Sunday, 3 August 2025

Rua do Açúcar

Ora entramos na Rua do Açúcar. Aqui vês à esquerda, um pedaço de alto muro antigo, côr de rosa, que resiste à improvisação de armazéns, e à onda crescente de edificações. É o Beato velho — e simpático.

A Rua do Açúcar é um topónimo cuja data de atribuição se desconhece, mas que será seguramente a partir do século XVI, já que a denominação deriva, como refere Ralph Delgado, de uma fábrica de açúcar existente nesta rua, num dos prédios colocados a seguir à segunda Quinta da Mitra. Esta indústria era pertencente, em 1763, a um súbdito inglês, Christian Smith que morava na Quinta do Bettencourt, e ainda existia em finais do século XVIII, como nos refere a obra Pelas Freguesia de Lisboa – Lisboa Oriental. [cm-lisboa.pt]

Rua do Açúcar |195-|
Antiga Direita do Açúcar
Vista tomada da Praça David Leandro da Silva vendo-se à dir. o antigo Palácio Bettencourt (ou Pátio do Beirão) paredes meias com a Vila Santos Lima, conhecida também como Vila Pereira.
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Apenas salvado, em baixo, o postigo do portão, que fechou sobre si com estrondo, apressado tomou rua abaixo, direito ao largo do Assucar. Nas ruas calmas e sombrias, d'um pronunciado ar industrial, quasi desertas, começavam a formigar pela penumbra dos passeios, jofrando turbulentos dos boqueirões das fábricas, os grupos anêmicos das creanças. [Abel Botelho (1855-1917), Amanhã, 1894]

Rua do Açúcar |195-|
Antiga Direita do Açúcar com a Praça David Leandro da Silva observando-se à esq. o edifício do Clube Oriental de Lisboa.
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Friday, 1 August 2025

Rua do Regedor, a São Cristóvão

Neste sítio — recorda Norberto de Araújo — assentaram os Paços de S. Cristóvão, nos séculos XV e XVI, com grandes tradições realengas e cortesãs, e que no tempo de D. João II pertenceram a D. Álvaro de Bragança, [Senhor de Vagos] e Regedor das Justiças [e daí se deu à rua que vai do Largo de S. Cristóvão para o Largo do Caldas o nome de Rua do Regedor], filho de D. Fernando, 1.º Duque deste título. [Araújo, IIL, 1938]

Rua do Regedor, a São Cristóvão |1924-06-08|
Palácio Vagos com a Igreja de São Cristóvão, em fundo. 
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 27 July 2025

Cordoaria Nacional que foi «Real Fábrica da Cordoaria»

Já agora olhemos este edifício baixo, enorme, sobre o rio: a Cordoaria Nacional. A Cordoaria Nacional — recorda o ilustre Norberto de Araújo — , dependente do Ministério da Marinha, foi criada pelo Marquês de Pombal em Junho de 1771, sobre terrenos contíguos ao Forte de S. João

Do final do século XVIII até o princípio do século seguinte, e desde que um documento oficial regulou o serviço de cordoaria, pinhais e matas, para o armamento dos navios de guerra, esteve o novo estabelecimento em actividade florescente, que depois abrandou; para o proteger foi necessário proibir a importação de cordoaria estrangeira, e um seu inspector, conselheiro Miguel Franzini, conseguiu cerca de 1820, elevar de novo a grande nível a Cordoaria Nacional, em parte incendiada em 1826, logo reconstruída, e que pelo decorrer do século passado recebeu grandes melhoramentos quer técnicos quer materiais.

Cordoaria Nacional, ala nascente |194-|
Avenida da Índia; Rua da Junqueira, 187-189; Travessa das Galeotas; Rua de Mécia Mouzinho de Albuquerque
Erguido no cenário da antiga praia de Belém, está actualmente integrado no plano urbano que define a Junqueira e a Avenida da Índia, estendendo-se por um conjunto de construções alinhadas paralelamente ao rio.
Kurt Pinto, 
in Lisboa de Antigamente
Cordoaria Nacional, poente|194-|
Avenida da Índia; Rua da Junqueira, 187-189; Travessa das Galeotas; Rua de Mécia Mouzinho de Albuquerque
A entrada principal é feita por um corpo central de dois andares que permite a distribuição por todo o edifício.
Kurt Pinto, 
in Lisboa de Antigamente

São notáveis pela sua extensão e construção das duas grandes oficinas que ocupam quási na totalidade longitudinal do edifício, nas duas alas laterais. 
No edifício da Cordoaria Nacional instalou-se em 1902Escola de Medicina Tropical, cujo nome em 1937 passou a ser o de Instituto de Medicina Tropical, com laboratórios, biblioteca especializada, e instalações de Higiene e Patologia Exóticas.

