Wednesday, 30 May 2018

Antiga Rua das Tendas, à Mouraria

No prédio n.° 5 — observa Norberto de Araújo  — desta antiga Rua das Tendas, à altura do primeiro andar, existiu até 1927 um curioso nicho, antigo oratório, que a senhoria passou a patacos. Esta Rua das Tendas foi no século XV o sítio do primeiro mercado de louças e olarias que houve em Lisboa.

Nicho da Rua das Tendas [c. 1900]
Antigo troço da actual Rua Marquês Ponte de Lima (próximo à Igreja do Coleginho)
Nicho de Oratório na casa onde residiu o pai de Nicolau Tolentino em 1737
Artur Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. III, pp. 67-68, 1938.

Sunday, 27 May 2018

Calçada da Bica Pequena e Rua da Bica de Duarte Belo

A designação «Bica do Belo» — recorda-nos Norberto de Araújo — já existia no meado do século XVI (em 1554, pelo menos), como um sítio, que podia até não ser regularmente urbanizado, e se localizava à beira rio.
Um certo Duarte Belo, pessoa de situação ao que se supõe, dispunha por aqui- — Boa Vista —, em local que se chamava Portas do Pó, de umas casas e de um chão, no qual existia uma bica, mais tarde desviada uns metros para o alinhamento da Rua da Boa Vista; é a Bica dos Olhos a que adeante me referirei.

Calçada da Bica Pequena [1915]
Tem início Rua de São Paulo e termina Rua da Bica de Duarte Belo;
Travessa do Cabral
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

 Nos tempos antigos eram muito mais latas as referências toponímicas locais, fôsse onde fõsse. O certo que à vertente das encostas entre Santa Catarina e as Chagas se passou a chamar Rua da Bica do Duarte Belo, por extensão.

Calçada da Bica Pequena [1945]
Tem início Rua de São Paulo e termina Rua da Bica de Duarte Belo
 Rua dos Cordoeiros e Largo de Santo Antoninho (dir.); Ascensor da Bica
Martinez Pozal, Lisboa de Antigamente

Êste sítio da Bica corresponde a um vale de encosta, um como que desfiladeiro, cavado mais acentuadamente, por efeito de um desmoronamento de terras das encostas laterais. Êsse cataclismo, localizado ao sítio, sucedeu às 11 da noite de 22 de Julho de 1597; foram destruídas nada menos de 110 casas, em três ruas. Precisamente vinte e cinco anos depois repetiram-se os desabamentos, mas em menor escala.

Rua da Bica do Belo [1915]
Tem início na Travessa do Cabral e termina no Largo do Calhariz (ao cimo); 
Travessa da Portuguesa.
Joshua Benoliel, Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p. 67, 1939.

Friday, 25 May 2018

Profissões de Antanho: o capelista-ambulante

Ainda hoje — diz Calderon Dinis — se vêem por aí, sobretudo nas feiras, estas carripanas muito bem ordenadas de capelistas-ambulantes, onde nada falta, das agulhas e alfinetes ao retrós e às linhas de alinhavar e coser botões, de mistura com bonés e chapéus-de-chuva, colares, rendas ou entremeios, meias para homem ou senhora, canivete e limpa-unhas, calçadeiras e atacadores, lâminas de barbear, pincéis e outras coisas que não nos ocorre mas são sempre de utilidade. 

Capelista-ambulante |1908|
Praça do Comércio
 Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Estes vendedores não apregoam; instalam-se num local certo, correm os taipais do seu estabelecimento-ambulante e esperam a clientela.
No nosso tempo pairavam muito à volta da Praça da Figueira, quando ali existia o mercado que o camartelo camarário destruiu para realizar a actual praça onde preside, a cavalo, o Mestre de Avis, D. João I. Anteriormente estaria indicado para ali Nun'Álvares Pereira, mas desinteligências políticas, que sempre as houve, desde que o Mestre se arvorou em defensor do reino, levaram o Condestável, amuado, para junto do Mosteiro da Batalha, onde dizem que está melhor, à espera da Ala dos Namorados!

