Sunday, 1 June 2025

Rua da Boavista

A origem do nome do sítio é projecção toponímica do Alto da Boa Vista, ou seja, ou Alto do Belver ou Belveder actual Alto de Santa Catarina. Não quero deixar de observar-te — recorda o ilustre Norberto de Araújo — que as edificações desta artéria da Boa Vista, do lado Sul, não levam cem anos (c. 1840). O edifício da Companhia do Gás sucedeu ao antigo Quartel da Brigada Real de Marinha. Foi aqui a primeira Fábrica do Gás, cujo privilégio concedido a Claudio Adriano da Costa e ao francês José Detry, datava de 3 de Maio de 1846

Rua da Boavista |ant. 1914|
O edifício do lado esq., até à esquina com o Boqueirão dos Ferreiros pertencia à «Companhia Lisbonense de Iluminação a Gaz»; em ampliando a foto observam-se, ao fundo, os sete arcos do do prédio nº 67 erguido pelo industrial Ferreira Pinto em meados do séc. XIX para «palacete de família, e constitui ainda a única nota decorativa urbana da Rua da Boa Vista.» [Araújo, 1939]
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local da foto não está identificado no abandalhado amL

De facto, foi junto ao rio, meio de transporte privilegiado, que a «Companhia Lisbonense de Iluminação a Gaz» instalou, em 1846, a sua primeira fábrica de Gás; e, dois anos depois, em 1848, já Lisboa inaugurava a iluminação a gás, com 28 candeeiros, nas ruas da Baixa (Rua dos Capelistas, Rua do Ouro e Rua da Prata), no Chiado, na Rua do Alecrim, no Cais do Sodré, em S. Paulo e na Boavista.

Rua da Boavista |1940|
Companhias Reunidas de Gás e Electricidade: fachadas Norte e Oeste.
Kurl Pinto, in Lisboa de Antigamente

Em 1914 deu-se na fábrica a formidável explosão que originou dezanove mortes, e o fabrico do gás passou então, inteiramente, para o Bom Sucesso — vizinhança da Torre de Belém — , onde ase manteve até 1949.

Rua da Boavista |1914|
Topónimo anterior ao terramoto de 1755, como vem mencionado nas Memórias Paroquiais.
Incêndio no edifício da Companhia de Gás.
Anselmo Franco, in Lisboa de Antigamente

Friday, 30 May 2025

Um «americano» no Terreiro de Trigo

São, efectivamente, posteriores ao triunfo do liberalismo em Portugal, os primeiros transportes colectivos urbanos que cruzaram as ruas de Lisboa. Data de 1803 o aparecimento do omnibus, puxado a muares, para a exploração dos quais se constituiu uma Empresa de Transportes com sede na Praça do Pelourinho. No entanto, incómodos, caros e raros, o povo miúdo pouco beneficiou com eles. Verdadeiramente populares e servindo já vastas zonas da cidade foram os seus sucessores, os carros americanos, inaugurados em Lisboa em 1874.

Um «americano» no Terreiro de Trigo |séc. XIX|
Antigo Campo da Lã. O topónimo advém da presença no local do edifício do Celeiro Público ou Terreiro do Trigo depois Mercado de Produtos Agrícolas e mais tarde (1937) Alfandega de Lisboa que vê ao fundo.
Imagem tomada do Palacete do Chafariz d'El-Rey, ou Palacete das Ratas.
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 25 May 2025

Lisboa vista de Almada

Grande panorama! — disse o Conselheiro com ênfase. — E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla! Os estrangeiros invejavam-na imenso. Fora outrora um grande empório, e era uma pena que a canalização fosse tão má, e a edilidade tão negligente!
— Isto devia estar na mão dos ingleses, minha rica senhora! —exclamou. Mas arrependeu-se logo daquela frase impatriótica. Jurou que era uma maneira de dizer. Queria a independência do seu país; morreria por ela, se fosse necessário; nem ingleses nem castelhanos!... Só nós, minha senhora! — E acrescentou com uma voz respeitosa: — E Deus!

Lisboa vista de Almada |c. 1870|
Margem S. do Tejo.
Laurent, J. (1816-1886, in Lisboa de Antigamente

— Que bonito está o rio! — disse Luísa.
Acácio afirmou-se, e murmurou em tom cavo:
O Tejo! ==
(QUEIROZ, Eça de, O Primo Basílio, 1878)

Lisboa vista de Almada, margem S. do Tejo  |1750|
Orig. copperplate engraving. Engraved by J. G. Ringle after F. B. Werner's drawing. Published by M. Engelbrecht in Augsburg, ca. 1750. With ornamental title cartouche, another cartouche with a ship and explanatory notes under the picture.

