Sunday, 21 September 2025

Largo Silva e Albuquerque que foi Rua dos Canos

Não tem o bairro da Mouraria — de tão ressonante nome — o fundo sólido lisboeta do de Alfama. Não é, porém, menos característico, embora o seu pitoresco se concentre apenas em três ou quatro artérias buliçosas. Começou a povoar-se logo depois da tomada de Lisboa em 1147, quando D. Afonso Henriques para aqui atirou os mouros «forros», que ocuparam as encostas das Olarias e dos Lagares, as abas do Castelo, pelo lado N., descendo até ao vale, que é a Praça do Martim Moniz de hoje.
 
Ora, aproximando-nos do cabo da jornada, entremos no Largo Silva e Albuquerque [hoje Praça do Martim Moniz] Ponde avulta a face poente do casarão Alegrete — condenado à demolição, e muito bem. Ali, na parte que abre para a Rua da Palma — recorda o ilustre Norberto de Araújo — existiu até há dois anos [c. 1936] uma estreita serventia rasgada pela demolição já iniciada neste sítio, em obediência ao plano urbanista municipal.

Largo Silva e Albuquerque que foi Rua dos Canos |c. 1900|
Aguadeiro junto ao Palácio do Marquês de Alegrete.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

O sítio é feio, desagradável, sem pitoresco, ainda que com signıficação bairrista, nos seus cafés de tipo antigo, botequins e tavernas de peixe frito, durante o século passado de fama equívoca.
O dístico foi substituído, em 1885, por este actual de Silva e Albuquerque, em memória de José Maria da Silva e Albuquerque, operário muito culto, um apóstolo da instrução primária gratuita, falecido em 1879.

 

Largo Silva e Albuquerque que foi Rua dos Canos |1938-10-12|
Palácio do Marquês de Alegrete, portal sul-poente.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

O Palácio dos Marqueses de Alegrete foi construído pelos condes de Vilar-Maior, no século XVII, sobre um lanço da muralha (da cerca de D. Fernando) e sobre a porta da Mouraria. Depois, elevado o conde de Vilar-Maior ao título de Marquez de Alegrete, se ficou chamando á porta da Mouraria — Arco do Marquez de Alegrete, nome que ainda conserva, e dando-se também o de «Rua do Arco do Marquez de Alegrete, à que d'esta porta vae ao Largo do Poço do Borratem».
(in Portugal antigo e moderno, 1873)

Largo Silva e Albuquerque com a Rua da Palma em fundo |1946|
Palácio do Marquês de Alegrete (demolições)
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol XV, pp. 221, 1936.
ARAÚJO, Norberto de Peregrinações em Lisboa, vol. III, pp. 78-79, 1938.

Friday, 19 September 2025

Avenida da Liberdade: posto avisador de incêndios

A acção do B.S.B. dependia em grande parte da actuação rápida no inicio dos fogos; para isso mantinha, em 1940, um serviço de comunicações próprio, constituído por 153 avisadores de incêndio na via pública, e 200 telefones em edifícios do Estado e do Município (139), casas de espectáculos (44) armazéns è estabelecimentos (17). [RML: 1940]

Avenida da Liberdade: posto avisador de incêndios |1927-11-13|
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 14 September 2025

Calçada e Ascensor do Lavra

O segundo ascensor montado no nosso país é o da Calçada do Lavra, em Lisboa. Fez-se nele a primeira experiência no dia 7 de Abril de 1884 — experiência que mereceu do jornal o Economista a descrição que se segue (manteve-se a grafia da época):