Capelista-ambulante |c. 1940|
Largo do Chafariz de Dentro - "Casa das Colunas"
 Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Voltando aos capelistas-ambulantes, se tiverem muito interesse em os procurar, dêem um salto pela Ribeira Nova, que ainda por lá encontrarão um, à beira do mercado.

Capelista-ambulante |c. 1940|
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

fBibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.

Wednesday, 23 May 2018

Travessa do Monte (Quinta do Monteiro)

O Bairro do Monte, urbanizado, data de 1902, embora anteriormente existisse na sua Calçada, no seu alto de S. Gens, e num ou noutro arruamento impreciso. 


Não há quarenta anos [c. 1900] aqui uma «Quinta do Monteiro», com sua casa de moradia e outras de aluguer, setecentistas pobres, das quais vemos os vestígios vivos e habitados nesta Travessa do Monte, onde nos encontramos, com seu ar pitoresco, resignado para uma demolição ou transformação radical, que não deve levar nenhum quarto de século.
A entrada era justamente por esta porta rasgada em Arco, e passadiço, n.º 32.

Arco da Travessa do Monte, 32 [Início séc. XX]
Entrada da «Quinta do Monteiro» vista do Largo da Graça
Artur Leitão Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Clemente José Monteiro se chamava o dono da propriedade, que abrangia o bairro actual quási todo; casou com D. Henriqueta de Mendonça. Morrendo o Clemente, sua viúva passou a segundas núpcias com o Dr. Manuel Salustiano José Damasceno Monteiro, que deu o nome à bela artéria nova que cortámos há pouco apressadamente.
Não havia, pois, razão para que a quinta de D. Henriqueta se deixasse de chamar «do Monteiro›. Foram herdeiros de D. Henriqueta uns seus sobrinhos, entre os quais o falecido pintor Higino de Mendonça; para partilhas dividiu-se a propriedade e começaram a ser parcelados os terrenos (1903-1904). 

Travessa do Monte [Início séc. XX]
Entrada da «Quinta do Monteiro» tomada da Rua de S. Gens; ao longe, a torre sineira da Igreja da Graça.
Artur Leitão Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Data desta época o Bairro (novo) do Monte, definindo-se, em plano urbanização, as Ruas de S. Gens e da Senhora do Monte, esta já existente antes, como natural descida do alto de S. Gens à Rua da Graça. Ora vamos subindo até ao alto.

Travessa do Monte [c. 1940]
Vista tomada da Rua Damasceno Monteiro (antiga da Bela Vista, ao Monte)
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, p. 36, 1938.

Sunday, 20 May 2018

Chafariz de Andaluz: a "fonte dagoa dandalusos"

Desconhece-se a origem do nome do sítio. A mais simples — e. porventura,  a mais razoável — é-nos revelada por João Sousa Moura em Vestigios da lingua arabica em Portugal: ou lexicon etymologico das palavras, e nomes Portuguezes, que tem origem arabica (1789):
ANDALUZ طر اندل Andalus. Nome de hum bairro, e de hum chafariz nos arrabaldes de Lisboa, Fregue2ia de S. Sebastião da Pedreira. He appellido de hum homem natural da Andalusia, de quem o lugar tomou o nome: e vem a ser o lugar do Andaluz.


Passado o Viaduto acaba S. Sebastião, e começa Andaluz. O sítio do Andaluz — recorda-nos Norberto Araújo — é antiquíssimo, o avô de toda esta área, e a sua extensão oral foi muito vasta. Hoje está reduzido a um pequeno Largo, e — com o Largo das Palmeiras de permeio — à Rua do Andaluz, que leva à Praça José Fontana, antiga Cruz do Taboado.
Ora eis-nos defronte do famoso Chafariz de Andaluz [ou a “fonte dagoa dandalusos” (como era conhecida e designada em 1513), e da qual quis el-rei D. Manuel I trazer água para o Rossio], e que melhor diremos «Bica»  É o mais vetusto monumento — pobre monumento! — dêste género em tôda a Lisboa. A pedra da nau, de talhe bárbaro, interessantíssima, tem indiscutível valor arqueológico, e constitue um precioso elemento de estudo.

