceira |c. 1890|
Cais do Sodré, antiga Praça dos Remolares
Monumento ao Duque da Terceira
À direita vê-se parte do prédio onde existiu o famoso Hotel Central, imortalizado por Eça de Queiroz em «Os Maias»; no piso térreo, o «jacobino» Café do Grego (depois Café Londres); ao centro,  no  gaveto nascente  da Praça com a Rua do Alecrim vê-se o toldo do Alfaiate Rego (depois Café Royal). Como era costume naquela época, as inscrições do toldo e da fachada exibiam publicidade em inglês: Rego Tailor. O mesmo se pode constar do lado poente: Barbear Shaving
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

A primeira pedra deste monumento foi lançada em 24 de Julho de 1875; a inauguração solene realizou-se em 24 de Julho de 1877, no 44.° aniversário do desembarque do Duque da Terceira em Lisboa. A estátua é do cinzel de José Simões de Almeida, e o risco do monumento de José António Gaspar. 
 O monumento é simples, discreto de linhas, com as suas quatro inscrições: «Guerra Peninsular 1808 a 1814» — «Campanhas da Liberdade 1826 a 1834» — «24 de Julho de 1833» — «Ao Duque da Terceira 1877», esta na face principal, sul.

Praça Duque da Terceira |c. 1877|
Cais do Sodré, antiga Praça dos Remolares
Monumento ao Duque da Terceira; coreto
Observe-se a guia e gradil de protecção em redor das árvores com aspecto de terem sido 
plantadas recentemente
in Archivo Panoramico e Artístico

A estátua homenageia o Duque da Terceira, António José de Sousa Manuel Menezes Severim de Noronha, herói das guerras liberais, natural de Lisboa, Trata-se de uma estátua de bronze, com altura de 3,30m, onde a figura do duque é representada em traje militar, de rosto sóbrio e numa posição de chefia e comando. O plinto de pedra em forma de prisma tem uma base mais alargada com friso saliente junto ao chão de empedrado artístico de vidraço e friso duplo saliente no final desta parte. No pedestal foi colocada uma folha de palmeira e na parte superior deste plinto um brasão de armas coroado e ladeado por ramos de oliveira. Este conjunto, de estátua e plinto, tem a altura total de 9m.
A estátua ao Duque da Terceira sofreu recentemente uma intervenção de conservação e restauro, patrocinada pela Renault. O projecto, acompanhamento e fiscalização da obra, da responsabilidade da Divisão de Salvaguarda de Património Cultural/DPC/DMC da Câmara da Municipal de Lisboa, ficou concluída em Fevereiro de 2015.

Praça Duque da Terceira |post. 1877|
Cais do Sodré, antiga Praça dos Remolares
Monumento ao Duque da Terceira, face norte
No centro da Praça a estátua do duque olha a direito o rio.
Fotógrafo: não identificado,
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa, vol. 5, Junta Distrital de Lisboa, p. 19, 1962.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 37-40. 1939.

Friday, 21 July 2017

Cais do Sodré: Padrão da Hora Legal, edifício da Administração Geral do Porto de Lisboa

As designações «Cais do Sodré» e «Praça dos Remolares» foram comuns durante muito tempo, antes de se erguer a Estátua do Duque de Terceira, em 1877. Conhecida por «Remolares», por «ter havido em eras passadas lugares designados para os trabalhadores carpinteiros de remos, denominados «remoladores»,1 esta área ribeirinha foi — e ainda hoje o é — de semblante muito marítimo.

Cais do Sodré |1939|
Ao centro, o edifício da Administração Geral do Porto de Lisboa e o  Posto do Relógio Padrão da Hora Legal.
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

A Praça tem, como diz o autor das Peregrinações «um "tic" especial — único em Lisboa — marítimo e comercial, com a sua frequência parada de embarcadiços, homens do mar, arrais em descanso, capitães de bordo, e com a presença de escritórios, tabuletas longas, ao tipo das praças nas cidades portos de mar.». 
Há sessenta anosconta Norberto de Araújo em 1939 o mar chegava sensivelmente aonde corre a linha do eléctrico; o edifício da esquina, da Administração Geral do Porto de Lisboa — onde está o relógio reguladorfoi construído entre 1906 e 1907, e houve de o assentar sobre estacaria. 2

