Sunday, 1 December 2024

Rua Marques da Silva que foi Travessa do Caracol da Penha

De Arroios se subia à Penha de França por uma tortuosa ladeira — à qual minha avó teimava em chamar ainda Travessa do Caracol da Penha — e que é, hoje, a Rua Marques da Silva.


Em 1891, para o alargamento paralelo da Travessa do Caracol da Penha, compreendido entre a projectada Avenida dos Anjos — hoje Av. Almirante Reis — e a velhinha Rua de Arroios, foi cedido à Câmara gratuitamente, quase na totalidade por João Marques da Silva, o terreno de sua propriedade denominado Quinta da Imagem. Perguntemos agora: Marques da Silva porquê? quem foi aquele senhor? que fez ele? — Saiba mais aqui.

Rua Marques da Silva que foi Travessa do Caracol da Penha |c. 1900|
Perspectiva tomada da Rua de Arroios
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local da foto não está identificado no abandalhado amL.

O próprio Caracol da Penha, (que parece tão calado) — recorda Mestre Castilho — se o interrogarmos, dir-nos-á que ainda em 1857 não era mais que uma estreita e pitoresca azinhaga, com foros de caminho de pé posto. Passar aí de noite, só Amadis de Gaula ou Ferrabraz da Alexandria; todo o resto dos mortais eram exterminados.
Em sessão de 2 de Abril desse ano de 57 (nos dirá o Caracol) recebeu a câmara de Lisboa participação de haver sido aprovada pelo conselho de distrito a deliberação tomada em 2 de Março antecedente, para a expropriação de certo terreno a fim de se começarem ali alguns melhoramentos projectados. Foi aprovado o orçamento, no valor de 669$870.
Em sessão de 10 de Dezembro autoriza a câmara o alargamento do Caracol segundo a planta do engenheiro.
Finalmente em 11 de Julho de 1859 determinou-se que se anunciasse a arrematação da obra da muralha, na estrada que hoje trepa elegantemente aquela encosta a pino. [Castilho: 1889]

Rua Marques da Silva que foi Travessa do Caracol da Penha |1959|
Troço da rua no topo da colina com a Igreja de Nossa Senhora da Penha de França
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

Friday, 29 November 2024

Ascensor da Glória

No dia 31 do mez¹ findo — noticiava a revista ilustrada O Occidente em 11 de Novembro de 1885 — , foi aberto á circulação publica o calçada da Gloria, e a maneira como o publico recebeu esta innovação, demonstra cabalmente a sua grande utilidade.
O ascensor da calçada da Gloria, mais feliz, porventura, que o seu irmão primogenito da calçada do Lavra, veio confirmar de um modo positivo a grande vantagem d'estes elevadores, e este com especialidade, porque reune á vantagem practica, a aspiração platonica de se subir a Gloria por um vintem cada cabeça, o que não é para desprezar n'estes tempos de tantas aspirações.

Ascensor da Glória |c. 1920|
Da «Glória» se chama em razão de uma Ermida de N. S. da Glória que existiu
ao fundo da rampa, erigida em 1574, por Fernão Pais (...).
Autor desconhecido, in Lisboa de Antigamente

Mas, independente d'estas vantagens, tem ainda outra muito mais importante a qual é a de ter quebrado o enguiço, que parecia haver para o desenvolvimento d'este grande beneficio á capital, enguiço causado pelo pouco resultado obtido na exploração do ascensor da calçada do Lavra, o que não devia fazer desanimar os emprehendedores d'este melhoramento, porque a concorrencia do publico alli é muito limitada, com ascensor ou sem elle.
Para o lado occidental da cidade o movimento da população é muito maior, e portanto a exploração dos ascensores muito mais productiva.
Os resultados já obtidos no elevador da calçada da Gloria, animam a exploração de novas vias, e é assim que se projectam e tratam de pôr em pratica, na calçada da Estrella ou travessa de Santo Amaro, na Bica de Duarte Bello, na rua das Flores, na rua da Imprensa Nacional, na calçada dos Paulistas e para o monte da Graça, cujos habitantes pedem este melhoramento em um abaixo assignado com mais de mil assignaturas. [O Occidente: 1885]
¹ (foi mantida a ortografia da época)

Ascensor da Glória |1885|
Ascensor da Glória no dia da inauguração - 31 de Outubro de 1885; este elevador apresentou, no inicio,  a particularidade de se poder viajar no tejadilho.
 Desenho do natural por J. Christino, in O Occidente

