Já agora demos uns passos por estes becos e reentrâncias, bem primitivas, do Largo Rodrigues de Freitas, antigo Largo de Santo André.
Levam, as casas quinhentistas do Menino Deus ,
quatrocentos anos. Sempre assim tal qual as vemos? Não seria possível
que estes presépios durassem tanto em sua fisionomia primitiva, sem um
restauro, sem um toque dos alvanéis. Mas assim
mesmo, tal qual estão, e adoráveis, são os únicos espécimes
representativos da construção popular no tempo do «Venturoso» [D. Manuel I].
Fazem parte da zona pitoresca do velho sítio de Santo André, na na encosta que tem a Igreja do Menino Deus por marco sagrado.
Largo Menino Deus [ [c. 1900] Casa Quinhentista no antigo Largo de Santo André; Beco dos Fróis (Froes) José Artur Leitão Bárcia, in Lisboa de Antigamente |
As casas da Rua dos Cegos e do antigo Largo de Santo André — são duas aguarelas. Dois mimos que se contemplam com veneração e ternura, aqui neste sítio — onde se topam ainda exemplares setecentistas, em casas pobríssimas, e que existem por milagre.
As duas casas quinhentistas — monumentos da poesia
urbana popular — têm «cabelos brancos, cor-de-rosa». A da Rua dos
Cegos, de um andar único, já sem o painel de azulejos que perdura na
aguarela de Roque Gameiro — é um apontamento ingénuo da
arquitectura cenográfica bairrista, um pouco ao tipo de Alfama,
conspurcada pelas idades.
A do Largo de Santo André [actual Largo Rodrigues de Freitas], a par do Menino Deus — é um amor.
Pequenina, inevitavelmente cor-de-rosa, com sua escada exterior, sua
antiga adufa a tocar o beiral do telhado — constitui o mais delicado
esquiço urbano da Lisboa antiga. Envolve-a o Beco do Fróis [à esq.], em cotovelo, recanto humilde, do tipo pitoresco inocente, que guarda flores a espreitar das gelosias.
Tudo isto por aqui — rescende. Evola-se das cousas um perfume de alfazema, como das roupas frescas de um bragal. E, contudo, parece que o negrume do templo setecentista escorre, extravasa, entra nas ruelas e asfixia a sensibilidade. O velho Santo André, já sem igreja e já sem arco, só existe no dístico da Calçada. Mas ainda podemos ver, pelos olhos da imaginação, as velhinhas moradoras daqueles pitorescos presépios quinhentistas, embiocadas, tairocando, rosário entre os dedos, atravessarem o empedrado do largo, cortarem o alpendre, entrarem na velha paroquial de D. Dinis — e ajoelharem diante da imagem de Nossa Senhora da Vida.
ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, vol. II, pp. 162-163, 1943
idem, Peregrinações em Lisboa, vol. II, pp. 74-77, 1938.
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