Cais do Sodré |1913|
Edifício da Administração Geral do Porto de Lisboa construído entre 1906 e 1907.
Joshua Benoliel, 
in Lisboa de Antigamente

O Dec. Lei nº 1469, de 30 de Março de 1915, regulamenta o Serviço da Hora Legal «relativo ao novo relójio público (no Cais do Sodré) e outros meios de difusão da hora». Diz no seu ponto 1.º (primeiro): “Ao Observatório Astronómico de Lisboa compete enviar constantemente os sinais para a regulação do relójio público…“. Com o fim de emitir a Hora Legal para a cidade e, especialmente, para os navios ancorados no Tejo, foi construída em 1914 uma guarita na zona do Cais do Sodré, equipada de relógio mecânico ligado directamente por cabo eléctrico ao Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), situado na Tapada da Ajuda. Da guarita partia um sistema semafórico, ao longo da costa, até Belém, para indicação luminosa da Hora a quem estava ancorado no rio.
A guarita do Cais do Sodré exibiu, até 2008, o título de «Hora Legal». No entanto, o Observatório pediu que esta designação fosse retirada, pois o relógio nunca tinha funcionado em condições. O local está sujeito a grandes amplitudes térmicas e nem a pala que foi acrescentada à estrutura impediu que o mecanismo sofresse com isso. Por outro lado, as trepidações cada vez mais fortes, fruto da passagem do trânsito rodoviário, também afectavam a marcha do mecanismo.

Cais do Sodré |1914|
Posto do Relógio Padrão da Hora Legal e o edifício da Administração Geral do Porto de Lisboa.
Joshua Benoliel, 
in Lisboa de Antigamente

Em 2009, a guarita do Cais do Sodré passou a estar equipada com um relógio de quartzo vulgar que está ligado em rede aos servidores da Hora Legal através de um sistema NTP (Network Time Protocol). O relógio do Cais do Sodré recebe sistematicamente a Hora Legal e processa um ajuste automático da hora interna, garantindo, assim, a sua exactidão. Esta interface tem um relógio electrónico próprio, com uma unidade de energia eléctrica independente. Deste modo, se houver um corte de energia na zona, os ponteiros param, mas reposicionam-se na hora correcta assim que seja restabelecido o fornecimento de energia. A única desvantagem é que o aparelho não tem ponteiros dos segundos. Se quiser acertar o seu relógio, terá que esperar atentamente pelo movimento do ponteiro dos minutos. ³
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Bibliografia
¹ VIDAL, Angelina, Lisboa antiga e Lisboa moderna, p. 123-124, 1900.
² ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 39-40, 1939.
³ História da Hora Legal, Observatório Astronómico de Lisboa.

Wednesday, 19 July 2017

Rua de São Tomé (antiga do Infante D. Henrique)

Ora, paciente companheiro, entremos na Rua do Infante D. Henrique, chamada até 1882, Rua de S. Tomé [em 1948 voltou a designar-se Rua de São Tomé], e Largo do mesmo nome na sua parte menos estreita. O Infante navegador teve aqui próximo umas casas, que cedeu ao Estudo Geral — a nossa Universidade de Lisboa  —, do qual resta o nome "Escolas Gerais", sítio de que nos ocuparemos noutra jornada. Deriva daquela circunstância o ter-se dado o nome do filho de D. João I a esta artéria do velho S. Tomé. [...]

Rua de São Tomé, 24 (esq.) [1939]
Antiga do Infante D. Henrique
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Este sítio de São Tomé deriva seu nome de uma Igreja Paroquial que existiu exactamente onde estão o tabuleiro e cortina sobranceiros à Rua das Escolas Gerais e do Salvador. “São Tomé do Penedo” chamava o povo ao local pela razão de aqui ter havido uma penedia. A paroquial datava, pelo menos, do princípio do século XIV (1320); a Igreja, que resistiu bem ao Terramoto, foi demolida em 1839. A freguesia reuniu-se então à de S. Vicente.