Sunday, 24 November 2024

Rua da Prata, 257: Ourivesaria da Moda

Ourivesaria fundada em 1906 por António Esteves de Araújo, mantém-se na mesma família há 4 gerações. No interior, o ex-libris da casa, uma fonte em prata maciça com 2 metros de altura, dá-nos as boas-vindas. Especialistas em peças tradicionais portuguesas, o destaque vai para as jóias em filigrana, feitas artesanalmente com fios muito finos em ouro ou prata.
António Esteves de Araújo viera do Minho aos 11 anos à procura de melhores condições, tendo trabalhado numa mercearia até aos 16 anos altura em que passou a trabalhar na Ourivesaria do torreão do Mercado da Praça da Figueira. Depois disso entrou na Ourivesaria da Moda passando a decidir os seus destinos. Nos anos quarenta expandiram o espaço ocupando uma manteigaria na Rua da Prata [na dir. baixa] e uma loja de vidros na Rua de Sta. Justa, ficando assim com 4 montras para a Rua da Prata e 2 para a Rua de Sta. Justa. Nos finais dos anos 50 adquiriram um deposito de tabacos o que permitiu nova ampliação do lado da Rua de Sta. Justa. Chegou-se assim à loja actual. [circulolojas.org]

Rua da Prata, 257: Ourivesaria da Moda |191-|
Esquina com a Rua de Santa Justa, 34
Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente

Friday, 22 November 2024

Edifício no Campo de Santa Clara, 124

Edifício oitocentista com fachada totalmente revestida por azulejos, traduz vincado gosto romântico e cenografia com efeitos de trompe-l'oeil, apresentando um programa decorativo revivalista, de inspiração barroca
O piso térreo apresenta um revestimento azulejar em trompe-l'oeil a imitar apainelados de cantaria, marmoreados em tons de manganês e branco, enquadrados por moldura azul, que lhe confere um ar rústico. Os restantes pisos evidenciam um revestimento azulejar sobre fundo azul, a imitar mármore, com falsos elementos arquitectónicos a amarelo, destacando-se as molduras dos vãos das janelas de sacada, na forma de pilastras, assim como os falsos frontões curvilíneos recortados, que rematam os referidos vãos, decorados por volutas e folhas de acantos, enquadrando grinaldas e cabeças humanas.
 
Campo de Santa Clara, 124 | Inicio do séc. XX|
O Campo de Santa Clara foi buscar o nome ao antigo mosteiro de freiras de Santa Clara que aqui existiu.
Relojoeiro na Feira da Ladra.
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

A ladear os conjuntos de vãos centrais observam-se apainelados recortados, com decoração barroca, que integram medalhão central ovalado, com efígie antropomórfica, de inspiração clássica, emoldurada por elementos vegetalistas. Por sua vez, a delimitar o edifício surgem outros apainelados recortados, que traduzem composições vegetalistas. Este trabalho, da autoria do pintor de azulejos Luís Ferreira, mais conhecido por "Ferreira das Tabuletas", foi produzido, por volta de 1860, na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego.

Campo de Santa Clara, 124 | 1945|
O Campo de Santa Clara foi buscar o nome ao antigo mosteiro de freiras de Santa Clara que aqui existiu.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 17 November 2024

Rua e Arco do Salvador

Ora, Dilecto, considera quanto é pitoresco o enfiamento da Rua e Arco do Salvador, numa perspectiva graciosa, sem contudo se revestir de arcaico. 
Parece que houve aqui dois arcos-passadiços — recorda Norberto de Araújo —, em vez de um apenas, aquele que subsiste, anterior, aliás, ao que desapareceu.

Rua e Arco do Salvador em 1952 e c. 1900, respectivamente
Antigo Convento do Santíssimo Rei Salvador e, à dir., o Palácio dos Condes dos Arcos
Fotografias por A. Passaporte e  A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

À direita, subindo, após o Arco [vd. imagem abaixo], ergue-se a parede lateral do antigo Convento [do Salvador], hoje ocupado nesta área pelo Patronato da Infância e pelo Centro Dr. Alexandre Braga Centro Cultural Dr. Magalhães Lima; à esquerda temos esse muro, do qual pendem arbustos, que o engrinaldam de poesia: é o do muro da Cerca do Convento, presentemente recreio das crianças alunas do referido Centro Dr. Alexandre Braga.
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, p. 78, 1939)

