De regresso à Avenida D. Carlos, uma curta paragem no Quartel dos Bombeiros, construído no sítio do antigo Convento da Esperança, entre 1891-1892, e do qual foi primeiro comandante o capitão Augusto Gomes Ferreira. Após a morte deste comandante, a Câmara deliberou, em 1901, designar a até então denominada «Caserna da Esperança» por «Caserna Augusto Ferreira». Data dos primeiros anos da segunda metade do século XIX a reorganização do Serviço de Incêndios e a designação de Corpo de Bombeiros Municipais de Lisboa; esta designação manteve-se até ao segundo quartel do século XX, quando da constituição do Batalhão de Sapadores de Bombeiros.
Ora agora peço-te que repares neste recanto irregular, inestético, que se situa à direita do
Chafariz [da Esperança], contíguo aos terrenos do
Quartel n.º 1 dos Bombeiros Municipais. Era ali o
pórtico de entrada do Mosteiro da Esperança — recorda Norberto de Araújo.
Foi este Mosteiro de que nada resta, senão a memória — que deu origem às designações toponímicas «Esperança», que subsistem. Mas da Esperança — tão lindo nome — porquê?
Em 1530 D. Izabel de Mendanha — apelido de família castelhana que veio para Portugal em tempo de D. Afonso V — fundos neste sito um Convento de Nossa Senhora da Piedade, «para senhoras sobres», e que foi dos mais formosos e celebrados da capital.
Chamava-se como digo, a Casa religiosa, «da Piedade», ou mais rigorosamente, de Nossa Senhora da Piedade, a que se acrescentava «da Boa Vista», porque ficava neste sítio. Pertencia o Mosteiro à regra de S. Francisco; era rico e de grande qualidade, recheado interiormente de preciosidades de arte, assim Igreja como aposentos, embora seu exterior fosse trivial.
O Terramoto pouco o sacrificou, mas pronto fot restaurada, e até 1834 continuou a ser Casa religiosa. Depois entrou, como todos na posse do Estado.
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Sítio da Esperança: Convento e Quartel dos Bombeiros |1930| Avenida Dom Carlos I Só em 1881 começaram a ser demolidas as antigas Casas conventuais, e outros prédios vizinhos, para se rasgar a Avenida actual, e inaugurada, como te disse acima, em Dezembro de 1889. Mas parte da Casa religiosa foi durando até à última década do século passado [XX]. António Novais, in Lisboa de Antigamente |
Mas, Dilecto, dirás tu: se o Mosteiro era de Nossa Senhora da Piedade porque passou a ser, e ainda é hoje, na sua memória, «da Esperança»? Pois sempre te quero contar e vale a pena.
Este sítio era, à borda do rio, muito de marítimos. E os homens do mar foram sempre dados a devoção, tão singela quanto sincera. Constituíram uma irmandade de pilotos e mestres náuticos intitulada de Nossa Senhora da Esperança. Prosperou de tal que se tornou o fulcro devoto do Convento, a gente plebeia em seu prestígio a classe nobre à que o Mosteiro estava ligado.
Fenómeno bem edificante! E o Mosteiro deixou de ser chamado da Piedade — da nobreza que o fundara — , para passar a ser da Esperança — dos marinheiros que a ele se chegaram.
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Convento de Nossa Senhora da Piedade da Esperança e Cruzeiro da Esperança Pormenor da Maqueta de Lisboa antes do Terramoto de 1755 Museu de Lisboa, CML |
No Mosteiro da Esperança se recolheu em 21 de Novembro de 1667 a Rainha D. Maria Francisca de Sabóia, mulher de D. Afonso VI, e nele se conservou até que à triste contenda entre irmãos, filhos de D. João IV, se resolveu a favor do que veio a ser D, Pedro II,
O Mosteiro era rico de materiais e de recheio. Uma parte do que tinha mérito artístico integrou-se na Academia de Belas Artes, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga,
No sítio do Convento fez-se erguer o Quartel dos Bombeiros Municipais n.º 1, em 1891-1892, ocupando a área da casa religiosa, igreja e quási a totalidade da Cerca, O primeiro comandante foi o capitão Gomes Ferreira, ao qual se deve o incremento que tomou o edifício municipal, ainda que com prejuízo da arqueologia local, Parte dos materiais do Convento, pedras, colunas, arcos, guarnições, foi aproveitado na construção de pavilhões, obra dirigida pelo venerando arquitecto José Luiz Monteiro; os azulejos do pavilhão com face ao pátio, as janelas geminadas e os balaústres correnteza da galeria, são do século XVII. Mas tudo isto, que é pouco, passa despercebida à vista.[...]