Rua de São Tomé com a Travessa de São Tomé (dir.) [1939]
Antiga do Infante D. Henrique
Eduardo Portugal,in Lisboa de Antigamente

Esta Rua do Infante D. Henrique pouco mais tem do que sessenta anos [ca. 1880] no seu aspecto de agora; foi um vereador Estrela Braga que logrou fazer alargar a antiga Rua de S. Tomé, cujos prédios do lado Sul, à nossa direita, são como vês, relativamente modernos. O lado esquerdo, esse conserva o seu aspecto pobre urbano do fim de setecentos. Da Rua Infante D. Henrique actual, onde, por ameaçarem ruína, já começaram a ser destruídos alguns antigos prédios típicos, abrem para a aba do Castelo e Menino de Deus estas curiosas serventias: Beco do Maldonado, que deixamos atrás, Beco do Funil, Calçada do Menino de Deus [foto em baixo à esq.], Rua dos Cegos, e o Beco da Laje, com uma casa setecentista à esquina [foto em baixo à dir.].

Rua de São Tomé [1908]
Rua de São Tomé [1908]
 
Esquerda: Esquina da Rua de São Tomé com a Cç. do Menino Deus.

Direita: Esquina da Rua de São Tomé com o Beco da Lage. De acordo com Gomes de Brito, o Beco da Lage aparece mencionado em “O Itinerário Lisbonense” de 1818. No entanto, já existia antes do grande terramoto de 1755.


 
O prédio mais representativo do sitio é este, n.° 24 [à esquerda na 1ª foto], apalaçado, com sua fachada de dois andares, e sete elegantes janelas de sacada no primeiro. Constitui um espécime da arquitectura truncada da transição do século XVIII para o século XIX, mas o edifício denota no seu interior confuso mais antiguidade. 

Rua (Largo) de São Tomé [1939]
Antiga do Infante D. Henrique
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. II, pp. 72 -73, 1938.

Sunday, 16 July 2017

Os alfacinhas vão a banhos: praia de Cascais

Quem há cem e picos anos conheceu a praia de Cascais. justificava. certamente, o dito célebre de «uma vez a Cascais e muitas mais».
Era ali. na aristocrática praia de Cascais, que os elegantes e as elegantes de então — a nobreza e a alta burguesia — tinham os seus encontros. se organizavam as partidas. as regatas. as «ginkanas», que depois chamavam à praia e à vila pessoas dos quatro cantos de Portugal e até do estrangeiro.

Praia da Ribeira Cascais [c- 1900]
O edifício da esquerda está identificado como o Casino da Praia.
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Ali, «onde o mar beijava constantemente as areias», na praia elegante por excelência, passearam as mais lindas mulheres de Portugal do seu tempo. e fidalgos de velhos pergaminhos bateram o fado  — como ele era batido então por fidalgos e boémios.
E não admira que assim fosse. Nesses dias fugitivos em que durava a época da praia, tão breves como um sonho raramente realizado, tudo se fazia na praia. Ela era casino, casa de chá e campo de desportos, e não poucas vezes centro de má língua. Todas as tardes. o rei D. Carlos, por lá dava o seu passeio largo, segredando com este e com aquele dos seus íntimos, tantas vezes falando de política e muitas outras inteirando-se das inofensivas intrigas da côrte. pelas quais era tão guloso ...

Praia de Cascais [1906]
A tarde. na praia. num grupo de elegantes conversa animadamente. discutindo aquelas preciosas futilidades que em todos os tempos e em todas as épocas sempre ocuparam o espírito das senhoras.
Joshua Benoliel,
in Lisboa de Antigamente
Praia de Cascais [1906]
Um grupo de elegantes da época. vendo as provas náuticas que se realizam ao largo.
Joshua Benoliel,
in Lisboa de Antigamente

Correram mundo, nas côrtes mais poderosas. as notícias perturbadoras da vida elegante em Cascais. No enquadramento admirável do mar, tão azul como o céu, da suavidade do clima, das moradias nobres, dos jardins e das matas luxuriantes, a côrte portuguesa cobrava, em três meses quentes, energia, vivacidade, ternura, para o resto do ano. 
Ir a Cascais, à praia. imprimia carácter e dava distinção. Não havia pessoa de sociedade ou que quisesse parecê-lo. homem ou mulher, que não fosse veranear para Cascais e que. estando ali, não fosse passar as tardes para a praia. Todos lá iam. Os que não iam para ver  — iam para se mostrar ...