Esta noite, pelas 7 e meia horas, realisou-se a primeira experiencia das ascenções pela calçada do Lavra. Com a chegada dos srs. Antonio dos Santos Beirão e Antonio Ignacio da Fonseca, directores, Raul Mesnier, engenheiro, e varios convidados entre damas e cavalheiros que logo entraram na carruagem que estacionava no fundo da calçada do Lavra; Illuminou-se logo a rampa em toda a sua extensão, por meio de archotes, e as carruagens ascendente e descendente, partiram ao som das palmas e dos hourrahs, de centenas de curiosos que estacionavam no largo da Annunciada.
A subida effectuou-se não só sem o menor incidente, mas até com um belo resultado, realmente inesperado pelo proprio engenheiro, como este mesmo nos disse depois. Com effeito, nem o material fixo, como rails, roldanaş, etc., nem o circulante, estão sufficientemente poidos para que os attrictos estejam reduzidos ao minimum.
O que é realmente phantastico é o cruzamento das duas carruagens caminhando na rampa, em sentido opposto, com rapidez verdadeiramente vertiginosa. É claro que este cruzamento se faz sempre sem o menor perigo para os passageiros, por quanto as vidraças são todas gradeadas de largas redes de arame que não permittem que, por descuido alguem se lembre de deitar a cabeça ou um braço por ellas; e portanto apezar da pequena distancia em que se cruzam as carruagens, não ha o menor receio de desgraça pessoal.
Fizeram-se quatro ascensões todas com o melhor resultado, e as carruagens chegavam sempre ao fundo da rampa saudadas por bravos enthusiasticos da multidão agglomerada no largo.
Estas ascenções fizeram-se todas com grande regularidade, havendo apenas a notar a grande demora que ha entre a chegada e a partida. É tal demora proveniente, como hontem dissemos, da insufficiencia da canalisação da agua que não permitte que o deposito que existe em cada uma das carruagens e que leva 3:500 litros, se encha com a rapidez desejada.

Calçada e Ascensor do Lavra |1943-09-03|
Obras de renovação dos elevadores do Lavra.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Grandes louvores cabem por esta occasião á gerencia da companhia das aguas que, animada da melhor vontade, não só reduzida 30 réis por metro cubico a agua destinada ao serviço da empreza, (o que afinal de contas é ainda caro) mas prometteu mudar a canalisação com a maior rapidez, devendo esta noite mesmo, começar essa obra.
Ouvimos varias pessoas manifestarem alguns receios de andar no ascensor, attendendo á possibilidade de qualquer incidente, da ruptura do calabre, por exemplo. Não deve, porém, haver o menor receio, porque esse caso está previsto. O gancho de ferro que entra na calha e prende o calabre [cabo] está ligado por uma forte molla a uma grande alavanca, na extremidade da qual existe um contra-peso de 80 kilogrammas.
Se por qualquer eventualidade se quebrasse o calabre, soltava se a molla, cahia o contra-peso, e o freio automatico, constituido por fortissimas braçadeiras de aço, apertava o eixo das rodas que parariam instantaneamente. Para evitar o glissement, existe sob as rodas que são denteadas uma cremalheira que acompanha os carris e que impossibilita o menor movimento logo que o freio automatico aperte o eixo.
Por esta singela descripção pódem os nossos leitores imaginar quão bem disposto se acha todo o machinismo para evitar os menores incidentes, e que os ascensores teem entre nós um largo futuro pela grande facilidade que ha de, por meio d'elles e por modico preço, vencer o accidentado terreno da nossa capital. [Leal: 1882]

Calçada e Ascensor do Lavra |c. 1940|
Largo da Anunciada com a Rua das Portas de Santo Antão; Palacete Alfredo de Andrade
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Friday, 12 September 2025

Rua Tomás Ribeiro esquina com a Rua Filipe Folque

Tomemos pela Rua Tomaz Ribeiro (antiga do Sacramento), e que, como a das Picôas, foi anterior à urbanização do fim do século. Ainda, à esquerda, se lhe notam nalgumas pitorescas casas reminiscências do tempo velho.» [Araújo: XIV, 1939]

Por edital da C.M.L. de 1907, a antiga Rua do Sacramento, que era a continuação da Estr. da Cruz do Tabuado, indo da Rua Gomes Freire, que começava na esquina da Largo do Chafariz de Andaluz e findava no Largo de São Sebastião da Pedreira, passou a denominar-se Rua Tomás Ribeiro.
Filipe de Sousa Folque (1800-1874) foi um aristocrata, político, militar e matemático português. Topónimo atribuído em 1902.

Rua Tomás Ribeiro esquina com a Rua Filipe Folque |1961|
Na direcção de S. Sebastião da Pedreira
Augusto de Jesus 
Fernandes, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 7 September 2025

Edifício da Ford Lusitana

A sede da “Ford Lusitana, SARL”, fundada em 11 de Janeiro de 1932, situava-se na Rua Castilho em Lisboa, e foi projectada pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro em 1930. Foi demolido em 1974.

O edifício-sede da Ford Lusitana, situava-se no gaveto da Rua Castilho com a Rua Marquês de Subserra, no quarteirão seguinte aquele onde mais tarde o autor viria a projectar o Hotel Ritz.
Para além de escritórios, oficinas e venda de peças o edifício que se destinava a «expor e vender Automóveis, camiões e tractores, também exibia e vendia aviões».
O edifício adopta uma arquitectura de grande horizontalidade ao longo das duas ruas, sendo essa característica acentuada no 1º andar coberto por um terraço.