Chafariz de Andaluz [séc. XIX]
Largo de Andaluz; por trás do chafariz passa a Travessa de Lázaro Verde,
hoje Rua Actor Tasso
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

Na inscrição — que não nos é possível ler — vê-se a data de 1374 [vd. N.B.]. O Chafariz do Andaluz, no século XVI muito discutido em demandas para aproveitamento das suas águas, guarda a sua nascente num poço do quintal de um prédio, n.° 26, da Rua de S. Sebastião, onde hoje está instalado o Colégio Parisiense, prédio com quinta que pertenceu no século passado ao ministro do Bairro do Andaluz, João António Mayer; a quinta era no século XVIII de Francisco Garcia Lima, e fôra no principio do século XVI de D. Filipa Mendes. Certo é que desde 1524, pelo menos, a água estava municipalizada.
Há cêrca de vinte anos [c. 1919] a Junta de Freguesia tomou à sua conta a defesa do Chafariz, cuja água diziam. inquinada na passagem dos canos da nascente até ao tanque; a Câmara procedeu a vistorias, que se repetiram há pouco tempo.

Chafariz de Andaluz |entre 193- e 1947|
Largo de Andaluz
Observe-se o tubo de ferro perfurado para recolha da água e o suporte para recipientes.
Amaro de Almeida, 
in Lisboa de Antigamente

Pois a Bica do Andaluz — com seu tanque rectangular — é êste pouco que aqui vês. Na parede do fundo ostentam-se, como padrão, a pedra na qual se vê a nau, à esquerda, e a legenda indecifrável, à direita, e, por cima, um escudo com armas reais. Uma inscrição recentíssima diz: «Esta água é das galerias subterrâneas».

Chafariz de Andaluz |c. 1950|
Pedra de armas de D. Afonso IV sobre uma lápide bipartida, tendo, à esquerda, a nau vicentina das armas do brasão da Cidade e, à direita, a inscrição:
NA ERA DE 1374, O CONCELHO DE LISBOA MANDOU FAZER ESTA FONTE A SERVIÇO DE DEUS E DO NOSSO SENHOR REI DOM AFONSO POR GIL ESTEVES, TESOUREIRO DA DITA CIDADE, E AFONSO SOARES, ESCRIVÃO. A DEUS GRAÇAS
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

Um tubo de ferro estende-se, desde há poucos anos [193-], da parede do fundo até à frente do tanque, facilitando por três orifícios [conseguimos contar cinco]  abertos nesse tubo para a colheita da água, que muitos crêem medicinal — o que não negamos.

Chafariz de Andaluz |entre 193- e 1947|
Largo de Andaluz

Pormenor do tubo de ferro instalado por volta de 1930 e os cinco orifícios para colheita da água.
Amaro de Almeida, in Lisboa de Antigamente

N.B. Inscrição gravada na lápide que mestre Araújo classifica como "indecifrável": «Na Era de 1374 o concelho de Lisboa mandou fazer esta fonte a serviço de Deus e do nosso Senhor Rei Dom Afonso por Gil Esteves, tesoureiro da dita cidade, e Afonso Soares, escrivão. A Deus graças»
Aquela data corresponde ao ano de 1336 da Era Cristã. A bica Funcionou até 1945, ano em que as suas águas foram desviadas para o esgoto por serem «provenientes de matéria orgânica». Chegou a alto estado de degradação, sendo restaurado em 1960.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 85-86, 1939,
Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa, Volume 5, 1962.

Friday, 18 May 2018

Cinema Cinearte

Do lado Norte, sobre o Jardim [de Santos], — recorda-nos Norberto Araújo nas suas Peregrinações — para além da Rua Vasco da Gama [hoje Largo de Santos], debruçam-se ao alto as traseiras dos prédios da Rua Marquês de Abrantes, e, no alinhamento, alguns armazéns e casas antigas; os terreiros pertenceram à Casa de Abrantes, a qual, ao afora-las a particulares, punha como condição que os prédios não pudessem ter mais de 15 metros de altura, a-fim-de não prejudicar a vista panorâmica que do Palácio se desfrutava sobre o rio.