Praia de Cascais [1906]
Debaixo do toldo.
Joshua Benoliel,
in Lisboa de Antigamente

Vão longe as calças esticadas, os jaquetões compridos, os colarinhos afogadores; e as saias pregueadas, de grandes rodas. os chapéus mal equilibrados em pequeninas cabeças, as sombrinhas de seda. Mas perto fica, sempre, porque é uma tradição de beleza, a saudade do tempo em que a côrte e os dignitários, a aristocracia, a finança. o alto funcionalismo, punham de banda os rigores do protocolo, e folgavam e se praziam em jogos desportivos, em concertos de música. em arraiais luzidos e bizarros.

Praia de Cascais [1906]
Um grupo gentil de senhoras da alta roda. que cm 1906. veraneavam em Cascais. numa daquelas tardes luminosas de Setembro. frente ao oceano. passando uma tarde amena.
Joshua Benoliel,
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia

Joshua BenolielArquivo gráfico da vida portuguesa, 1903-1918.

Friday, 14 July 2017

Casa e Palacete Lambertini

Michel’Angelo Lambertini (1862-1920), foi uma personagem fundamental da cultura portuguesa de finais do século XIX, princípios do século XX. No domínio da música foi executante, maestro, compositor e musicólogo além de editor e comerciante. Foi também o responsável pela reunião de uma parte considerável do actual acervo do Museu da Música.


A Casa Lambertini & Cª, com a licença nº 454 registada e paga para o ano inteiro inteiro em 12 Janeiro de 1861, localizava-se na Rua Oriental do Passeio, 2, e apresentava armazém de pianos e instrumentos. No ano seguinte à morte de Luís Joaquim Lambertini, em 1865, os filhos renomeiam a designação comercial da casa passando a chamar-se Lambertini Filhos & Cª, no Largo do Passeio Público, 8– 2. A morada sofrerá pequenas alterações de número de polícia, não deixando, no entanto, de se fixar sempre na zona do Passeio Público, mais tarde Praça dos Restauradores e Avenida da Liberdade.
O nome perdurou por toda a segunda metade do séc. XIX, tendo dobrado a centúria. No limiar do séc. XX a casa estava já nas mãos de um neto do bolonhês, Michel’Angelo Lambertini, na Praça dos Restauradores, 43–49, declarando uma renda anual de 400$000 réis, sintomática da prosperidade económica da casa e da sua implantação no mercado.

Praça dos Restauradores, 43–49 |ant. 1900|
Antiga Rua Oriental do Passeio Público
O terceiro toldo, à direita, é da «Casa Lambertini».
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O projecto de criação de um Museu Nacional da Música remonta a 1911, por iniciativa do próprio Michel’Angelo Lambertini, mas viria a falhar, contudo, com a morte do musicólogo, sendo retomado anos mais tarde pelo Conservatório Nacional na sequência da aquisição pelo estado do acervo.

Anúncio da Casa Lambertini em 1896
Branco e Negro: semanario illustrado

O Palacete Lambertini, sito na Avenida da Liberdade, 166, mandado construir por iniciativa de Michel’Angelo Lambertini, foi projectado, em 1901, pelo arq. Nicola Bigaglia. Este edifício recebeu, ex-aequo com outro imóvel, uma Menção Honrosa do Prémio Valmor de 1904, facto que não agradou de todo ao seu proprietário, uma vez que o prémio principal não havia sido atribuído nesse mesmo ano, em virtude do júri ter considerado que "(...) nenhum dos prédios concluídos em Lisboa (...) [durante o ano em questão, reunia] o conjunto de condições artísticas essenciais para ser classificado em mérito absoluto (...)". Apesar das reclamações e apelos de Lambertini junto da Câmara, a decisão manteve-se. Posteriormente foi objecto de duas alterações importantes, a 1ª , em 1927, com projecto do arq. Carlos Ramos e a 2ª, a partir de 1939, obra do arq. Raúl Tojal (foi alteado de um piso).
Incluído na zona da Avenida da Liberdade que se encontra Em Vias de Classificação, este imóvel traduz uma arquitectura eclética e assenta numa lógica renascentista veneziana, próxima do estilo lombardesco, evidenciando como elemento excepcional a integração no alçado principal de composições de mosaicos, inspirados nos da Igreja de São Marcos de Veneza.