Edifício da Ford Lusitana, filial da Ford Motor Company U.S.A.  |1937|
Rua Castilho, 149 com a Rua Marquês de Subserra, 2.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

No gaveto, fazendo charneira entre os volumes ao longo das ruas surge um grande corpo cilíndrico de vidro, luminoso onde a marca se destaca dia e noite [vd. última imagem].
Este volume redondo, para além de uma forte componente publicitária que, com êxito imprimiu ao edifício, marca a entrada principal para clientes no edifício. Na altura da sua construção o edifício tinha grande exposição, sendo visível desde a Praça Marquês de Pombal, dominando o lago então existente no atualmente denominado Parque Eduardo VII.

Edifício da Ford Lusitana |c. 1940|
O Parque Eduardo VII foi ajardinado em 1929; a esq., sobe a Rua Joaquim António de Aguiar.
Eduardo Portugal
, in Lisboa de Antigamente
 Vista aérea sobre o Parque Eduardo VII |c. 1950|
Ao centro observa-se o edifício-sede da Ford Lusitana e, à esq. deste, os terrenos do futuro Hotel Ritz (1959). Atrás nota-se o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho.
Mário de Oliveira, in Lisboa de Antigamente

Concebido para ter grande presença na noite de Lisboa, apresentava rasgados vãos ao nível do R/C onde os modelos da marca se podiam facilmente observar por quem passava nas zonas circundantes.
Neste projecto o arquitecto escolhe as peças e desenha mesmo algum mobiliário, o que permite a concepção da obra como um todo.
(PACHECO, Ana Assis - Ob. cit., 1998)

Edifício da Ford Lusitana |c. 1940|
Gaveto da Rua Castilho, 149 com a Rua Marquês de Subserra, 2
Fachada com corpo cilíndrico de vidro, luminoso onde a marca se destaca dia e noite-
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

N.B. Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957) foi um dos mais importantes arquitectos da primeira metade do Século XX em Portugal e principal responsável pela viragem modernista da arquitectura portuguesa.
O legado do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro conta com obras como as Gares Marítimas de Alcântara (1943) e da Rocha do Conde de Óbidos (1948), a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (Prémio Valmor 1938), o edifício do Diário de Notícias (anos 1930, premiado em 1940), entre muitas outras.

Friday, 5 September 2025

Cruzamento da Rua Áurea com a Rua da Santa Justa: a «calçadinha do tijolo»

A Senhora D. Alzira, uma querida e muito simpática idosa com os seus oitenta e oito anos, portuense de gema, criada no seio dos mais simples e desfavorecidos habitantes da Invicta, acompanhada pelo marido, o Senhor Alfredo, uns anos mais jovem, davam início a mais uma madrugada na venda de jornais, junto à montra da ourivesaria Torres [antiga Casa de chapéus e modas Jsyme Pinto, vd. 2ª imagem], no cruzamento da Rua de Santa Justa com a Rua Áurea, precisamente no local de acesso ao Elevador de Santa Justa.
(Alexandre Nunes, Antologia do presente, passado e futuro, 2015)

Cruzamento da Rua Áurea (vulgo do Ouro) com a Rua da Santa Justa |1922-08-18|
O Marco Postal que se observa na imagem — um dos primeiros a ser colocado
nas ruas da capital — é um modelo de 1895. 

Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Este trecho entre as duas artérias era chamado, por volta de mil oitocentos e troca o passo, de «calçadinha do tijolo», devido ao pavimento ser de tijolo. No início da década de 1920, podia ver-se, a nordeste, a Tabacaria Mendes & Rodrigues (à esq. na 1º imagem e actualmente Perfumaria Vogue) e, a sudeste, a Relojoaria Batalha [v. aqui], que ainda actua no mesmo ramo, agora com o nome Relojoaria Suíça — qualquer delas já encerradas. [Dias: 1998]

Cruzamento da Rua Áurea (vulgo do Ouro) com a Rua da Santa Justa |1922-08-20|
Tijolo (calçadinha do) denominação dada pelo vulgo á parte que vae da antiga rua nova do Carmo até á rua Aurea, na então travessa de Santa Justa. [Velloso, 1869]
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Sunday, 31 August 2025

