Estamos no Menino de Deus. Este lugarzinho — no dizer de Norberto de Araújo —, com suas redondezas, teve desde o seu principio, e
recuado é ele, o destino de ficar agachado, pelo nascente, à cinta do
Castelo de Lisboa. Mas tomemos a decisão de marcharmos para junto do templo, senão perdemo- nos em divagações do pitoresco.
Eis a Igreja do "Menino Deus" — em rigor assim se devia
dizer — considerada monumento nacional, e que é sem dúvida um dos
melhores espécimes da arquitectura italiana de setecentos. Foi o seu
arquitecto principal, segundo é de crer, Frederico Ludovice, o autor do projecto do Convento de Mafra, mas certo é que outro artista, Custódio Vieira, colaborou nesta obra.
Igreja do Menino Deus, panorâmica de Alfama |c. 1900| Largo e Calçada do Menino Deus; Largo Rodrigues de Freitas, antigo de Santo André Ao centro encontra-se a Igreja do Menino Deus e, à direita, a Igreja de Santa Cruz do Castelo José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente |
Neste sítio existira, anteriormente, uma pequena ermida; D. João V, no seu fervor piedoso projectou fazê-la substituir por um grande templo, que e este, cuja primeira pedra foi lançada em 4 de Julho de 1711, segundo se lê na legenda do escudo sobre a porta principal. A sagração do templo realizou-se na presença do Rei, dos Infantes e da Corte em 21 de Março de 1737, e nesse dia foi conduzida do Convento da Madre de Deus para esta nova Igreja a imagem do Menino Jesus [ainda hoje se conserva no interior da Igreja], oferecida por uma madre, em religião Cecília de Jesus, às Mantelatas da Ordem Terceira de S. Francisco [de Xabregas], às quais o edifício anexo, Recolhimento e Hospício, se destinou desde logo.
Como observas, a fachada principal, e única, do monumento é de um belo equilíbrio na sua forma quadrada, manifestamente por concluir, pois faltam-lhe as tôrres ; é formada por duas ordens arquitectónicas, a inferior dórica e a superior jónica
Entremos no templo.
O corpo da Igreja, revestido de mármores de várias origens, é de ordem coríntia com pilastras e caneluras e com arcos de cantaria de volta inteira nos lados do polígono. São oito as capelas, além da principal, revestida de talha dourada, e, de uma maneira geral, bem conservadas. As capelas têm boa pintura, com retábulos nos altares, todos originais de André Gonçalves, excepto os dois que atribuo a seus autores, na descriminação que faço, mas trabalhados, sem dúvida, sobre desenhos e inspiração de Vieira Lusitano: do lado direito, S. Miguel, S. José (de Rubira, artista espanhol auxiliar de Vieira), Sant'Ana e S. Francisco; do lado esquerdo: Santa Clara, de Inácio de Oliveira, Santa Isabel, Santo António (este desaparecido há muito) e Assunção. Na Capela-Mor, de curiosa abóbada de aresta, existem S. Francisco despejado das hábitos seculares, de Vieira Lusitano, e Trânsito de S. Francisco, do espanhol Rubira; houve um outro retábulo de assunto franciscano, e que desapareceu.
O tecto da Igreja é do risco e desenho de Victorino Serra, e a factura pictural de João Nunes de Abreu, auxiliado por Jerónimo Silva. Estas identificações aliás lógicas, e fundadas em referências eruditas conjugadas, pertencem ao estudioso de arte Cruz Cerqueira.
Nas faces laterais do corpo da Igreja podemos notar ainda os dois belos púlpitos de madeira e oito elegantes tribunas.
A sacristia quadrangular tem de interessante apenas uma lavabo de mármore da Arrábida e de lioz, e é coroada por um zimbório alto a meio da abóbada semi-circular.
Igreja do Menino Deus, Capela-Mor, púlpitos |1905| Largo do Menino Deus, Calçada do Menino Deus, 15-27 Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia