Sunday 30 September 2018

Profissões de antanho: o vaga-lumes

O lisboeta conhecia-o por «caga-lumes». Eram funcionários da Câmara, usavam blusão largo cinzento e boné de pala.

Ao fim do dia, quando a luz começava a esmorecer, a azular as sombras pelas esquinas, vinha o vaga-lumes de comprida vara aos ombros, no extremo da qual havia uma chave de duas lâminas e um casulo de ferro com buracos a albergar e a proteger do vento uma pequena chama alimentada a petróleo.


Pelos bairros mais pobres e populares, onde ainda não chegara a electricidade, a iluminação pública era feita a gás, canalizado dos grandes gasómetros situados na Rua da Boa Vista, Avenida 24 de Julho e junto à Torre de Belém.
Ao principio da noite, carregando a sua pouca ferramenta, o vaga-lumes aproximava-se dos candeeiros, que felizmente, ainda ornamentavam as ruas da cidade e, com a chave, abria as torneiras. Por uma pequena janela de vidro, praticada na base, introduzia o casulo com a chama, acendendo de imediato a camisa rígida, feita de uma rede de fios de algodão, embebida em óxido de magnésio, a qual incandescia, atingindo rapidamente o rubro-branco e produzindo uma luz muito clara.

O vaga-lumes  [ca. 1900]
Praça do Comércio
 Fotógrafo não identificado, in AML

De madrugada, quando o Sol começava a dar uma leve claridade, o vaga-lumes vinha fechar o gás, tendo obrigação de limpar todos os aparelhos, para que os vidros estivessem sempre transparentes.
O vaga-lumes desapareceu das ruas de Lisboa, uma vez que toda a cidade deixou de utilizar a luz do gás, salvo algum beco escondido, em velho bairro, que o detenha testemunhar o passado!
Os artísticos candeeiros, sobretudo os de parede, ainda são objecto de grande interesse pela beleza e equilíbrio do desenho.

O vaga-lumes  [ca. 1900]
Fotografia anónima

A completar, diremos que o gás foi inaugurado em Lisboa em 1891 após muita resistência dos serviços camarários, que duvidavam, naquela época, que fosse possível fazer luz sem pavio — quando já existia a iluminação a gás nas várias cidades da Europa! A vontade do Governo de então prevaleceu contra os embargos que a Câmara inventava para que não continuassem as obras de escavações nas ruas da cidade. Isso é outra historia!

O vaga-lumes  [1814]
Costume of Portugal by Henry L'Evêque

Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.

7 comments:

  1. A 2a foto é de cá?! Parece-se mais com Inglaterra. A entrada, a grade, o número na coluna...

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    1. Sim, a foto é meramente ilustrativa, já que nos n/ arquivos rareiam imagens sobre este tema. Penso que seja em Londres.

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  2. Ainda me recordo destes vaga-lumes (popularmente 'caga-lumes') a acender
    os candeeiros prós lados da Rua de Santa Marta, em Lisboa.

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    1. Na mesma zona de Lisboa, onde morava minha tia-avó Alice, na Travessa das Parreiras (uma transversal à Rua de São José) acima da Rua do Passadiço

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  3. Era exigido algum grau de instrucao aos vaga-lumes no final sec. XIX?

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  4. Eu enquanto miúda odiava qd chamavam " caga-lumes" ao meu pai. Quem se atrevesse havia , fosse rapaz ou rapariga havia "porrada" na certa. Eu não perdoava a " ofensa" .

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  5. Eu sou neto de um beirão, Jozè Alves Talisca, Vaga Lumes em Lisboa durante 2 anos, mas era funcionário da Lisbonense , não da CML (?1899 -1903?) O seu chefe e primo , engenheiro faleceu na exposão da fabrica de Santos.

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