Thursday, 22 May 2025

Panorâmica tirada do Parque sobre a Avenida da Liberdade

O Parque — no seu início e no primitivo sonho paisagista, assim podemos dizer — data da penúltima década do século passado (1885), e seu primeiro nome, caído em esquecimento, foi o de Parque da Liberdade.

Era então tudo isto por aqui terreno de mau cultivo, ou nenhum, terras que ocupavam a poente za zona de Vale Pereiro — recorda Mestre Araújo, a quem vamos sempre seguindo — , quási todas pertencentes no século XVIII aos padres da Congregação do Oratório (de S. Felipe Nery), e a ocidente e a norte restos de quintas das Lages, de Galvão Castelo Branco, dos Pachecos Malheiros, e do Poceiro. Estes tratos de terrenos há muito que se haviam desmembrado das designações e possuidores setecentistas; a mais importante zona, vastíssima, era a do Casal do Monte Almeida, de Carlos Maria Eugénio de Almeida, com o qual a Câmara manteve demoradas demandas, que duraram de 1894 a 1930.
 
Panorâmica tirada do Parque sobre a Avenida da Liberdade |c. 1900|
Rio Tejo
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Municipalizados, em parte, os terrenos destinados ao Parque, começou a Câmara (1888) a pensar a sério no ajardinamento e aformoseamento paisagista do seu Parque, abrindo um concurso internacional entre arquitectos especializados, cujos três prémios foram ganhos por franceses; o projecto classificado em primeiro lugar (Henry Lusseau) não pôde ter execução, como não a pode ter o projecto Forestier, de 1926, nem sabemos se o terá o de Luiz Cristino da Silva, de 1932, que inclui uma entrada monumental.

O Parque — denominado de Eduardo VII depois da visita que este Rei de Inglaterra fez a Lisboa em 1903 — logo que foi proclamada a República mereceu às vereações cuidados especiais, em bons propósitos que a carência de um plano definido, ou a falta de verbas, nunca deixaram coroar de êxito.

Panorâmica tirada do Parque sobre a Avenida da Liberdade |c. 1954|
Castelo de S. Jorge; Monumento ao Marquês de Pombal (1934); Rio Tejo
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Wednesday, 21 May 2025

«Lisboa de Hoje e de Amanhã»

«Lisboa de Hoje e de Amanhã» é um documentário produzido pela CML, no ano de 1948, realizado, escrito e narrado por António Lopes Ribeiro (irmão do actor Ribeirinho).
«"Cineasta oficial do fascismo", como lhe chamaram alguns adversários políticos, o seu trabalho no documentarismo ficou como definidor de uma época, um regime e uma propaganda. Particularmente notórios são: «As Festas do Duplo Centenário-A Exposição do Mundo Português» e «Inauguração do Estádio Nacional», arquétipos de um estilo e de uma retórica.» [Dicionário do Cinema Português 1895-1961 por Jorge Leitão Ramos

Não é de estranhar, portanto, o tom marcadamente propagandístico do filme, em todo o momento favorável ao regime e às políticas urbanas de então. Goste-se ou não do regime da época, são memórias que interessa preservar.
Basicamente, o plano de que se fala no documentário, é o «Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), Etienne de Groer, 1948). E é aqui que reside um dos méritos do filme: explica o plano, as ideias e conceitos, mostrando os locais, plantas, maquetas, os métodos de trabalho e os meios de transporte daquele período.
Em 1938 a C.M. de Lisboa, sob a presidência de Duarte Pacheco, contratou o arquitecto – urbanista Étienne de Gröer, que juntamente com os serviços técnicos municipais, definiu as grandes linhas de desenvolvimento da cidade. Em 1948 o plano estava concluído e foi aprovado pela CML, embora nunca tivesse tido aprovação governamental. As principais linhas de força do plano foram as seguintes:
- Criação de uma rede viária radioconcêntrica a partir de um eixo construído pela Av. A. Augusto de Aguiar e o seu prolongamento até à estrada Lisboa-Porto.
- Organizar densidades populacionais decrescentes do centro para a periferia;
- Criar uma zona industrial na zona oriental da cidade, associada ao porto;
- Construir uma ponte sobre o Tejo no Poço do Bispo-Montijo, ligada a uma das circulares;
- Construir um aeroporto internacional na parte norte da cidade;
- Criar um parque em Monsanto com cerca de 900ha, e uma zona verde em torno da cidade que incluiria o Parque de Monsanto e que se prolongaria pela várzea de Loures até ao Tejo.
O principal instrumento do plano foi o zonamento, dividindo o espaço em áreas com diferentes usos, às quais se aplicava legislação específica. 