Vista sobre a Avenida da Liberdade [ant. 1939]
Enquadramento do Palacete Lambertini (assinalado a vermelho) na Avenida; Monumento aos Mortos da Grande Guerra (1931)
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Nota(s): Incluído na classificação da Avenida da Liberdade e na Zona Especial de Proteção Conjunta dos imóveis classificados da Avenida da Liberdade e área envolvente. O edifício recebeu, ex-aequo com outro imóvel (Avenida da Liberdade, 262-264), uma Menção Honrosa do Prémio Valmor de 1904, facto que não agradou de todo ao seu proprietário, uma vez que o prémio principal não havia sido atribuído nesse mesmo ano, em virtude do júri ter considerado que "(...) nenhum dos prédios concluídos em Lisboa (...) [durante o ano em questão, reunia] o conjunto de condições artísticas essenciais para ser classificado em mérito absoluto (...)". Apesar das reclamações e apelos de Lambertini junto da Câmara, a decisão manteve-se.

Palacete Lambertini |c. 1966|
Avenida da Liberdade, 166
Mário Novais, iin Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Cadernos do Arquivo Municipal, Nº4, 2000-
FERREIRA, Fátima C. G., Guia Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa, p. 287, 1987.

Wednesday, 12 July 2017

Chafariz de Cacilhas e Igreja de N. S. do Bom Sucesso

Chafariz de quatro bicas — duas destinavam-se aos aguadeiros e as outras duas aos particulares — foi inaugurado em 1 de Novembro de 1874. Um importante melhoramento que a Câmara Municipal sob a presidência de Bernardo F. da Costa, prestou ao povo de Cacilhas. Implantado à entrada da antiga Rua Direita [actual Rua Cândido dos Reis] e junto ao Largo do Costa Pinto [actual Largo Alfredo Diniz (Alex)], os moradores abasteciam-se de água potável para os lares.
O chafariz (infelizmente destruído nos finais dos anos 40 ou início de 50) era abastecido pela mina do Ginjal, por intermédio de canalizações. Quando estas canalizações começaram a envelhecer e a degradarem-se, a água, que era de muito boa qualidade, passou a ser salobra por infiltrações das águas do Tejo.
Então, a população de cacilhenses, só a utilizava para lavagens. A boa, para beber, continuava a vir da mesma origem (do Ginjal) mas fornecida em barris, por aguadeiros. Até que veio a canalização domiciliária. 

Chafariz de Cacilhas |c. 1904|
Rua Cândido dos Reis (antiga Rua Direita e antigo Largo do Costa Pinto); Igreja de N. S. do Bom Sucesso
Postal ilustrado, ed. Papelaria Paulo Emílio Guedes & Saraiva
, in Lisboa de Antigamente

Construída de raiz quatro anos após o terramoto de 1755, a  Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso apresenta uma fachada de inspiração barroca, com um frontão triangular ladeado por torres sineiras, que apresentam cúpulas encimadas por pequenos zimbórios. Nas paredes de uma das torres podem também observar-se dois relógios de sol, um na fachada frontal e outro na lateral. O interior é composto pela galilé, coro alto, uma única nave e capela-mor. As paredes tê silhares de azulejos azuis e brancos da segunda metade do século XVIII, com cenas alusivas à vida de Nossa Senhora. Existem ainda três retábulos em madeira polícroma de estilo rococó, um dos quais com a imagem de Santa Luzia, datada do século XVII.  