Cordoaria Nacional, fachada N. |1961|
Rua da Junqueira esquina com a Rua de Mécia Mouzinho de Albuquerque; Avenida da Índia; Travessa das Galeotas. 
Na fachada do corpo central virada à Rua da Junqueira N., sobressai o portal com moldura de cantaria, combinado com uma janela de avental e verga curva.
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

N.B. Com provável traçado do arqº Reinaldo Manuel dos Santos (1731 - 1791), é testemunho de uma construção de carácter industrial onde se albergavam, entre outras, oficinas de cordame, velame e alfaiataria e bandeiras, a sua traça arquitectónica é marcada por um despojo decorativo, destacando-se na fachada norte do corpo central um portal com emolduramento de cantaria, animada por janela de avental e verga curva. Na fachada sul do mesmo corpo central podemos encontrar um portal com emolduramento e verga em arco abatido.
O edifício sofreu, ao longo dos tempos, diversas campanhas de obras, ditadas quer pelos incêndios que nele grassaram em 1826, 1881 e 1949, quer pela necessidade de adaptação dos seus espaços à instalação de serviços que não estavam directamente relacionados com a sua vocação original, quer pelas alterações impostas pelo tecido viário circundante.

Cordoaria Nacional |195-|
Avenida da Índia; Rua da JunqueiraTravessa das Galeotas; Rua de Mécia Mouzinho de Albuquerque
Fotografia aérea da Avenida da Índia, zona da Cordoaria Nacional à Junqueira.
Mário de Oliveira
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de Peregrinações em Lisboa», vol. IX, p. 55, 1939.
PINHO LEAL, (Augusto) Portugal Antigo e Moderno, 1874.

Friday, 25 July 2025

Cinema Vox

O Cinema Vox foi recebido com referências lisonjeiras ao seu «espaço confortável, elegante e de óptimo aspecto» com uma sala com capacidade para 604 espectadores, que se distribuíam pelas cadeiras e poltronas estofadas, com acessos alcatifados.

O Cinema Vox foi inaugurado a 16 de Abril de 1969 com o filme "Jogos Perigosos", com Simone Signoret e James Caan. De fachada elegante (projecto dos arquitectos Aníbal Barros da Fonseca e Eduardo Paiva Lopes), situava-se na Rua Bulhão Pato, logo a seguir ao Teatro Maria Matos. Tinha uma sala com capacidade para 604 espectadores e estava apetrechado com um dos mais modernos sistemas de projecção da altura, que inclusive possibilitava a visão dos filmes em 70 mm e 6 bandas estereofónicas. A sala era em tom verde-escuro, a contrastar com as poltronas, que eram em amarelo-torrado. Tinha um foyer bastante comprido (com as paredes revestidas de madeira de excelente efeito), incluindo um piso inferior, onde funcionava o bar. 

Cinema Vox |1977|
Rua Bulhão Pato (até 1955 era a Rua 51 do Sítio de Alvalade).
Vasques, in Lisboa de Antigamente

Antes de se tornar no King Triplex (1988-2013), o Vox passou por uma fase intermédia o Espaço Voxmania – vocacionado para concertos de diversas bandas, como os G.N.R. ou os Heróis do Mar. Sendo um dos raros cinemas de Lisboa com uma programação própria, sem cedências ao mainstream, o King não aguentou a concorrência nem o despoletar da crise económica.
Assim, um dos últimos resistentes dos cinemas de Lisboa, foi obrigado a encerrar as suas portas no dia 24 de Novembro de 2013, para grande tristeza dos seus habituais espectadores, muitos deles vindos ainda dos tempos gloriosos do Vox original.
 