Rua e Arco do Salvador em 1900 e 1952, respectivamente
Perspectiva tomada do Largo do Salvador
À esq. nota-se o Palácio dos Condes dos Arcos e, à dir. a torre sineira do extinto Mosteiro do  Salvador.
Fotografias por Machado & Souza e A. Passaporte, in Lisboa de Antigamente

N.B. A origem do culto a São Salvador neste local recua à época da Reconquista Cristã, período em que terá sido fundada a ermida de São Salvador da Mata. Com a fixação da população e o crescimento do povoado em redor, tornou-se sede de paróquia de Padroado Real, estatuto que recua, pelo menos, a 1229. A fama de milagres atribuídos às imagens votivas ali expostas ocasionou a construção de um pequeno recolhimento destinado aos peregrinos que aí afluíam. Este recolhimento caracterizava-se por um conjunto de casas térreas, construídas junto à ermida ou capela, que foram, depois, ocupadas por mulheres devotas recolhidas em clausura perpétua, chegando a reunir vinte devotas. Eram, à época, conhecidas por Emparedadas ou Beatas.
(BAPTISTA, 1618, pp. 4-4v e 9-14; CACEGAS e SOUSA ,II, 1767, pp. 6-9; História dos Mosteiros..., II, 1972, pp. 260-64; SILVA, I, 1968a, p. 186).

Friday, 15 November 2024

Chafariz do Malvar

O Chafariz de Carnide ou do Largo do Malvar sugere os chafarizes de obelisco, traduzindo, apesar da ausência de decoração, uma elegância de formas, conciliando superfícies ondulantes, rectilíneas e esguias. Com tanque de recepção de águas rectangular, que era usado como aguadeiro para os animais ou como lavadouro de roupa para a população local, eleva-se ao centro, sobre uma base prismática, o alçado em forma de balaústre longo, como se fosse um jarro bojudo, de secção quadrangular com o colo alto e arestas curvas.

Chafariz do Malvar |1961|
Largo do Malvar, Estr. da Correia
Chafariz em cantaria de calcário lioz com 2 bicas (E. e O.) forradas a metal.
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

Este conjunto surge rematado por uma forma piramidal, muito esguia e pontiaguda. Duas bicas inserem-se em duas faces opostas do plinto. Sob uma das bicas, conserva-se o apoio metálico para suporte das vasilhas que recolhiam a água. Foi mandado construir pela Câmara Municipal de Belém em 1857.

Chafariz do Malvar |1952|
Largo do Malvar, Estr. da Correia (S. Lourenço de Carnide)
A face E. apresenta a seguinte inscrição: "CAMARA MUNICIPAL DE BELEM 1857".
Fernando Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 10 November 2024

Mercado de Levante no Bairro Social do Arco do Cego

De acordo com Norberto de Araújo «O Bairro Social de Arco do Cego principiou a construir-se em 1919, e — com suspensões e administração precária — só depois de 1928 levou uma sacudidela na sua letargia. Pode fixar-se a sua inauguração em 1934 1935-03-10. Dispõe de 481 moradias e é cortado por vinte ruas, das quais o mais importante no eixo, de nascente (Praça do México, hoje de Londres) a poente (Rua do Arco do Cego, que será a Rua D. Filipa de Vilhena) a Rua Dr. Magalhães Lima. A frente do Bairro está ajardinada em duas placas. 
No coração deste Bairro se construiu o novo Liceu D. Filipa de Lencastre. [Araújo: 1939]

Mercado de Levante no Bairro Social do Arco do Cego |1960|
Rua Costa Goodolfim 
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

O lançamento da primeira pedra do Bairro Social do Arco do Cego realizou-se com a presença do Presidente da Republica e devidamente noticiada pela imprensa da época:
"Foi uma festa deveras importante a cerimónia do primeiro pau de bandeira no bairro social do Arco do Cego, construído onde antigamente era a Quinta das Côrtes, vasto trato de terreno que breve será habitado, pois que se trabalha por erguer nada menos de 3000 habitações (...) Como se vê olhando o plano do bairro ele tem tudo o que uma pequena vila é, não lhe faltando sequer a Casa do Povo, com a sua biblioteca, o club e o teatro. As construções alinham-se elegantemente e só há a temer que os burguezes se façam operários para disfrutarem as vantagens de ali morarem porque é da velha sabedoria que quem não mora não vive e quem vive mal é porque habita bem."
(lllustração portugueza, 7 Junho de 1920)