Cinema Cinearte [1939-40]
 Largo de Santos
Inaugurado em 14 de Março de 1940 com o filme de Frank Capra "You Can't Take It with You" de 1938 ("Não o Levarás Contigo")
Estúdio Novais, in Lisboa de Antigamente

A condição prescreveu: ali tens agora (Setembro de 1939) a erguer-se um grande «Cine Arte» [sob risco do arquitecto Raul Lima Rodrigues (1909-1979)], edifício que neste local, pelo contraste da vizinhança urbana, e a despeito da boa aparência que o distinguirá, vai ficar pesado, na desproporção.

Fábrica de carpintaria de José Lino [1901]
Largo de Santos
Local posteriormente ocupado pelo Cinema Cinearte
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Eram aqui as fábricas de carpintaria mecânica e os armazéns de madeira trabalhada, de José Lino, que houve às mãos os chãos, como disse, da Casa Abrantes. Em 1919 os industriais que sucederam a José Lino (que foi pai do arquitecto Raúl Lino e do industrial José Lino) passaram o domínio directo destes chãos a Orey Antunes & C.", que, por sua vez, em Fevereiro de 1926 o transferiram para Orey, Limitada. É esta firma a proprietária do terreno onde a Sociedade Administrativa de Cinemas (de que são principais cotistas Horácio. Pimentel e João Francisco da Silva, este ligado à Casa Orey) está a erguer o «Cine Arte». 

Cinema Cinearte [1940]
Largo de Santos
Vista parcial nocturna da fachada
Arquitecto Raúl Rodrigues Lima

Estúdio Novais, in  LdA
Cinema Cinearte, sala [1940]
Estúdio Novais, in LdA
Cinema Cinearte [1940]
Máquinas Cinematográficas 

Triumphator
Estúdio Novais, in LdA



Classificado como Imóvel de Interesse Público, traduz um volume compacto, coberto por terraço, contrastante com a traça urbana envolvente, assemelhando-se a um edifício industrial de linhas modernistas. O cinema encerrou as portas em 1981. Nove anos passados, em 1990, já na posse da Câmara Municipal de Lisboa, o espaço foi cedido à companhia de teatro "A Barraca", que aí continua a funcionar.


Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 88-89, 1939.

Wednesday, 16 May 2018

Jardim de Santos (Jardim Nun'Álvares)

É discreto este Jardim de Santos (1873) — no dizer de Norberto de Araújo —, em cujo lado nascente, à sombra desse quarteirão urbano de que te falei, correm os cinquenta metros da Rua Vitorino Damásio; José Vitorino Damásio, engenheiro, director do Instituto Industrial, foi quem dirigiu as obras do Aterro desde S. Paulo a Santos.


Jardim de Santos (Jardim Nun' Álvares) |190-|
Largo de Santos; visto da Avenida 24 de Julho; Palácio Abrantes (ao fundo à esq.)
Paulo Guedes, 
in Lisboa de Antigamente

Pequeno jardim triangular com um traçado ao estilo romântico oitocentista. Este jardim reveste-se, apesar da sua pequena área, de uma grande importância, pois é o único espaço verde público, com alguma dimensão, existente numa área densamente ocupada.

Jardim de Santos (Jardim Nun' Álvares) |1911|
Largo de Santos; observem-se os diversos tipos de candeeiros de iluminação pública (gás e electricidade)
Joshua Benoliel, 
in Lisboa de Antigamente
Jardim de Santos (Jardim Nun' Álvares) |c. 1930|
Largo de Santos; ao fundo, conjunto de prédios de rendimento das décadas de 1870-1880 na esquina com a Av. 24 de Julho; quiosque

Ferreira da Cunha, 
in Lisboa de Antigamente

Em 1925, a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira tomou a iniciativa de erguer esse monumento e no dia 14 de Agosto desse ano procedeu ao lançamento da primeira pedra, no antigo Jardim de Santos, em Lisboa, que passou a denominar-se Praça de Nun'Alvares. Esta iniciativa não teve continuidade.

Jardim de Santos (Jardim Nun' Álvares) |1957|
Largo de Santos; Estátua de Ramalho Ortigão
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Também Ramalho Ortigão que há tanto tempo aguardava, informado em bronze a colocação da sua estátua, viu-se finalmente instalado no pequeno Jardim Nun'Alvares, em Santos. Em breve cerimónia realizada em 1957 e organizada pela Câmara Municipal de Lisboa, foram exaltados por vários oradores, o talento e méritos do autor das «Farpas». Esculpida pelo Escultor Numídico Bessone, não se poderá contudo considerar definitiva a sua presença no referido local.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p. 88, 1939.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1935.
cm-lisboa.pt.