Cinema Vox |1969|
Rua Bulhão Pato
Ao fundo observa-se o edifício do Hotel Lutécia onde funcionava o Teatro Maria Matos.
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia 
Cinememórias, O Rato Cinéfilo, 2022.
ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa, 2012  

Sunday, 20 July 2025

Largo do Rato que foi «Praça do Brasil»

Conforme refere Norberto Araújo, nas suas «Peregrinações em Lisboa», «só os dísticos municipais e os letreiros dos eléctricos dizem Praça do Brasil; título pomposo com o qual a República portuguesa nascente em 1910 quis consagrar a República irmã mais velha de Além Atlântico».

O nome desta zona tem origem na alcunha que popularizou o esquecido patrono do Convento Trino, que domina o largo, e até finais do século XIX o único edifício de características nobres fundado em 1621 por Manuel Gomes de Elvas, influente cristão-novo de Lisboa. Depois da sua morte continuou a ser apadrinhado pelos seus descendentes, um deles, Luís Gomes de Sá e Meneses, tinha por alcunha “o Rato”, alcunha que se apegou ao convento e estendeu-se ao largo fronteiro.

Largo do Rato |1937-04-08|
Antiga Praça do Brasil, antes Largo do Rato, antes Rua do Rato, antes Rua Direita do Rato. Mais tarde, por edital de 23/12/1948, regressou ao topónimo Largo do Rato. |
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

«Desce a Rua das Amoreiras, deserta. Ao entrar no Rato é como se entrasse noutra cidade, noutro dia. Todas as pessoas e veículos que não estavam nas ruas vazias estão aqui, num mar de cabeças onde flutuam os carros parados, eléctricos, autocarros. Centenas, milhares de pessoas, a andar para todos os lados e paradas a conversar, numa azáfama de feira». (NOGUEIRA: 2012)

Largo do Rato |194-|
Perpectiva tomada da Rua das Amoreiras.
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Friday, 18 July 2025

Regueirão dos Anjos

A parte baixa da freguesia de Arroios abrange o troço da Avenida Almirante Reis, que lhe cabe actualmente, bem como o Intendente, as Ruas do Benformoso e dos Anjos, a do Febo Moniz e pouco mais. O Regueirão dos Anjos e a Rua do Benformoso constituem os vestígios dum talvegue, no fundo do vale, por onde corriam as águas. Júlio de Castilho diz, na sua «Lisboa Antiga», que o nível do Regueirão dos Anjos era considerado tão inferior ao das Ruas dos Anjos e de Arroios que não se podia canalizar os esgotos que aí se depositavam e que o transformavam em verdadeiro foco de infecção. Diz também que poucos anos antes (o autor escrevia em 1916), o Regueirão fora entulhado a mais de dois metros de altura para deixar de se transformar num enxurro caudaloso às mais pequenas chuvadas. Modernamente ainda o Regueirão não está de todo livre das inundações nos dias de muita chuva.

Regueirão dos Anjos |1942|
Vista do S. no sítio onde este é cortado pelo viaduto da Rua Febo Moniz (dist. 1909). 
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

N.B. Febo Moniz de Lusignan (1515-158-) foi um fidalgo, funcionário no Paço Real ao tempo de D. Sebastião e nomeado Procurador da Câmara de Lisboa às Cortes de Almeirim de 1580, onde se opôs à escolha de um estrangeiro para ocupar o trono português, pelo que quando Filipe II tomou o trono de Portugal, prendeu Febo Moniz, que morreu pouco depois.

Rua Febo Moniz vista do Largo de Santa Bárbara |c. 1980|
Edifício Portugal junto ao Regueirão dos Anjos.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 13 July 2025

Estr. de «Bemfica» que foi Estrada Real

Bemfica (estrada de) principia em sete Rios, indo de S. Sebastião da Pedreira e finda em Santo Antonio da Convalescença, freguezia de Bemfica. [Velloso: 1869]