Chafariz de Cacilhas |c. 1900|
Antigo Largo do Costa Pinto, actual Largo Alfredo Diniz (Alex)
José A. Bárcia
, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
(uf-acppc.pt)

Sunday, 9 July 2017

Paço de Belém (Palácio Presidencial de Belém)

Ora temos diante de nós o Palácio de Belém, antigo Paço Real e, desde 1910, Palácio Presidencial. 

Este edifício, enriquecido de jardins e magnificamente situado, pertence à história política portuguesa dos últimos dois séculos. Não tendo grandeza arquitectónica é, contudo, simpático, paço arrabaldino ainda a denunciar-se através dos restauros, mesmo exteriores, de que tem beneficiado.

Umas casas que existiam aqui no século XVI, e os chãos largos que as circundavam, constituíam um prazo foreiro aos frades dos Jerónimos; D. Manuel de Portugal, comprou àqueles religiosos os terrenos, que se integraram no Morgadio dos Cortes Reais, o qual, havendo passado às mãos de D. Luiz de Portugal (1623) acabou per cair na posse da Condessa de Aveiras, D. Joana de Portugal, e desta na do 3.° Conde, seu filho, D. João da Silva Telo de Menezes.

Panorâmica de Lisboa abrangendo a Rua de Belém e o Palácio de Belém [Inicio séc. XX]
O Palácio é hoje monumento nacional e sede da Presidência da República Portuguesa. Chamado "das leoneiras" no século XVIII, parece ter como emblema o leão — símbolo solar que alia a Sabedoria ao Poder. Uma bandeira de cor verde com o escudo nacional — o estandarte presidencial.
Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente

Foi a este fidalgo, Presidente do Senado de Lisboa de 1702 a 1711, que o Rei D. João V comprou casa e quinta em 4 de Julho de 1726 por 200.000 cruzados. Ficou sendo a «Quinta de Baixo», para a distinguir da contígua «Quinta do Meio», que o mesmo soberano comprou pouco depois — para de tudo fazer uma única propriedade de granjeio — ao Conde de S. Lourenço. 
D. João V reedificou o Palácio, embelezou os jardins com plantações, estátuas, lagos, cascastes, vasos, fontes, pavilhões, ruas e curiosas escadarias, dos quais ainda existe uma boa parte, quer na reduzida área do Palácio Presidencial, quer naquela onde se instalou o Jardim Colonial.

Palácio Real de Belém
 Real Cais de Belém e Praça D. Fernando
Desenho de Cazelhas, gravura de A. Oliveira
Pertença do Gabinete de Estudos Olisiponenses, 
in Lisboa de Antigamente
Paço Real de Belém nos meados do século XIX
Litografia de Legrand, pertence à Biblioteca Nacional, 
in Lisboa de Antigamente

A história política e diplomática do Paço de Belém não se comporta, Dilecto, no nosso plano. Do mais notável quero lembrar-te que foi aqui, a 4 de Novembro de 1836, que o tribuno liberal Manuel da Silva Passos, por ocasião da célebre «Belemzada» — que do local tirou a designação — de D. Maria II conseguiu, após palavras firmes e sinceras, que a Soberana voltasse para o Palácio das Necessidades, anuindo às pretensões do povo.
Reis e príncipes, presidentes estrangeiros, instalaram-se neste Paço quer em visitas de dois dias quer em estadias demoradas; quási todos os Reis de Portugal de D. João V até D. Manuel aqui habitaram ou transitoriamente passaram dias, embora nos últimos vinte anos de monarquia o Palácio fosse mais de receber que de estar.
Na República alguns dos Chefes de Estado têm-no habitado com permanência, mais ou menos demorada, mas todos eles em Belém dão suas recepções, assistem nas solenidades diplomáticas e permanecem nas ocasiões graves de crises.