Sunday, 13 May 2018

Palácio dos Marqueses de Abrantes (Embaixada de França)

Aí temos o Palácio da Legação de França. Observa a sua fachada nobre, o formoso escudo brasonado, em alto relêvo, sobrepujado da corôa dos Abrantes (Lencastres).

O Palácio Abrantes, irregular em planta, é constituído por uma série de alas, que ladeiam o pátio e os jardins, estando a fachada principal orientada a Norte, sobre a Calçada do Marrquês de Abrantes, oferecendo um aspecto repousado, setecentista.


O Palácio dos Marqueses de Abrantes. a Santos-o-Velho  — actual Embaixada de França — situado na Calçada do Marquês de Abrantes, contiguo pelo Nascente a Igreja de Santos. é o sucessor directo do Paço Real de Santos. Fora este paço — do qual. deve dizer-se, não restam vestígios  — começado a erigir por D. Manuel I em 1501, sobre o núcleo de uma casa solarenga que aquele rei adquirira. por escambo [permuta]. a Fernão Lourenço. opulento feitor das Casas da Mina e da Índia, o qual por sua vez. e alguns anos antes. levantara aquele seu solar em terreno aforado às comendadeiras de Santos, senhoras do domínio directo, onde fez arrasar as casas decrepitas do velho mosteiro que no final do século XII D. Sancho I doara aos monges cavaleiros da Ordem de Santiago. e no século seguinte se transferiu para as comendadeiras da mesmo Ordem.

Palácio dos Marqueses de Abrantes [1908-1914]
Calçada Marquês de Abrantes, 121-123; Rua de Santos-o-Velho, 1-11; Calçada Ribeiro Santos (cerca)
 O Corpo destacado, ou frontispício, dividido por pilastras, e no qual se abre, ladeado por janelas falsas, o portal nobre, emoldurado de cantaria; três janelas de sacada, sobrepujadas de áticas, vendo-se sobre a do centro, em pedra de relevo, o pelicano, timbre do brasão dos Lencastres; o frontão superior, em tímpano triangular, sobrepondo-se ao alinhamento geral da fachada, dentro do qual assenta, em grande vulto, e suspenso de grinalda, a pedra de armas dos Lencastres (sete castelos e cinco quinas das armas reais, mas sem o filete negro em contrabanda, indicativo de bastardia).
Charles Chusseau-Flaviens, in Lisboa de Antigamente

O Palácio da Legação de França, propriedade, como dissemos, do Estado francês, e por êste quási integralmente  adornado e mobilado, tem um indiscutível interêsse histórico subjectivo, mas ostenta ainda largas reminiscências dos séculos XVII e XVIII.
No primeiro pavimento, a Sala de Música, de tecto apainelado, com boas pinturas decorativas, impressiona pela sua harmonia, e por um formoso Gobelin «Psyche no Banho», tapeçaria que não é única no palácio. Logo no Salão  Nobre, adornado  de  mobiliário «Directório», de belo tecto em abóbada de cesto, se encontra outro «Gobelin», êste o mais formoso da colecção «Luiz XIV na tomada de Dunquerque».  A Sala de Jantar ostenta outro exemplar daquelas tapeçarias «Bodas de Assuerus e Ester», num conjunto  discreto e composto de nobreza; ainda na Sala de Jantar, de Verão, outro «Gobelin» se admira «A lenda de Artemisa».

Palácio dos Marqueses de Abrantes [1908-1914]
Sala de Música, ou de Baile
Charles Chusseau-Flaviens, in GEH
O Palácio demonstra que algumas salas foram poupadas a restauros de sumptuosidade no tempo dos primitivos possuidores, os Abrantes,  e como o Terramoto poucos estragos  fèz nesta casa nobre, ainda se notam aposentos que recuam ao século XVII. Assim são de citar-se uma capela,  preciosa e quente, de boas pinturas, azulejos de grande valor, uma teia de mármore e madeira do Brasil, tecto apainelado, pintura sacra, e boa talha emolddurando o retábulo do altar. A saleta, que foi sacristia desta capela, notabiliza-se pelos azulejos, com pinturas de «encordado», raras, evidentemente do  século seiscentos, e ainda, por uma figura o «Anjo do Silêncio». à  entrada, cerâmica forte.