Fotografia aérea do Bairro Social do Arco do Cego |195-|
Em cima à esq. observa-se o Liceu D. Filipa de Lencastre e, na dir. baixa, nota-se a antiga 
Fábrica de Cerâmica Lusitânia na Rua do Arco do Cego.
Mário de Oliveira, in Lisboa de Antigamente

O Bairro Social do Arco do Cego foi encomendado na I República pelo Ministério do Trabalho. A fase de projecto contou com o risco de arquitectos como Adães Bermudes, Frederico Caetano de Carvalho e Edmundo Tavares. Inicialmente vocacionado para bairro operário, a sua construção passa para a gestão da Câmara Municipal, a partir de 1927, sendo transformado num bairro habitacional para a pequena burguesia de serviços e principalmente para funcionários camarários.

Panorâmica sobre o Bairro Social do Arco do Cego |c. 1935|
Rua Xavier Cordeiro; Avenida Magalhães Lima; Rua Brito Aranha; Rua Brás Pacheco; 
Mário Novais, in Lisboa de Antigamente

É constituído pela edificação contínua de blocos quadrangulares de 2 e 3 pisos, assim como de bandas geminadas de habitações unifamiliares de 2 pisos. No início da década de 30 do séc. XX, aí foi construído o primeiro equipamento escolar modelar modernista da capital. O projecto inicial, da autoria do arq. Jorge Segurado, datado de 1932, previa a construção de uma grande escola primária, no entanto, em 1938, o Plano do Estado Novo para edificar 13 liceus ordenou que fosse elaborado um projecto de adaptação da escola primária a liceu, com o objectivo de aí ser instalado o Liceu D. Filipa de Lencastre, cuja obra viria a estar concluída em 1940. De planta simétrica, o jogo de volumes do edifício alia o racionalismo do programa ao eclectismo do bairro que o envolve. [cm-lisboa]

Friday, 8 November 2024

Panorâmica da Estrela tomada do zimbório da Basílica da Estrela

Do majestoso zimbório da Basílica da Estrela — a que se pode ascender depois de galgados mais de 200 degraus — o panorama de que ali se desfruta é dos mais belos de lisboa. 

Se da maioria dos pontos altos de lisboa se avista a parte antiga da cidade — recorda o Guia de Portugal (1924) —  o que aqui domina inteiramente no conjunto é a  cidade moderna. O espectáculo torna-se por isso mais claro e mais alegre, variado ainda pela abundância de pequenos bosques e jardins, desdobrados como numa grinalda. Logo a O. a tapada da Ajuda, hoje já muito rarefeita, e a mole enorme do palácio; mais para cá a mancha verde do parque das Necessidades, e a seguir a parada sombria dos ciprestes dos Prazeres. Ao longe desdobra-se o espinhaço de Monsanto, e mais além e a NO. as alturas de Sintra. Para o N. abrange-se a cidade nova, e logo em baixo repousa o olhar a frondosa espessura do Jardim da Estrela, continuada ao fundo com os belos ciprestes do cemitério dos Ingleses. A E. avista-se o Castelo, a torre de S. Vicente e mais abaixo as da , um pouco perdidas na massa escura dos telhados. Ao S. abre-se enfim, maravilhosa de luz e de amplidão, a enseada do Tejo, a melo da qual se ergue o pontal de Cacilhas, avançando no rio como a proa duma nau.

Panorâmica da Estrela tomada do zimbório da Basílica da Estrela |entre 1926 e 1936|
Vêem-se os terrenos onde virá a ser rasgada a Avenida Infante Santo nas décadas de 1940/50, o Hospital da Estrela, antigo Convento do Sagrado Coração de Jesus, um trecho do Aqueduto das Aguas Livres [demolido], uma nesga do Tejo e a Outra Banda.
António Passaporte,  in Lisboa de Antigamente

Nota(s): Conforme o Edital de 13 de Maio de 1949 «o arruamento em construção, que ligará a Avenida 24 de Julho à Estrela, compreende parte da Rua Tenente Valadim, desde o término da curva do prédio do Estado (Instituto Maternal); parte da Travessa dos Brunos prédios nºs 22 e 24 e, ainda, a Rua da Torre da Pólvora» passou a ser a Avenida Infante Santo.

Obras para abertura da Avenida Infante Santo |1949|
Junto ao Hospital Militar Principal, à Estrela
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

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