Várias obras têm sido levadas a efeito no Quartel de 1892 à actualidade; as reminiscências arquitectónicas da casa monasteiral são poucas à vista: colunas, arcarias de volta perfeita, capitéis de mármore pintado em policromia. No chão da actual serralharia foram encontradas em 1930 algumas ossadas, que voltaram a ser cobertas de lagedo, dormindo o sono no local onde baixaram há séculos.
Na parte poente do Quartel elevou-se em 1912 uma muralha de suporte dos prédios da
Rua da Esperança, que ameaçavam cair sobre a parada do Quartel; vê-se da rua.
Na
parada de entrada, ao fundo, na face do muro que ampara a Cerca superior — pedaço rústico — há uns azulejos ali colocados há meia dúzia de anos
[c. 1930], e que vieram do
Palácio Folgosa da Rua da Palma, quando este foi encurtado para rectificação da rua, e passou à Câmara, As carrancas que aqui se vêem provieram do
Palácio Silva Amado, ao Campo de Sant'Ana.
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Sítio da Esperança: Convento e Quartel dos Bombeiros, lado da parada |1935| Avenida Dom Carlos I Muitos dos belos panos de azulejos que adornavam o Convento foram doados às escolas industriais de Lisboa e do Porto, e boas pinturas passaram ao Museu das Belas Artes. Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
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Sítio da Esperança: Convento e Quartel dos Bombeiros, lado da parada |1930| Avenida Dom Carlos I Bombeiros Voluntários Lisbonenses em exercícios. Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente |
E para terminar este passo da jornada, ocorre-me dizer-te que era defronte do Chafariz que se erguia o Cruzeiro da Esperança, telheiro colocado sobre pilares de ferro, com vidraças, e rodeado por duas escadas circulares de cantaria,
Era um monumento ingénuo da piedade popular, sem a beleza do Cruzeiro de Arroios, mas respeitável.
A urbanização do local investiu com ele. Numa bela noite de Janeiro de 1835, a Câmara, de surpresa, desmanchou aquele conjunto, e removeu a Cruz, a imagem de N. Senhora da Piedade, e outros adereços, para o Mosteiro, acabado de expropriar às freiras — mas que desde logo não perdeu o carácter religioso, mantendo-se o culto durante algum tempo.
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Cruzeiro da Esperança | sécs. XVI-XVII Sítio da Esperança: Convento e Quartel dos Bombeiros Cruzeiro da Esperança - removido uma bela noite de Janeiro de 1835 - , esculpido de um lado a imagem de Cristo Crucificado, e do outro, uma Nossa Senhora da Piedade. Conservação e restauro da escultura do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga em depósito no Museu de Lisboa. Trabalho realizado por Pedro Lino, escultor e técnico de conservação e restauro de materiais pétreos. |
O sitio da Esperança!
As casas do Duque de Aveiro, o Mosteiro das donas nobres, & devoção dos mesteirais do mar, o Cruzeiro, a estrada antiga, à evocação da Quinta da Sizana e das hortas da Boa Vista...
Pois não podíamos ficar sempre nisto. Uma urbe tem as suas exigências; a evolução urbanista é um crescimento fisiológico nas cidades.
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Sítio da Esperança: Convento e Quartel dos Bombeiros |195-| Avenida Dom Carlos I Antiga do Presidente Wilson, Avenida das Cortes, antes Rua Dom Carlos I (1889), antes Rua Duque de Terceira (1866), antes Rua dos Ferreiros à Esperança, antes Rua dos Ferreiros a Santa Catarina) e Travessa Nova da Esperança. António Passaporte, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VII, pp. 23-26, 1938..