Palácio dos Marqueses de Abrantes [1908-1914]
Sala de estar, tapeçaria Gobelin
Charles Chusseau-Flaviens, in Lisboa de Antigamente
Não deve deixar de citar-se uma pequena câmara,  de teto em cúpula, sendo esta revestida interiormente de louças do Japão, da Índia, e algumas peças hispano-árabes, num conjunto original.
Os jardins, em dois planos, são admiráveis, engrinaldando o Palácio de uma atmosfera nobre setecentista, tranquila e repousante, com exuberância de arvoredo numa deliciosa harmonia com as fachadas dos dois corpos do edifício, um dos quais corresponderá à parte palaciana que sucedeu à conventual, e que encosta à Igreja de Santos.

Palácio Abrantes [1908-1914]
Saleta que foi sacristia da capela
Charles Chusseau-Flaviens, in LdA


No Jardim superior que tem por fundo a fachada Sul, posterior da fachada principal, na qual se abrem cinco janelas de sacada e três portas de comunicação para uma sala, situando-se do lado Poente desse jardim a ala transversal do palácio onde se encontram as salas e dependências principais atrás inventariadas; junto à última porta do Salão de Recepção, no ângulo do terraço , nota-se uma mesa, de tampo de mármore carcomido, de quatro pés de pedra, onde, segundo a tradição mantida na família Lencastre, e passada a livros, o Rei D. Sebastião teria almoçado, antes de partir para a infeliz jornada de África.


O actual Ministro da França [em 1938], Mr. Amé Leroy, apaixonado de assuntos históricos, e individualidade de grande sentido artístico, servido por fina cultura, capricha em que o Palácio de França mantenha o ambiente e a gracilidade que a tradição lhe empresta.

Palácio Abrantes [1908-1914]
No terraço do plano superior se encontra a tal mesa de pedra de mármore, rectangular, sem outro interesse que não seja o que Ihe empresta a tradição: ter ali almoçado D. Sebastião na manhã em que se foi para Alcácer Quibir — para nunca mais voltar.
Charles Chusseau-Flaviens, in Lisboa de Antigamente

O pequeno  edifício [foto seguinte] que se integra no corpo do Palácio pertence à Legação da França; construído  em  1927 por René Touzet, de bom estilo barroco dos arquitectos Rebêlos de Andrade, e que ocupa o espaço que foi, primitivamente, a cavalariça do palácio Abrantes, com acesso pelo pátio interior) [ao fundo na 1ª foto]. Nele está instalado o Instituto Francês conforme o atesta a legenda sôbre a elegante varanda do andar nobre.

Palácio dos Marqueses de Abrantes, [ant. 1949]
Calçada Marquês de Abrantes 
Instituto Francês pequeno  edifício construído  em  1927 por René Touzet
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Os Corpos laterais, com um único andar superior, tendo o do lado Nascente, mais comprido, dez janelas de sacada sobrepujadas de cornija, com gradeamento setecentista, e sete janelas falsas, rectangulares e duas portas no pavimento térreo; o do lado Poente, estreito, duas janelas de sacada superiores, e duas janelas falsas no piso térreo..

Palácio dos Marqueses de Abranteslado Nascente [1918]
Calçada Marquês de Abrantes
(Manifestação de regozijo pelo Armistício)
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, pp. 19-21, 1938.
id., Inventário de Lisboa, 1949.

