Um recanto aberto, impregnado de melancolia, é este do Pátio de D. Fradique. Nado e criado à sombra do Castelo,
passagem do Chão da Feira para o Menino Deus, este Pátio tem qualquer
cousa de original na Lisboa do pitoresco urbano. De seu título ele evoca um D. Fradique Manuel, que teve aqui casa, e da qual advém o Palácio dos Condes de Belmonte, senhores no sítio, cujo pórtico brasonado de Figueiredos e Cabrais, se abre numa lateral do primeiro compartimento [vd. 2ª foto].¹
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Pátio de D. Fradique [ant. 1938]
Portal de acesso ao pátio de D. Fradique na Travessia do Funil, 12; [Rua do Chão da Feira]
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Uma curiosidade lisboeta é este Pátio de D. Fradique. Ele constitui o
prolongamento natural do Chão da Feira, que acabamos de ver com a sua
Porta de S. Jorge e os seus dois cubelos circulares decorativos, e do
qual se passa ao Contador Mor através de três serventias curtas e
estreitas: as travessas de S. Bartolomeu, do Chão da Feira, e do Funil,
está já contígua ao Pátio. [...]
Contém-se o "sítio" numa área pequena
que abre com um portal simples, aqui no topo do Chão da Feira, e fecha
com outro na Rua dos Cegos; este recinto logo da entrada é que constitui propriamente o Pátio, pois que o recinto mais largo, passado o
arco ou passadiço, bem pode chamar-se um terreiro, como dantes se
chamou "Hortas de D. Fradique".
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Palácio Belmonte no pátio de D. Fradique «de Cima» [1907]
Portal nobre do solar dos antigos senhores da Ota e de Belmonte, janela central da
fachada sul encimada pelas armas dos Figueiredos — cinco folhas de figueira, em aspa,
em campo rodeado da legenda «Pro Deo et Pro Patria. P.N.A.M» Travessa do Funil, 12; à direita observa-se o passadiço, de acesso ao terreiro ou Pátio
de D. Fradique «de Baixo»
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente |
Este recinto, no seu todo, constitui
serventia pública de passagem, com portas sempre escancaradas, embora
seja de propriedade particular.
Quem deu nome ao Pátio? Supôs-se, com
certa verosimilhança, que fosse um D. Fradique de Toledo, comandante
general das tropas de Filipe IV, de Espanha, e comandante geral de uma
esquadra saída de Lisboa, e que, em 1625, tomou a cidade da Baía aos
holandeses.
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Pátio de D. Fradique [1907] A antiga "Porta de D. Fradique" é hoje um passadiço abobadado (com 22 metros
de comprimento por 3 e meio de largura) que liga os dois pátios: o Pátio «de Cima» (Palácio Belmonte) e o Pátio «de Baixo» ([Pátio de D. Fradique). Pode ver-se no topo do passadiço, de lado a lado, um oratório/capela dedicado a Nosso Senhor do Livramento, ali colocado em 1878 e por onde se chegava pelas duas escadas laterais que se vêem na foto. Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente |
Este D. Fradique, Marquês de Valdueza, tinha um irmão, D.
Fernando, homem de ruins fígados, que foi, aqui no Castelo, comandante
dos presídios castelhanos, os quais situados na Praça Nova deitavam sobre a área do actual Pátio; D. Fradique talvez aqui tivesse morado, e
tem-se escrito que ele próprio foi comandante dos presídios.
Parece,
porém, incontroverso que o D. Fradique, que deu nome ao local, tivesse
sido D. Fradique Manuel, em 1518 moço fidalgo do Rei Venturoso, pois é
certo que antes do domínio espanhol em Portugal já a este Palácio,
«senhor» do Pátio, andava ligado o nome de «Fradique».²
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Pátio de Dom Fradique «se Baixo» [c. 1940] A fachada do Palácio Belmonte virada para o rio e para o Pátio d«e Baixo», evidencia as sobreposições e acrescentamentos a que o edifício foi submetido ao longo dos séculos, destacando-se o amplo terraço, sobre uma casa térrea do Pátio de D. Fradique «de Baixo», guarnecido de uma fina balaustrada, ao centro da qual blasona a pedra de armas dos Figueiredos e Cabrais
O caminho à esquerda conduz ao portal na Rua dos Cegos Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Com efeito no meado do século XV, um corregedor de Lisboa, Brás Afonso Correia, possuía neste sitio uns terrenos e casas que comprara (1449) a um Aires da Silva, e meio século depois (1508) adquiriu à Câmara mais um pedaço de chão e quintal. Esta propriedade de Brás Correia, que foi instituída em cabeça de vinculo pelo mesmo Brás em 1520, situava-se no que veio a ser depois o Pátio de D. Fradique «de Cima», que é aquele onde se rasga o portal do palácio.
Foi no final ainda do século XVI o no começo do século XVII que um descendente do corregedor do Lisboa (Rui de Figueiredo?) teria dado às suas casas quinhentistas, encostadas ao muro da Alcáçova, a forma apalaçada que em parte ainda hoje ostenta, no Pátio «de Cima». Em 1684 um descendente do fundador da Casa, Pedro de Figueiredo Alarcão, comprou umas casas e hortas, contíguas ao seu palácio pelo Nascente (Pátio de Baixo), ao 4.º Conde de Atalaia, D. Luís Manuel de Távora, quarto neto de um D. Fradique Manuel, descendente em linha directa, por bastardia, de um D. João Manuel, bispo de Ceuta e capelão mar de D. Afonso V, e filho natural do Rei D. Duarte.
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Pátio de D. Fradique «de Baixo» [1968]
À esquerda vê se parte final da fachada sul do Palácio Belmonte; o carreiro à direita conduz ao portal na Rua dos Cegos [vd. foto seguinte]
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
Fora aquele D. Fradique o transmissor de seu nome ao Pátio «de Baixo», denominação também atribuída a uma porta da Cerca Moura, situada onde existe hoje o corredor abobadado que faz ligação com os dois pátios [vd. 3ª foto], ou, melhor com os dois recintos do Pátio de D. Fradique, e ainda às «Hortas de D. Fradique». Desapareceram pois os Manuéis (Atalaias) desta sitio, ficando toda a propriedade unida no vinculo dos Figueiredos (1684), no Pátio de D. Fradique. O Palácio sofreu pelo Terramoto (era então de Rodrigo António de Figueiredo Alarcão) bastantes estragos, cujas obras de restauro o devem tem em parte desfigurado. Andou depois, em vários períodos, arrendado totalmente, quer na sua parte nobre quer suas dependências modestas.
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Pátio de D. Fradique «de Baixo» [1961]
Portal na Rua dos Cegos, 44
Ao fundo vê-se o Palácio Belmonte e passadiço abobadado que liga os dois pátios
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente |
No interior do Palácio Belmonte cumpre salientar as salas temáticas, os
tectos apainelados ornamentados e o património
azulejar. Classificado como Imóvel de Interesse Público é, actualmente,
uma unidade hoteleira (Palácio Belmonte, no Pátio «de Cima» [vd. 1ª foto]. O Pátio de de
D. Fradique «de Baixo» é propriedade da edilidade e encontra-se
em ruínas (e ao abandono).⁴
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Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, Vol. III, p. 47-48, 1938.
² idem, Legendas de Lisboa, p. 186, 1943.
³ idem, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, pp. 39-41, 1947.
⁴ monumentos. pt; igespar.pt.