Profissões de antanho: o ardina

— Olh'ó Notícias, o Diá... Notícias!
— Olh'ó Século, saiu agora!
A profissão de vendedor de jornais — o ardina — começou a bem dizer, com a publicação do Diário de Notícias, a partir de 1 de Janeiro de 1865, uma vez que, anteriormente, não havia jornais diários à venda pelas ruas de Lisboa, pois apenas era permitida a venda de papéis noticiosos, realizada por cegos, conhecidos pelos «cegos—papelistas» que constituíam uma Irmandade, criada pelo Marquês de Pombal, como protecção aos invisuais, para que não andassem mendigando pelas ruas de Lisboa.
Daí que, ao surgirem os ardinas apregoando o Diário de Notícias, logo se levantasse certa resistência, tanto por parte dos invisuais como duma mendicidade lucrativa que enxameava Lisboa e via sem razão nos rapazes dos jornais certa concorrência.

Profissões de antanho: o ardina |1913|
Praça do Comércio vulgo Terreiro do Paço.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

A verdade é que apenas trinta rapazes iniciaram a venda do Diário de Notícias, embora, três meses passados, mais de cem se ocupassem da venda do jornal, donde auferiam diariamente entre 200 a 400 réis! E de tal forma o negócio se foi valorizando que, a dada altura, um deles, que havia adquirido posse de local de venda, o passou temporariamente a outro por cem mil réis, e para o readquirir teve de lhe pagar o dobro!
Em 1887 já os vendedores de jornais tinham associação de classe, para socorro mútuo e instrução, o que lhes deve ter proporcionado boas vantagens, uma vez que se tratava de rapazes tirados à vadiagem das ruas, rapidamente adquirindo personalidade e confiança no trato do negócio, a tal ponto que chegaram a levantar os jornais a crédito, quando em dificuldades. E assim muitos foram vencendo na vida, sendo mais tarde comerciantes e industriais.

Profissões de antanho: o ardina |1926-03-01|
Grupo de vendedores de 'O Século' à porta deste jornal na antiga Rua Formosa.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
 
Provindo, quase todos, da classe ovarina, que há muito assentara arraiais nos bairros da Madragoa e da Esperança, o ardina era esperto e trabalhador na profissão que lhe dava liberdade para galgar Lisboa de lés a lés, na ânsia de levar o jornal ao fim da cidade, contanto que chegasse primeiro que todos! Garoto da rua, mal liberto das saias da mãe — a varina — , o ardina, com a venda dos jornais, levaria para casa uma ajuda valiosa aos parcos rendimentos da família. [Dinís: 1986]

Monumento a Eduardo Coelho |post. 1904|
Ao centro destaca-se a imagem de um garoto a apregoar jornais, o popular «ardina». Quiosque do  Jardim Miradouro de São Pedro de Alcântara

Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Friday, 29 August 2025

Praça do Martim Moniz: os vendedores de manjericos e o Mundial

A tradição conta-nos que Martim Moniz era um dos cavaleiros de D. Afonso Henriques que em 1147, na conquista de Lisboa, se atravessou numa porta da muralha do Castelo dos Mouros, impedindo o seu fecho e, sendo de imediato morto pelos sitiados enquanto garantia a abertura necessária para a entrada dos exércitos cristãos conquistarem a cidade.
Em 1908, o herói Martim Moniz ganhou uma placa evocativa na porta do seu sacrifício e, em 1915, ficou também imortalizado na toponímia da Mouraria já que a Rua de São Vicente à Guia – que se situava entre a Rua da Mouraria, Rua do Arco do Marquês de Alegrete e a Calçada do Jogo da Pela – se passou a denominar Rua Martim Moniz, pelo Edital de 14 de Outubro de 1915. Contudo, as alterações urbanísticas do local iniciadas a partir da década de 30, a pretexto de ligar a Avenida Almirante Reis ao Rossio, acabaram por fazer desaparecer o Mercado da Figueira, parte da Mouraria e este arruamento. [1943-1974 - Actas da Comissão Municipal de Toponímia de Lisboa]

 Praça do Martim Moniz |1961|
Venda de manjericos.
Augusto de J. Fernandes, in Lisboa de Antigamente

Quando o Hotel Mundial foi inaugurado, em 1958, tinha o lobby virado para as traseiras da Igreja de São Domingos e para a Barros Queirós, ruela muito comercial que leva ao Rossio. Depois, o Mundial expandiu-se, quase ocupou o quarteirão, triplicou os quartos e abriu-se para o Martim Moniz. {Fernandes: 2024]

Praça do Martim Moniz |1964|
Festas populares de Junho: venda de manjericos junto ao Hotel Mundial.
Artur Goulart, in Lisboa de Antigamente

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