Este Regueirão — recorda-nos Norberto de Araújo — é anterior até à própria Rua dos Anjos. Já te disse que esta serventia foi vale natural, onde depois de correr água, nos séculos velhos, correu o trânsito.
É triste, apático – feio este Regueirão. Uma notazita isolada de pitoresco sombrio, e por aqui se fica. Mas sigamos por ele.
Nota-me já esta particularidade: as casas, quási todas de traseiras de prédios, têm ao nível antigo da rua estabelecimentos e oficinas – muitas serralharias e depósitos – com as portas em ferro. E porquê? Porque aquando das enxurradas nas invernias fortes tudo isto se inunda; o velho leito do vale, desaguadouro forçado, faz valer os seus direitos. Do lado esquerdo podes notar esses quintais tristes, e algumas moradias do tipo antigo suburbano do século passado [XIX].
Logo a uns cem passos é o Regueirão atravessado pelo viaduto da Rua Álvaro Coutinho; poucos passos andados aí temos êsse curioso arco abatido de perspectiva singular, que faz passar o arruamento sob a Ermida do Resgate e Almas, cuja fachada está na Rua dos Anjos; um outro viaduto aparece a seguir sobre a Rua, também moderna, de Febo Moniz.
Arco do Regueirão dos Anjos sob a Rua Febo Moniz [1949] [...] um outro viaduto aparece a seguir sôbre a Rua, também moderna, de Febo Moniz. Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Ora repara nesse documento olisiponense encostado ao suporte poente deste viaduto: uma obra «feita à custa do real do povo pelo Senado da Câmara em 1685» — segundo diz a lápide camarária. Era uma bica ou fonte, de pública serventia, que em 1917 foi renovada, segundo a data gravada o indica, e que o ano passado (1937) foi definitivamente entaipada, por as águas sofrerem de inquinação. A histórica bica — secou. É hoje uma breve «memória» do sítio, rico de fontes e nascentes.
O Regueirão sonâmbulo — conclui mestre Araújo — prolonga-se até à transversal Rua de Francisco Foreiro. Abandonemo-lo a si próprio.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. IV, pp. 73-74, 1938.