A razão porque se chama «da Alegria» não a sei — diz Norberto de Araújo — , nem creio que alguém a conheça. Matos Sequeira, que muito estudou (não se limitou a apontar) estes sítios, não nos diz algo; conjectura. Por o local ser ameno, lavado de ares, ridente por natureza?
Eu lembro que as designações de sítios partiam quasi sempre de lindas invocações religiosas, tal a «Glória», a «Estrela». Ora eu adquiri, há anos, uma imagem de N.ª Sr.ª da Alegria, e que bem pode corresponder a uma invocação pessoal, caprichosa, pois «Alegria» não consta dos oragos de qualquer região do país. Mas também pode suceder que a poética religiosa se comprazesse numa invocação, que não chegou até nós em documento vivo.
A Alegria, pois, é posterior ao Terramoto; a razão porque a Basílica de Santa Maria Maior era a detentora de grande parte dos domínios directos por aqui, não a sei. Lisboa está cheia de lapides foreiras à «Basílica», a «S. M. M.», à «Sé».
Os prédios por aqui datam, os mais antigos, do princípio do século passado, ou da agonia do século XVIII, e a maioria deles são de 1840-1850. [...]
Cabe aqui dizer-te, Dilecto, ou lembrar-te, que um tempo houve — ainda isto por aqui mal povoado andava (em 1778 havia apenas oito prédios formais de feição pombalina) — em que este largo ou praça se chamou «do Suplício». Uma certa Dona, Izabel Xavier Clesse, além de atraiçoar seu marido, o marchante Tomaz Goilão, lembrou-se de - o envenenar. Foi neste local enforcada em 31 de Março de 1771. O povo durante três anos designou a Praça pelo sucesso que a infamara; depois, esqueceu-se.
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Palácio Azul Praça da Alegria, Feira da Ladra na (1809-1818) da autoria de Nicolas Delerive Actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga |
Oferece uma certa curiosidade na sua fisionomia e desenho o prédio do lado nascente, caindo sobre o Sul, n.°' 9 a 11, no qual está instalada a esquadra da Polícia «da Alegria» que teve há anos a sua sede na Rua das Portas de Santo Antão. Foi este o famoso «Palácio Azul», de que muito se falava (apenas por estar pintado de azul) há cem anos. Construiu-o, pouco mais ou menos em 1796, D. Álvaro de Távora, Conde de S. Miguel, que casou com D. Luiza de Pilar de Noronha, filha dos Condes dos Arcos; em 1832 foi Quartel do Estado Maior General, e no ano seguinte sede dos Conselhos de Guerra. Em 1840 pertencia a propriedade ao Barão de Alrneirim, pai de Anselmo Braamcamp Freire, que nesta casa nasceu; em 1845 sofreu transformações que não lhe alteraram o curioso semblante. E ai está hoje quasi como há cem anos, no seu exterior.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, p. 29, 1939)
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[Inscrição na gravura] «Vista da antiga praça da Alegria, com a feira da
ladra; aguarela comprada* por 1:000 reis ao saloio Aniceto da quinta
das Córtes aos Olivaes em 22 de Fevereiro de 1882.»
*terá sido adquirida pelo Visconde Júlio de Castilho (nota consta no AML) |
Ainda de acordo com o mesmo autor «a
Feira da Ladra (ou da Lada?), é um mercado lisboeta que remonta ao
século xII, e cuja avó foi aquela que se realizava, um dia por semana,
no Chão da Feira, ao Castelo, com carácter muito diverso do que oferece
hoje. Em
1430 estava no Rossio; onde perdurou até ao Terramoto, passando
depois para as antigas hortas de Valverde (Praça da Alegria de Cima, imagem acima),
mas irradiando depois, por abuso dos feirantes, até aos
Restauradores de
hoje. Em Fevereiro de
1823, transferiram-na para o
Campo de Sant'Ana, de
onde após cinco meses de mal contente pousio voltou para o Passeio
Público (Alegria). Em Maio de 1835, tomou para Sant'Ana, onde esteve até
Abril de
1882, que foi quando a Câmara a fez rodar para o
Campo de Santa Clara, por poucos dias, é certo, pois os feirantes protestaram,
talvez por ficar longe, tornando a Feira a Sant'Ana. Finalmente —
decorridas apenas algumas semanas — em l de Julho de 1882, velha Feira
da Ladra teve em definitivo seu lugar marcado neste sítio, e em Santa Clara se conserva desde há cinquenta e sete anos
[cento e quarenta] .==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VIII, pp. 72-73, 1938)
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Palácio Azul |1968| Praça da Alegria, 9-11 «Hoje há-as de todas as
cores, desde o amarelo-canário ao verde-salsa, e ninguém faz dissomaior reparo. Num anúncio de 1836, lê-se : «Vende-se uma parelha de
cavalos de sege e traquitana que se podem ver na praça da Alegria, nas
«cavalariças do Palácio Azul, e ajustar com o dono na «rua nova da Alegria n.° 11, 2.° andar». Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |