Também conhecido como Palácio Condeixa, foi edificado em finais do séc. XVIII (1787). Deve-se ao arquitecto pombalino Manuel Caetano de Sousa o seu plano de construção [Eduardo de Noronha atribui a obra ao arquitecto Altronochi, Milionário. Artista, p.184]. Com uma arquitectura setecentista imponente, o palácio passou de residência a sede da Assembleia Lisbonense (1836) e, actualmente, é ocupado pelo Ministério da Economia.
Leia a agitada história deste celebrado palácio que vale bem a pena.
O Palácio do Manteigueiro, na Rua da Horta Seca à esquina da Rua da Emenda (que foi Travessa do Mel), foi edificado por volta de 1787 por uma curiosa personagem que Lisboa em peso conheceu, um certo Domingos Mendes Dias, transmontano, enriquecido no Brasil com géneros de mercearia, que transitara de aguadeiro a merceeiro, volvido depois em grande negociante de manteigas: daí a alcunha. Este homem — que se não fora a riqueza acumulada não passaria dum ignorado e humilde cidadão, chegou a fidalgo da Casa Real — era de uma sordidez tão engenhosa que fazia servir o jantar dentro de uma gaveta para a fechar rapidamente se alguém aparecesse, levantou, todavia, um palácio maravilhoso com incrível prodigalidade. Foi a sua criação. Morreu deixando toda a fortuna a António Pereira Coutinho, da velha família dos Pereiras Coutinhos, morgado de Vilar de Perdizes, a favor de quem, e querendo
mostrar-se de origem fidalga, fizera testamento, com a condição de este se deixar tratar por primo — e o palácio veio a pertencer a João Fletcher, inglês de tanta preponderância na sociedade portuguesa do seu tempo, talvez a partir de 1826, época em que o palácio se transformou num grande centro de reuniões, principalmente da colónia inglesa. Mais tarde, em 1860, passou aos Condes de Condeixa [vd. imagem abaixo]. No segundo ano da República habitou neste palácio o Presidente Manuel de Arriaga.
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Palácio do Manteigueiro [1970] Rua da Horta Seca, 13-19; Rua da Emenda, 87-91; possui outro meio de comunicação na Rua das Chagas, onde um portão de ferro, com o n.º 18, abre para um extenso corredor, que liga com o jardim, nas traseiras do edifício, e que servia à criadagem e dava passagem às carruagens. Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
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Palácio do Manteigueiro [1970] Rua da Horta Seca, 13-19; Rua da Emenda, 87-91 As actuais pedras de armas que coroam a janela de tribuna da entrada do palácio, são da família Condeixa. Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Domingos Mendes Dias era considerado um dos maiores capitalistas do seu tempo e deixou uma fortuna que, na data do falecimento,
foi avaliada em seis e meio milhões de cruzados, correspondentes a
dois mil e seiscentos contos de réis. Apesar disso, até ao fim da sua
vida, revelou-se um espírito tacanho, peculiar à sovinice de que deu
bastas provas. Vivia com uma preta de avançada idade, que lhe preparava os alimentos, tudo do que havia de mais barato.
Devido ao seu feitio miserável, este estranho milionário chegou a
ser preso pela ronda, por se tornar suspeito, uma noite em que transportava às costas a fruta verde que apanhara do chão, numa das suas
quintas dos arredores.
Contava-se que, nas longas noites de Inverno, o seu prazer favorito
consistia em «formar cartuchos de cem peças de oiro». Jamais soube
tirar do dinheiro o bom partido que ele pode dar, esse ricaço asqueroso,
que faleceu nos princípios do século XIX (2), em consequência de um
ataque de ladrões, à punhalada, pois que, mesmo nessa emergência, achando os gastos exagerados, implorou do médico que o tratava, que
fosse mais comedido nos remédios... Da poupança surgiu a gangrena,
que o levou como a qualquer pobre de Cristo.
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Palácio do Manteigueiro, fachada principal na fase primitiva [c. 1900] Rua da Horta Seca, 13-19; Rua da Emenda, 87-91 Primitivamente de um só andar, águas-furtadas e dois pisos térreos, de janelas gradeadas, que o declive do terreno permitiu edificar, correspondendo a loja e sobre-loja, do lado da Rua da Emenda, tem hoje três pavimentos superiores. Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Contrastando com a sua manifesta avareza, o milionário-«manteigueiro» vivia num ambiente de riqueza. Os interiores do palácio eram de um «luxo asiático», expressão de que se serviu Tinop. As quatro salas (branca, vermelha, verde e amarela), com os tectos pintados por Pedro Alexandrino (1730-1810) e ricas portas de madeira do Brasil, estavam forradas de damasco, recheadas de colgaduras e de «Opulenta mobília». Os espelhos eram de boas chapas de cristal e tanto as molduras como os tremós estavam dourados com «peças d'ouro derretidas». O salão de baile, como a sala de jantar, corriam ao longo da fachada virada à Rua da Horta Seca.
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Palácio do Manteigueiro, escada nobre [2020] Rua da Horta Seca, 13-19; Rua da Emenda, 87-91 Fotógrafo Hélder Carita, Tiago Molarinho, in A Casa Senhorial |
A Assembleia Lisbonense — também chamada Assembleia da Horta Seca, considerada durante os catorze anos da sua vigência, o melhor centro da plutocracia e da alta política, que constituíam a nata dos partidários da «Carta» — instalou-se em 1836, no Palácio do Manteigueiro; quando para lá foi, mutilou-o de cima a baixo. Mandou arrancar os tectos de excelente madeira de teca, todas as portas e ombreiras de magnifica madeira do Brasil. e vendeu tudo a ferros-velhos: o estuque igualitário destruiu, de vez, a preciosa concepção do velho Altronochi, arquitecto que ali pusera o melhor da sua arte. Ficou um casarão incaracterístico, de gosto duvidoso, mobilado á feição de Poisignon, com todas as chinesices então muito em moda no boulevard dos Italianos.
Por aqui passou, todavia, o que em Lisboa posava e orientava.
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Palácio do Manteigueiro, capela [1966] Rua da Horta Seca, 13-19; Rua da Emenda, 87-91 Desmontado e guardado no Patriarcado de Lisboa, o oratório do
palácio constituía uma das peças mais elaboradas de todo o programa
interior. Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
No 1.º andar, merece especial referência a linda capela, com rica obra de talha e elegante cúpula, de um só altar, figurando no retábulo a imagem de Nossa Senhora. Não sabemos se é contemporânea das fundações do palácio, ou se teria sido mandada construir pelo visconde de Condeixa. No ano de 1913 instalou-se aqui a sede da Vacuum Oil Company acabando por comprar o edifício em 1920. É esta empresa que realiza as grandes obras do edifício acrescentando um andar nobre ao edifício. Se a morfologia do palácio é assim radicalmente alterada, as escadarias nobres foram preservadas protegendo-se uma estrutura arquitectónica de inequívoco valor estético. Nestas obras é igualmente desarmado o oratório da casa e guardado no Patriarcado de Lisboa.
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Bibliografia
ALMEIDA, Mário de. LISBOA do Romantismo, 1917.
COSTA, Mário, O Palácio do Manteigueiro, in Olisipo, Abril de 1958.
acasasenhorial.org.