Este topónimo está ligado à proximidade do Convento de São Domingos de Benfica. Esta localidade, onde viveu e morreu Frei Luís de Sousa (Manuel de Sousa Coutinho, este o seu nome antes de abraçar o sacerdócio)é descrita na sua História de S. Domingos cap. III do livro segundo. Leiamos isto do insigne clássico: «A huma piquena legua da cidade, pola estrada que corre para Cintra, (...) fica como escondido, e furtado a communicação da gente hum pequeno valle, que sendo naturalmente aprazível, por frescura de fontes e arvoredo, mereceo, ao que se póde crer, o nome que tem de Bemfica. (...) Na ladeira do monte maior, está situado o Convento, e d'ella se estende com sua cerca até hir beber no Rio».
Foi no Convento de São Domingos de Benfica que Frei Luís de Sousa professou como frade dominicano, em 1614. Este convento foi reconstruído no século XVII, parcialmente destruído pelo Terramoto de 1755 e extinto em 1834.

Estr. de «Bemfica» |1938|
Junto à Tv. S. Domingos de Benfica
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente
Estr. de «Bemfica» |1938|
Próximo do Calhariz
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente





























Bemfica, era sítio que, segundo Ramalho Ortigão: «Em nenhum outro lugar de Portugal, se exceptuarmos Sintra, se encontrarão reunidas em tão pequeno circuito, tão lindas, tão históricas, tão anedóticas, tão saudosas quintas. 
A antiga e amável povoação de Benfica, ainda que tão decaída hoje da alta importância que teve outrora no conceito, caprichoso e inconstante, da alta sociedade da capital, é ainda assim, no seu tanto, o recantinho suburbano de Lisboa que mais aproximada ideia nos sugere do que é para Roma o prestígio de Tivoli e de Frascati.» [Arte portuguesa, II, 1943]

Estr. de «Bemfica», 675 | 1961|
Boa parte do edificado já se encontra demolido.
Artur I. Bastos, in Lisboa de Antigamente
Estr. de «Bemfica», 542 |1971|
Próximo da Av. do Uruguai
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

“O break rodava na estrada de Bemfica: iam passando muros enramados de quintas, casarões tristonhos de vidraças quebradas, vendas com o seu masso de cigarro á porta dependurado de uma guita: e a menor arvore, qualquer bocado de relva com papoulas, um fugitivo longe da collina verde, encantavam Cruges. Ha que tempos elle não via o campo!” (Queiroz, Eça de, ln Os Maias, 1888)

Estr. de «Bemfica» |c. 1950|
Junto ao Calhariz no local onde os eléctricos faziam a inversão de marcha; antiga Estr. Real nº 82 (1889); alguns dos edifícios à direita ainda lá encontram.
Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Estr. de «Bemfica» |1961|
Esquina com a Avenida Grão-Vasco.
Augusto de Jesus Fernandes in Lisboa de Antigamente

Friday, 11 July 2025

Avenida Elias Garcia, 49

À anteriormente designada Avenida José Luciano foi atribuída a denominação de Avenida Elias Garcia, através do Edital de 5 de Novembro de 1910, integrando o conjunto dos primeiros dez topónimos atribuídos pela Vereação da Câmara Municipal em homenagem à República – Avenida da República e Avenida 5 de Outubro e a figuras republicanas como Almirante Reis, Miguel Bombarda e Elias Garcia – , alterando denominações referentes a figuras da monarquia. [cm-lisboa.pt]

Avenida Elias Garcia, 49 |1961|
Quarteirão entre as Avenidas da República e Defensores de Chaves.
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

N.B. José Elias Garcia (1830-1891) - Professor, jornalista, ativista político e coronel de Engenharia. Formou-se em Engenharia Militar na Escola do Exército, onde exerceu a docência. Dedicado aos ideais e ao movimento republicanos, em 1854 fundou O Trabalho, primeiro jornal republicano, tendo colaborado, a partir daí, em diversas publicações com a mesma orientação política. Quatro anos depois funda um outro jornal, o «O Futuro». Foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa, deputado reformista a partir de 1870 e deputado republicano em 1890. Ingressou na Maçonaria em 1853, onde exerceu uma atividade muito intensa, chegando a ser grão-mestre do Grande Oriente Lusitano. Foi director da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses. [infopedia.pt]

Avenida Elias Garcia, 49 1961
Quarteirão entre as Avenidas da República e Defensores de Chaves.
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente

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