Nota(s): devido à longa duração do filme (aprox. 40 min.), decidimos exibi-lo em duas partes com cerca de 20 min. cada.

«Lisboa de Hoje e de Amanhã»- Parte 1

«Lisboa de Hoje e de Amanhã»  Parte II

Sunday, 18 May 2025

Rua António Maria Cardoso que foi «do Tesouro Velho» e «do Picadeiro das Portas de Santa Catarina»

Entremos pela Rua António Maria Cardoso — convida Norberto de Araújo — dístico que celebra o explorador africano do final do século passado [1890], e substituí o de «Tesouro Velho», designação anterior da artéria. 
Além Chiado, pelo lado Sul, as ruas tomaram, quási todas, os nomes dos exploradores dos sertões de África; assim por aqui se perpetuam Roberto Ivens, Hermenegildo Capêlo, Serpa Pinto, Paiva de Andrada, Vitor Cordon, figuras de sábios pioneiros africanistas. Diga-se, em abono da verdade, apesar de sermos pouco votados à substituição dos dísticos das ruas: se a Câmara um belo dia não houvesse determinado a colocação dos nomes daqueles homens nestas esquinas - talvez já ninguém se lembrasse deles. [Araújo: XI, 1939]

Rua António Maria Cardoso, antiga do Tesouro Velho [c. 1912|
A caminho do Animatógrafo Chiado Terrasse. Ao fundo vê-se a Rua Nova da Trindade.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

No final do ano de 1908, aparece o Salão Terrasse (depois Chiado Terrasse), "o novo animatógrapho, ao ar livre" na chiquérrima António Maria Cardoso (1890). Com a remodelação (1911) “de uma elegância extraordinária”, enceta a ideia dos cinemas feitos de raiz e torna-se a sala da moda.

Rua António Maria Cardoso, antiga do Tesouro Velho [c. 1912|
Em exibição o filme mudo "A Desterrada", no original "The Unwilling Bride", uma "coboiada" americana produzida pela "Pathé Frères" no longínquo ano de 1912.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

O sr. Augusto, de maré, dá-lhes dinheiro e eles levam-na ao Chiado Terrasse. A Ryala, que nunca imaginou que tal coisa pudesse existir, enche a sala de brados de assombro e risos descompassados. Há uma comédia de Max Linder e uma fita de peles-vermelhas. Ao ver surgir pela frente em pleno Far-West, entre cavalgadas, frechadas e tiros, uma locomotiva que avança a todo o vapor sobre a audiência, não há quem a segure: um grito de terror, um salto de cabra, e a Ryala abala a fugir, para não ser esmagada pelo trén! Esta noite foi ela a heroína do Far-West ao alto do Chiado.
(Miguéis, José Rodrigues (1901-1980), A Escola do Paraíso, 1960)

Rua António Maria Cardoso, antiga do Tesouro Velho |c. 1912]
À dir. observa-se o Teatro S. Luis e, à esq., o muro do Palácio Quintela
O topónimo Rua António Maria Cardoso foi atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa, através de Deliberação Camarária de 06/02/1890 e Edital de 6/02/1890, à antiga Rua do Tesouro Velho.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

N.B. António Maria Cardoso, (1849—1900) foi um oficial da Marinha, deputado e explorador em África, na segunda metade do século XIX.1 Em 1882, na companhia de outros explorador, João de Azevedo Coutinho, realizou uma expedição cujas conclusões foram publicadas pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi eleito deputado em 1890.

Friday, 16 May 2025

Lojas de Antanho: Tabacaria Marecos

Casa fundada em 1908 (antes Sapataria Coimbra), propriedade de José Rodrigues Marecos, dono da Tabacaria Mónaco [desde 1916], na Praça de D. Pedro IV, 21.