Friday, 11 May 2018

As floristas do Rossio

As floristas do Rossio — no dizer de Alfredo Augusto Lopes — que em 1927-28, usaram batas brancas, que lhes ficavam muito bem, como ficava muito bem ao local, aquelas bancas, todas iguais, com toldos do mesmo padrão, e não sei porquê, ou por outra, porque não interessa, foi «sol de pouca dura»; mas em compensação, vieram as outras vendedeiras, as actuais, com as batas azuis, que, vão mudando de cor, e algumas têm a côr de «certo animal, quando foge», usam também uns «sbouquetes», que  tanto  são  isso,  como  ,são  uma  meias  velhas  enroladas,  o  que  tudo  lhes  fica  muito  mal.¹


Praça Dom Pedro IV [1927]
 As barracas de venda de flores, em torno da estátua de D. Pedro IV; ao fundo, destaca-se o vultoso edifício da Escola Académica.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Os jornais de Lisboa costumam entrevistar todos os anos as  floristas do Rossio. Sobre esse quadro da vida lisboeta, vai citado, a seguir, trecho de uma crónica de Dinah Silveira de Queiroz, aparecida no Correio Brasiliense de 23 de Novembro de 1979: Hoje o Rossio é um jardim movente no qual as mulheres vendem cravos, amores-perfeitos, rosas e até flores artificiais. As de Maria Manuela são finas: botões-de-rosa, que ela arma em buquês, dentro de uma bacia de barro, aqui também chamada de alguidar. A pele lisa, os lábios cheios, esta mulher de quarenta e dois anos vende suas flores desde os oito. Assim, com estas flores e concorrendo com sua voz cada vez mais alta com as outras floristas, também oferece as flores do campo que brotam sozinhas aos olhos de Deus, para transformá-las em modo de viver.²

Praça Dom Pedro IV [1927]
As floristas do Rossio, por tradição, buscavam sempre o lado sul da praça. Os principais dias de venda eram pela Páscoa, Dia dos Finados e Natal.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ Olisipo : boletim do Grupo "Amigos de Lisboa", 1944.
² CASTRO ALVES, Dário Moreira de, Era Lisboa e chovia: todas as personagens de Eça na Lisboa bem-amada, 1984.


Wednesday, 9 May 2018

O Caracol da Penha

O olisipógrafo Norberto de Araújo caracteriza da seguinte forma este curioso e sinuoso arruamento que liga o alto da Penha — a encosta na colina mais alta de Lisboa  — ao velhinho sítio de Arroios:

Ora aqui chegamos ao desejado ponto final dêste passo de jornada: o antigo Caracol da Penha que conduzia à Cabeça de Alperche.
Esta Cabeça — ou Cabeço — é desde há muito o alto da Penha de França; o Caracol tomou desde 1891 o dístico de Rua Marques da Silva.
Enveredemos por ela. E vamos devagarinho, pois bem íngreme é. À direita, quási no alto, ai temos um desenho de povoamento modesto, que foi o primeiro neste sitio, sob o amparo da Igreja, e hoje quási despercebido a quem passa. 

O Caracol da Penha [190-]
Actual Rua Marques da Silva
Em primeiro plano vê-se a Rua Passos Manuel, de seguida a Rua de Arroios, e paralela a estas, o troço da Av. Almirante Reis, compreendido entre a as ruas Marques da Silva (antigo Caracol da Penha) e a futura Rua Pascoal de Melo, que será rasgada, por volta de 1910, nos terrenos que se vêem do lado esq. da foto; altaneira, a Igreja e antigo Convento de Nossa Senhora da Penha de França.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

 Logo a seguir olha-me esta espécie de castelo, de cimento armado [logo abaixo da torre sineira], e que de quási tôda a Lisboa se vê: é um depósito da Companhia das Águas, começado a construir em 1929, e terminado em 1932, com a capacidade de seiscentos metros cúbicos e que tem a particularidade de manter a pressão para a elevação das águas aos sitios mais altos da cidade.
Ora, Dilecto, neste ponto descansemos. Aqui temos mais um miradouro de Lisboa. Cousa bela, a cidade surpreendida dêste lado!

Panorâmica sobre a Penha de França [190-]
Actual Rua Marques da Silva
Igreja e antigo Convento de Nossa Senhora da Penha de França
Fotógrafo não identificado, in in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, p. 16, 1938.

Sunday, 6 May 2018

Alto da Penha de França: a Cabeça de Alperche

Esta Cabeça — ou Cabeço  — diz Norberto de Araújo, é desde há muito o alto da Penha de França [...]

