Estamos numa das praças mais lindas, e mais «alfacinhas» de Lisboa — a Praça do Rio de Janeiro [e de novo, desde 1948, do Príncipe Real]. Deves ter no ouvido algumas das designações deste largo terreiro e eu, — diz Norberto de Araújo — sempre por curiosidade, tas relembro pela ordem das idades: «Chãos da Ferrôa» no século XVI, a mais antiga que se lhe conhece; «Alto da Cotovia», denominação que perdurou mesmo através de outros dísticos posteriores, municipais e populares; sítio das «Casas do Conde de Tarouca», cerca de 1755; «Patriarcal Queimada», depois de 1769; sítio das «Obras do Erário Novo», em 1810-1815; «Praça do Príncipe Real», em 1855; «Praça do Rio de Janeiro» depois de 1911.
Em boa verdade esta Praça é das mais modernas da capital, no seu aspecto urbano e paisagista; data assim de 1879. A sua regularidade é contudo notável, e respira um ar sadio, gozando desafogo, uma relativa tranquilidade, e oferecendo curiosos aspectos: pousio de «reformados» à sombra do velho cedro copado, com sessenta anos idade, brinco de crianças, jardim «de estar» dos nostálgicos e desocupados inocentes.
Pois, Dilecto, sentemo-nos também à sombra do cedro, ouvindo cantar o repuxo do lago, que mal se distingue no murmúrio afogado do conjunto entre o espesso arvoredo que tem resistido às devastações do tempo.
Um pouco antes de 1755, neste alto cômoro da Cotovia, sobranceiro sobre a ponta do Salitre e portas de Valverde — mais largo para norte do que é hoje [em 1938], depois de urbanizado — existia apenas o Palácio dos Penalvas, à esquina das actuais Escadinhas da Mãe d'Água, e ao fundo do curto Arco do Evaristo. No centro da actual Praça andava o Conde de Tarouca construindo um Palácio, e ao local, por isso, chamava o povo «Casas do Conde de Tarouca», e o povo crisma a seu bel-prazer os sítios e as coisas, de modo que as denominações acabam por entrar na linguagem oficial e, quando as Câmaras as alteram ou corrompem, levam lustros, levam até séculos a apagar-se.O Terramoto abalou inteiramente o edifício Tarouca soerguido, resignando-se o fidalgo no infortúnio, e compondo versos sobre os destroços.Como a Patriarcal, que estava assente na Capela Real do Paço da Ribeira, tivesse ardido no dia do horroroso cataclismo, deliberou-se, após hesitações, transferir a Basílica para os restos, de pé, do palácio Tarouca, na «Cotovia»; a bênção foi dada em 26 de Junho de 1756, e logo nesse ano se realizou uma procissão, depois repetida, que deu o nome à Rua da «Procissão» (desde há poucos anos denominada de «Cecílio de Sousa»).
E a Igreja [armada em madeira] foi-se construindo, no edifício adaptado; era imponente: três naves, largo cruzeiro, quinze capelas, um zimbório oitavado, e anexos esplêndidos. Treze anos perdurou: a Patriarcal foi devastada por um terrível incêndio em 10 de Maio de 1769, obra criminosa de um empregado da Igreja, que pelo fogo queria ocultar seus sacrílegos roubos; foi justiçado, depois de lhe cortarem as mãos no próprio local onde os escombros fumegavam ainda. E aí está a origem da designação de «Patriarcal Queimada».[...]As ruínas e montes de pedregulho ficaram por aqui durante dezenas de anos, ninho de valhacoutos. Em 1807 pensou-se em levantar no sítio o novo Erário Régio, a casa do Tesouro (pois ardera o do Rossio) mas o projecto, que era do Visconde de Vila Nova da Cerveira, não teve seguimento, embora se chegasse a começar a obra, e nela se gastassem alguns milhões de cruzados.Em 1841 ainda o sítio continuava a ser vazadouro público e albergue de patifes. Só em 1856 se começou a terraplanar o local, que pouco depois recebeu iluminação. Já chamada «Praça do Príncipe Real», em 1859, começou então a estudar-se o seu aformoseamento, com a construção dum lago, por acordo entre a Câmara e a Companhia das Águas; os restos da «Patriarcal Queimada» foram então destruídos a tiros de pólvora.
Praça do Príncipe Real |1945| Antiga Praça do Rio de Janeiro Localizado no subsolo da Praça, existe o Reservatório da Patriarcal, projectado em 1856 pelo eng. francês Mary. Construído entre 1860 e 1864 para servir a rede de distribuição de água da zona baixa da cidade. Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Praça do Príncipe Real |1945| Antiga Praça do Rio de Janeiro No centro da praça está o monumento-memória a França Borges, o jornalista fundador de «O Mundo», foi erigido em 1924; é obra de Maximiano Alves; à dir. observa-se destaca-se o Cedro-do-Buçaço, árvore secular com mais de 20 metros de diâmetro.Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente |
Em 1864 regularizou-se a disposição da Praça, tornando-a quadrada, e alinhando algumas edificações que entretanto se tinham erguido, o que tudo se concluiu em 1863. Construiu-se então a muralha sobre a Rua da Procissão e plantou-se este magnífico jardim, que estamos contemplando.
O «Príncipe Real» começou a existir, pequeno parque e logradoiro, com a sua ingenuidade, o seu repuxo e a sua «memória esquecida» de anteriores desgraças. E assim até hoje…==
N.B. A Praça tem este nome em homenagem ao filho primogénito da Rainha D. Maria II, o futuro rei D. Pedro V — nasceu no Palácio das Necessidades, a 16 de Setembro de 1837, recebendo o nome de Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga Xavier João António Leopoldo Vítor Francisco de Assis Júlio Amélio; morrendo no mesmo local, a 11 de Novembro de 1861.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. V, pp. 65-68, 1938.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. V, pp. 65-68, 1938.