Palácio de Belém [c. 1903]
Praça Afonso de Albuquerque, antiga Praça D. Fernando (1910)
Rua da Junqueira; Palácio Nacional de Belém e - tornejando para a Calçada da Ajuda - o extinto Picadeiro Real depois Museu dos Coches (1905); em segundo plano a torre sineira da Igreja de Nossa Senhora das Dores (1787) sita na Rua do Embaixador; logo atrás o zimbório octogonal do Convento das Salésias.
 Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Palácio de Belém, Pátio dos Bichos e fachada nascente do palácio [c. 1945]
Foi para alojar os grandes felinos que no reinado de D. José foi construído um conjunto de jaulas no lado norte do pátio principal do palácio. A documentação da época refere a colocação de grades para «as casas dos bichos», e em 1772 é anotada a chegada de um leão, vindo de Angola, que terá motivado o espanto de muitos.
Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente
 
O Palácio Presidencial de Belém, cujas Salas foram restauradas há nove anos [1930], quando da anunciada visita de Afonso XIII em retribuição à que lhe fizera o Sr. General Carmona em 1929, possui magníficas instalações palacianas, e entre elas a Sala dos Bichos, na ala poente, logo acima da escadaria que nasce do Pátio dos Bichos, este com ingresso por uma rampa, pela frente à Praça Afonso de Albuquerque.
As grandes obras de arte (pintura principalmente) do Paço antigo levou-as D. João VI quando foi para o Brasil; as peças de ourivesaria e outras obras primas estão hoje no Museu de Arte Antiga, mas as Salas ostentam ainda peças de relativo valor, mesmo em mobiliário, havendo sido no terceiro quartel do século passado e já no actual o Mácio objecto de restauro, e datando dessa época decorações e quadros de Columbano, Malhoa, João Vaz, Cotrim, Félix da Costa, e de outros artistas.
Como vês, o Palácio Presidencial de Belém, repousado, «oficial», discreto, conjuga-se admiravelmente nesta Praça, à qual faz o fundo natural norte, a toda a largura da área. Anexo ao Palácio, temos o Museu Nacional dos Coches [...].

Palácio de Belém [c. 1903]
Praça Afonso de Albuquerque
Observe-se, hasteada, a bandeira monárquica.
 Fotógrafo não identificado, 
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, pp. 69-71, 1939.

Friday, 7 July 2017

Museu Nacional dos Coches Reaes

O edifício do Museu dos Coches, desintegrado do palácio, do qual fez parte, é também uma construção do começo do século actual, ampliado para Norte, sobre a Calçada da Ajuda, nos últimos meses de 1942 e em 1943.


O Museu reúne uma colecção de viaturas de gala e passeio dos séculos XVII a XIX, única no mundo. O seu espólio inclui: coches, berlindas, carruagens, seges, liteiras, carrinhos de passeio e carrinhos de crianças. Completam a colecção, arreios de tiro e cavalaria, acessórios de viatura, fardamentos, instrumentos musicais, um núcleo de armaria e uma colecção de retratos a óleo dos monarcas da Dinastia de Bragança

Museu Nacional dos Coches |c. 1909|
Praça Afonso de Albuquerque
Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente

Anexo ao Palácio [de Belém] — recorda-nos Norberto de Araújo —, temos o Museu Nacional dos Coches, superior aos seus similares, o Trianon, de Versailles, e o de Madrid. Também merece duas palavras, antes de o visitarmos, o que não pudemos fazer ao Palácio. Onde está o Museu dos Coches foi, primitivamente, o Picadeiro do Paço de Belém, mandado construir por D. José, mas cuja obra, do risco de Jacomo Azzolini, só se concluiu em tempo de D. João VI.

Museu Nacional dos Coches [post. 1901]
Praça Afonso de Albuquerque esquina com a Cç. da Ajuda
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Foi a Rainha D. Amélia quem, em 1905, teve a iniciativa de construir o Museu dos Coches, a despeito da relutância de D. Carlos, em consentir a destruição do Picadeiro, um dos melhores da Europa; o Rei acabou por deferir a pretensão da Rainha, e logo o estribeiro-menor, coronel Alfredo de Albuquerque, se lançou à realização da obra.
A Rainha tinha razão; se o Picadeiro era, no seu género, cousa de manter-se e admirar-se, o Museu vale infinitamente muito mais.

Museu Nacional dos Coches |c. 1950|
Praça Afonso de Albuquerque
António Castelo Branco,  in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Monumentos históricos, p. 154, 1944.
idem, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, p. 71, 1939.
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