O Alto da Penha de França, nem por estar afastado da cidade central, e em absoluto fora do trânsito normal, deixa de ser um sítio lisboeta puro, com ressonância evocativa, e sempre presente aos olhos da Lisboa debruçada para lá do vale natural da Avenida de Almirante Reis. Aí temos o edifício da Igreja.

 

Não te posso poupar às duas palavras da nossa costumada regressão histórica. A primitiva Ermida da Penha de França, neste lugar, data de 1597, e foi seu fundador um escultor de imagens António Simões, que julgando-se perdido nas plagas de Alcácer Quibir fez voto de fabricar umas tantas imagens de Nossa Senhora e de lhes dar condigno destino se voltasse à Pátria. À última imagem saída da sua oficina chamou «Senhora da Penha de França»invocação castelhana de um santuário em Salamanca, imagem que esteve primeiramente na Ermida da Vitória, na Caldeiraria (Igreja da Vitória, na Baixa actual). 

Alto da Penha de França — a Cabeça de Alperche [c. 1900]
Ermida da Penha de França
Artur Bárcia, in Lisboa de Antigamente
  
Depois, alcançando neste sitio — a Cabeça de AIperche — a cedência de uns terrenos que eram de Afonso Tôrres de Magalhãis, aqui fez construir a Ermida (e nasceu a lenda do lagarto da Penha), sendo a imagem transferida para o seu santuário naquele ano de 1597, ainda o pequenino templo não estava concluído, o que só sucedeu em 1598. A primeira Irmandade foi a dos «Fidalgos Marítimos»; a devoção cresceu rapidamente, passando esta Cabeça de Alperche a ser uma atracção devota de Lisboa, com seu aspecto de romarias domingueiras, pois o sitio a isso se prestava.

Alto da Penha de França — a Cabeça de Alperche [c. 1900]
Ermida da Penha de França; Caracol da Penha, actual Rua Marques da Silva. Do lado do O., mostra o monte a sua maior altura, com um declive muito íngreme, por onde antigamente subia o tortuoso caminho, denominado Caracol da Penha de França, que hoje está substituído por uma sofrível estrada orlada de árvores e iluminada a gás. [Leal: 1876]
Artur Bárcia, in Lisboa de Antigamente

 

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, pp. 16-17, 1938.

Friday, 4 May 2018

Brazileira do Rossio

Esta Brasileira, n.°' 51 a 53, foi fundada em 1911; antes existira aqui uma chapelaria, que datava de 1820. A Brasileira, cujas tradições são apenas aquelas ligadas à agitação política dos últimos trinta anos, foi restaurada em 1938 pelo arquitecto José Simões. O estabelecimento possue salas de bilhar no primeiro e segundo andar do prédio, com porta de entrada pelo n.° 43[?] [n.º 78 da Rua Primeiro de Dezembro].


Brasileira do Rossio [post. 1911]
Praça de D. Pedro IV, 51 a 53 
A fachada e interiores deste café, com inspiração «art-nouveau», eram um bom exemplo 
lisboeta da arquitectura do ferro e vidro
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

Ainda em 1911 — depois dos tumultos da noite de 26 de Novembro — a montra da Brasileira do Rossio foi atingida por tiros aquando da expulsão de duas curandeiras chinesas, Ajus e Joé, as «Chinezas Milagrosas», dizia-se, praticavam milagres que consistiam em extrair "uns bichos dos olhos"

Brazileira do Rossio [1911]
Praça de D. Pedro IV, 51 a 53 
A montra do café a Brasileira do Rossio depois dos tumultos da noite de 26 de Novembro, 
aquando da expulsão das «chinesas milagrosas».
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

A «Brasileira do Rossio» passaria por várias reparações mantendo-se contudo, o seu aspecto de 1900 da fachada e do salão principal. Em 1938 teve intervenção significativa, com a criação de uma sala de bilhares com entrada pela Rua Primeiro De Dezembro, 78 (antiga do Príncipe), sendo o projecto do Arquitecto José Simões. «A Brasileira do Rossio» (na altura propriedade da firma Cafés Reunidos), encerraria em 1960. Reabertura temporária, com o tecto original alterado, durante alguns meses de 1966.

Brasileira do Rossio [1944]
Praça de D. Pedro IV, 51 a 53
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 71. 1939.

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