Na quarta-feira de Cinzas, os católicos, arrependidos por tantos disparates que teriam cometido durante o Entrudo, iam penitenciar-se às igrejas e saíam à rua, refeitos, com cinza na testa, aplicada pelos sacerdotes. Os agnósticos, ou os mais esquecidos das obrigações, partiam para «fora de portas» a deglutir famosas ementas que faziam parte das cozinhas das casas de pasto dos arredores e onde, naturalmente, havia vinho afamado.
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Semana Santa em Lisboa |1907| Igreja de Nossa Senhora do Loreto no Largo do Chiado Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
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Semana Santa, à saída da Igreja do Loreto |1907| Largo do Chiado Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
As tipóias carreavam, por estradas hoje desaparecidas debaixo dos arranha-céus, toda uma malta de pândegos que ia afundar em bebedeiras os restos histriónicos dos dias do Carnaval. No
António das Caldeiradas, em Belém; no Ferro-de-Engomar e nas Pedralvas, por Benfica, no
Perna-de-Pau, ao Areeiro, o
Caliça, o
Quebra-Bilhas e outros que não nos ocorre, fazia-se o rescaldo da paródia! Acabaria a estúrdia noite alta com fados cantados por gargantas privilegiadas.
Para a canalha miúda eram mais uns dias de férias. Depois da licença, as amêndoas e o folar cheio de ovos. Mas a
Semana Santa era algo de solene. Podia-se não ser crente, que família católica impunha já na
quarta-feira de Endoenças a gravata preta. Não se discutia. Havia sermões nas igrejas e vasta audiência aos pregadores de maior fama. — Que belo sermão ouvimos hoje! — Os padres, Governo, Farinha e Fernandes de Castro, entre outros, atraíam um público de qualidade. la-se de igreja em igreja para os ouvir!
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Semana Santa, à saída da Igreja da Encarnação |1912| Largo do Chiado Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
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Semana Santa, à saída da Igreja da Encarnação [|22-4-1922| Largo do Chiado Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
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Senhoras durante a Semana Santa |1912| Rua António Maria Cardoso; ao fundo, o Largo do Chiado Pela Páscoa, na altura da Semana Santa, era tradição o luto carregado, as pessoas vestiam-se de escuro e com discrição. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Quinta-feira Santa era o dia de maior respeito, havia silêncio nas ruas, apesar da multidão que, de luto, visitava as sete igrejas da obrigação. O ar cheirava a rosmaninho que atapetava as entradas dos templos, onde mulheres vendiam raminhos com alfazema e alecrim. Nas pastelarias, cheias de gente, os caixeiros não tinham mãos a medir para aviar as guloseimas.
Naquele tempo, o
sábado de Aleluia era uma festa! Desapareciam dos altares os reposteiros roxos, reboavam os sinos no entusiasmo da vida nova! Colaborando no festival de Deus, bandos de pombos eram libertos nas naves das igrejas.
Depois do Concílio foram alteradas algumas normas, mas o Domingo de Páscoa continua a ser a alvorada cheia de luz que a todos enternece e enche de alegria. É o grande dia litúrgico; desapareceram os lutos, desejam-se reciprocamente as Boas-Festas!
Largo do Chiado
Venda do rosmaninho em Quinta-feira Maior [22-4-1922]
Largo do Chiado
Venda do rosmaninho em Quinta-feira Maior [18-04-1935]
in Lisboa de Antigamente
Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.