Era de bom-tom — lê-se na Lisboa do Meu Tempo — que as mães da alta classe e muitas da burguesia tomassem ama para criar os seus filhos e, embora fosse contranatura, chegavam a secar o próprio leite para não se avantajarem fisicamente e poderem manter a elegância . E, assim, antes do parto, contratavam ama, geralmente mulher da província, que vivesse em bons ares, tivesse bons seios e bom leite! Depois de tudo muito bem observado, as amas eram admitidas com bom ordenado e tratadas com certa consideração entre o pessoal doméstico. A sua pessoa era distinguida no ambiente familiar.
Rua Garrett [1912] Ama com crianças em frente da montra da Alfaiataria Amieiro, fundada em 1912 e encerrada em 1919 Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Se tinha muito leite e não havia perdido o próprio filho, a ama podia também ocupar-se deste, devidamente autorizada pelo médico e, naturalmente, por consenso dos patrões. Mas nem sempre assim sucedia, uma vez que as famílias receavam que mais se ocupasse do seu filho.
Era vulgar vê-las, devidamente
fardadas, pelas ruas e jardins com os pequenos ao colo, acompanhando os
patrões.
Algumas, acabado o período de amamentação, ficavam ao serviço se não tinham obrigações de família, fossem solteiras e sossegadas, a tal ponto que era frequente tornarem-se pessoas da absoluta confiança dos patrões .¹
Num artigo publicado na Ilustração Portuguesa, em 1912, escrevia-se longamente sobre esta antiga — mas quanto útil e importante — actividade social, a propósito de uma proposta apresentada no parlamento sobre a regulamentação para o exercício deste mister — as amas — as guardas de pequenitos — como as apelidava o autor do texto que aqui reproduzimos, respeitando a grafia da época:
Guardas de pequenitos, essas almas de mulher adoram a infância precétora.
Em Portugal há anos mal se lhes confiavam todavia as creanças. Os olhares vigilantes das mães jamais largavam os filhos e como nem nem todas as moradas tinham jardins a infância decorria dentro das casas, os pequenitos quietos, sem exercício, na errada interpretação d'essa época de que a melhor educação era a da tranquilidade.
«O pequeno é muito quietinho» — n'isto se cifravam os elogios.
Assim, sem ar, sem alegria, sem ginastica, sem exercicios, cresceram as creanças lisboetas de há anos. Agora é ir, á tarde, por esses jardins — e pensa-se que pelos parques de todo o mundo — e lá se veem as creancinhas com os seus brinquedos. transportados dos lares, com os seus jogos, lindas — porque não há petizes feios — vestidinhas de branco, os grandes chapeus de palha nas cabecitas onde fervilham idéas patuscas, saltando e correndo, os mancebos e as meninas d'ámanhã, os papás e as mamãs do futuro, que por sua vez pagarão ás amas dos seus filhos.
Lisboa, sobretudo n'estas tardes de verão, oferece nos seus jardins esse pitoresco aspeto da pequenada brincando; são como as aves da tarde, as que veem chilrear antes da noite cair, antes de se irem deitar nos leitosinhos brancos onde ainda o ultimo rosto que lhes sorri é o da ama.
Há tambem as que os criam, as que lhes dão o seio e essas, todas cuidados da parte das familias das creanças, tambem aparecem por esses belos jardins cheias de resguardos, sob as sombrinhas com que outras creadas as cobrem, enquanto vão empurrando os carrinhos onde os pequeninos sorriem segurando os seus amuletosinhos, as suas rocas, os seus guizinhos de prata.²
Bibliografia
¹ DINIS, Calderon, Tipos e Factos da Lisboa do Meu Tempo (1900-1974), p. 33. 1986.
² Ilustração Portuguesa, 1912.
Avenida da Liberdade [1912] Ama com criança num cavalinho de baloiço em pasta de papel. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Guardas de pequenitos, essas almas de mulher adoram a infância precétora.
Em Portugal há anos mal se lhes confiavam todavia as creanças. Os olhares vigilantes das mães jamais largavam os filhos e como nem nem todas as moradas tinham jardins a infância decorria dentro das casas, os pequenitos quietos, sem exercício, na errada interpretação d'essa época de que a melhor educação era a da tranquilidade.
«O pequeno é muito quietinho» — n'isto se cifravam os elogios.
Assim, sem ar, sem alegria, sem ginastica, sem exercicios, cresceram as creanças lisboetas de há anos. Agora é ir, á tarde, por esses jardins — e pensa-se que pelos parques de todo o mundo — e lá se veem as creancinhas com os seus brinquedos. transportados dos lares, com os seus jogos, lindas — porque não há petizes feios — vestidinhas de branco, os grandes chapeus de palha nas cabecitas onde fervilham idéas patuscas, saltando e correndo, os mancebos e as meninas d'ámanhã, os papás e as mamãs do futuro, que por sua vez pagarão ás amas dos seus filhos.
Praça D. João da Câmara [1912] Mãe e ama a caminho de casa; ao fundo, o Café Martinho. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Lisboa, sobretudo n'estas tardes de verão, oferece nos seus jardins esse pitoresco aspeto da pequenada brincando; são como as aves da tarde, as que veem chilrear antes da noite cair, antes de se irem deitar nos leitosinhos brancos onde ainda o ultimo rosto que lhes sorri é o da ama.
Há tambem as que os criam, as que lhes dão o seio e essas, todas cuidados da parte das familias das creanças, tambem aparecem por esses belos jardins cheias de resguardos, sob as sombrinhas com que outras creadas as cobrem, enquanto vão empurrando os carrinhos onde os pequeninos sorriem segurando os seus amuletosinhos, as suas rocas, os seus guizinhos de prata.²
Avenida da Liberdade [c. 1935] Descansando num banco junto à Praça do Marquês de Pombal Ferreira da Cunha, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
¹ DINIS, Calderon, Tipos e Factos da Lisboa do Meu Tempo (1900-1974), p. 33. 1986.
² Ilustração Portuguesa, 1912.