Desde que me entendi até aos vinte e cinco anos, morei no sítio mais concorrido de Lisboa, isto é, no funil por onde passava tudo que Lisboa tinha de óptimo e bom, no primeiro andar por cima da tabacaria Marecos, na rua do Principe, hoje 1.º de Dezembro, nos tempos em que ainda não existia a estação do Rossio nem o Avenida Palace. (Barbosa, Sempre Fixe, 1927)

Lojas de Antanho: Tabacaria Marecos |1910|
Rua Primeiro de Dezembro, 124 antiga «do Príncipe» 
Á porta da Tabacaria Marecos, na Rua 1.º de Dezembro, frente ao Avenida Palace , cavaqueando desprendidamente com a rapaziada desse tempo, onde havia estudantes, actores, jornalistas, amadores tauromáquicos, e alguns exímios tocadores de guitarra.. [Freire: 1945]
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente

A serventia parece que fora chamada pelo vulgo, no tempo de Pombal, depois do Terramoto — recorda o ilustre Norberto de Araújo — , Rua Nova das Hortas e Rua das Hortas (e que constituiria referência oral à Horta da Mancebia ou a horta dos terreiros do Duque de Cadaval ou dos Condes de Faro, mais para Norte). Antes de 1755 a Rua tinha já o traçado sensivelmente idêntico ao de hoje, e chamava-se Rua de Valverde – lindo nome. ==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, p. 85)

Rua Primeiro de Dezembro |entre 1926 e 1929|
À esq. — no edifico que acabou demolido em 1952 — observam-se as fachadas da Tabacaria Marecos e do Café Suisso tornejando para a Praça D. João da Câmara
Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente

N.B. Por Edital municipal de 7 de agosto de 1911 a Rua do Príncipe e Largo da Rua do Príncipe passaram a denominar-se Rua Primeiro Dezembro, a data da Restauração em 1640.

Sunday, 11 May 2025

Largo de Santos-o-Novo que foi «de Santos Novos»

Saímos do Páteo das Comendadeiras para o [pequeno] Largo de Santos-o-Novo. Estamos na antiga e ressonante Calçada das Lajes». [Araújo: 1939]

Este Largo recolhe o topónimo da Igreja edificada nestes terrenos do Alto do Varejão que fizeram parte da  na sua orla do lado nascente.

Largo de Santos-o-Novo |c. 1900|
Antigo Largo de Santos Novos. Perspectiva tomada do Pátio das Comendadeiras de Santos
com a Calçada das Lajes, ao fundo, onde se observa o edifício com arco já demolido. À dir. vê-se o
portal pertencente ao Palacete Pereira Forjaz (ou Bertiandos) na antiga Quinta da Cruz da Pedra
antes da demolição da Quinta do Manique, cujo portal se vê ao fundo. 

José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local da foto está erradamente identificado no abandalhado amL como «Arco do Recolhimento
de Lázaro Leitão»
.

Santos (pateo das commendadeiras de) segundo á direita na calçada da Cruz da Pedra, indo da Madre de Deus e finda no largo de Santos Novos, freg. de St. Engracia (f) Dentro d'este pateo está a egreja e convento das commendadeiras de Santos, fundado em 1217, transferida da egreja de Santos o Velho em 1490, incendiado pelo terremoto foi novamente reedificado.

Santos Novos (largo de) primeiro á esquerda na calçada das Lages, indo da calçada da Cruz da Pedra, e finda no alto do Varejão, freguezia de Santa Engracia 1 a 38. [Velloso: 1869]

Largo de Santos-o-Novo |1967-03|
Antigo Largo de Santos Novos
Portal pertencente ao Palacete Pereira Forjaz (ou Bertiandos) na antiga Quinta da Cruz da Pedra.
Augusto de Jesu, Fernandes in Lisboa de Antigamente

Duas ou três breves palavras sobre o Mosteiro de Santos-o-Novo. Edificado no séc. XVII — 1609, arq.º Baltasar Álvares — , o Convento das comendadeiras de S. Tiago de Santos-o-Novo, designação que se projectou do Mosteiro às suas redondezas, foi parcialmente destruído pelo terramoto de 1755, tendo então sofrido obras de recuperação. Foi definitivamente desafectado ao culto em finais do século XIX. No claustro, de planta quadrada, abrem-se galerias de arcos de volta perfeita albergando as capelas do Senhor dos Passos e da Encarnação, que se encontram revestidas a talha, estatuária e azulejaria. A igreja, de nave única, tem nas paredes laterais painéis azulejares, integrando ainda talha e mármores polícromos. A classificação inclui a Igreja, o claustro e demais dependências, assim como as zonas exteriores ajardinadas, formando o conjunto da cerca conventual. [IPPC]

Mosteiro das Comendadeiras de Santos-o-Novo, fachada S. |1932|
Largo de Santos-o-Novo; Páteo das Comendadeiras, à Calçada das Lages. Em baixo vê-se a Rua de Santa Apolónia.
Com 360 janelas em três pavimentos representava já uma enormidade construtiva este casarão que vês, só concluído oitenta anos depois de iniciado, entrando para ele as Comendadeiras em 1685. [Araujo: 1939]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

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