Já agora, anotemos o luxuoso Hotel Aviz, que se contém no quarteirão que segue para Sul — sugere o ilustre Norberto de Araújo.
Foi aqui o palacete que o director de «O Século», José Joaquim da Silva Graça, fez levantar em 1904 (desenhado para habitação pelo arq.º Ventura Terra), para sua moradia particular. Em 1919 José Rugeroni, genro de Silva Graça, adquiriu este palacete ao mesmo tempo que comprava «O Século»; em 1931 decidiu José Rugeroni converter o palacete, com seus jardins e anexos, num hotel de luxo.
O edifício foi então radicalmente transformado, segundo a orientação do seu proprietário, com o qual colaborou o arquitecto Vasco Regaleira.
O Hotel, cujo levantamento só foi possível com o auxilio financeiro da Caixa Geral de Depósitos, foi inaugurado em 24 de Outubro de 1933.
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Hotel Aviz (Palacete Silva Graça) |c. 1960| Av. Cinco de Outubro com a Av. Fontes Pereira de Melo Na fachada destaque para a enorme águia de asas abertas. Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
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Hotel Aviz (Palacete Silva Graça) |c. 1960| O palacete do antigo jornalista Silva Graça situava-se entre as ruas de Tomás Ribeiro, Viriato, Latino Coelho e Avenida de Fontes Pereira de Melo. Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
O Hotel está recamado de arte na construção e decoração de sentido histórico no seu ambiente; é possível que pareça pretensioso, mas resultou bem o risco, até pela solução de vários problemas, nos quais a intenção e o bom gosto se poderiam chocar.
Um «hall» vistoso introduz num salão «Renascença» — grande vestíbulo — no qual se vê, à direita, um fogão, tipo de lareira portuguesa, com ricas colunas de madeira lavrada, peça que adveio da Vila de Santo António, à Junqueira, que pertenceu aos Burnays; sobre ele se colocou um brasão da Casa de Aviz. Do lado oposta vê-se um belo armário « Renascença», exemplar seiscentista que estava no Convento das Trinas; anota aquela formosa porta monumental ao fundo, e a balaustrada de ferrageria portuguesa antiga, peça que pertenceu à capela do Convento de Sacavém. Evidentemente todos estes exemplares beneficiaram de restauro. As sobreportas ostentam as armas e as divisas dos infantes da Ínclita Geração.
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Hotel Aviz (Palacete Silva Graça) |c. 1960| Vestíbulo no qual se vê, à direita, um fogão, tipo de lareira portuguesa e balaustrada de ferrageria portuguesa antiga. Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
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Hotel Aviz (Palacete Silva Graça) |c. 1960| Salão «Renascença». Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
A
Sala de Leitura, com mobiliário de estilo alentejanos, o «bar», no qual se notam baixos relevos históricos de Diogo de Macedo, e um sentido original no mobiliário, os terraços decorados com azulejos de tipo hispano- -árabe - definem já o « carácter e a fisionomia do Hotel.
As dependências e quartos, no primeiro pavimento, designam-se por «Suites», ou melhor — por correntezas — , que tomaram os nomes dos reis e príncipes da Casa de Aviz: D. João I, D. Filipa de Lencastre, D. Duarte, D. Pedro «Regente», Infante D. Henrique, Infante Santo e Infante D. João. As guarnições interiores dos aposentos são ricas, como arte aplicada.
A Sala de Jantar situa-se no primeiro pavimento, abrindo dos jardins; há que destacar nela um grande painel de azulejos (Leopoldo Batistini) que reproduz uma das tapeçarias portuguesas de Pastraña (Espanha), além de outras decorações artísticas, de sentido histórico e etnográfico.
Como viste, o Hotel Aviz não está mal; este, e o Palace do Bussaco, constituem os dois únicos espécimes de hotel de luxo em Portugal.¹
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Palacete Silva Graça depois Hotel Aviz |c. 1905| Perspectiva tirada do cruzamento da Av. Cinco de Outubro com a Rua Pinheiro Chagas na direcção da Av. Fontes Pereira de Melo. Do lado esq. nota-se o muro da Casa-Museu Doutor Anastácio Gonçalves, antiga Casa Malhoa. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
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Palacete Silva Graça depois Hotel Aviz |c. 1908| Perspectiva sobre os jardins do Palacete Silva Graça vendo-se a Av. Cinco de Outubro à dir. e a Rua Viriato à à esq... Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
N.B. O quarto número 72, com uma casa de banho extraordinária, ficou conhecido pelo Quarto Eva Perón; noutras épocas recebeu também Cecil B. DeMille. Além destes, passaram por lá Mastroianni, Sinatra, Ava Gardner, Maria Callas e outros. Calouste Gulbenkian viveu e morreu neste Hotel. Durante a Grande Guerra também espiões alemães foram frequentemente instalados no Aviz, como o famoso Dusko Popov, e membros de famílias reais, como Humberto II de Itália,
o futuro rei Juan Carlos de Espanha e o ex-rei da Roménia, Carol. Este
último tinha abdicado do trono romeno sob pressão alemã, em 1940. Como
estava sempre a ser seguido por membros da Gestapo durante a sua estadia no Aviz, nunca deixou o hotel antes de se mudar para a Casa Mar e Sol, no Estoril.
O Hotel Aviz foi também o local do lendário jantar do duque de Windsor − antigo rei Eduardo VIII de Inglaterra − e da sua esposa Wallis Simpson. O jantar teve lugar a 30 de Julho de 1940, no dia anterior à sua partida a bordo do Excalibur para as Bahamas, onde lhe foi atribuído o cargo de governador por Winston Churchill. Os serviços secretos alemães planeavam raptar o duque, que simpatizava fortemente com a Alemanha nazi, nessa mesma noite. Mas os serviços secretos britânicos descobriram a Operação Willi e a trama nazi falhou.²
Demolido em 1962 erguem.se no seu lugar o “Edifício Aviz e o “Hotel Sheraton”.
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Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 81-82, 1939.
² LANGENS, Joke, Lisboa em 10 Histórias, 2022.