Thursday, 23 February 2017

Praça do Município, antiga do Pelourinho Velho

Antes do terramoto de 1755 havia em Lisboa a Praça do Pelourinho Velho e a Praça do Pelourinho Novo, nas quais se fizeram execuções de diferentes penas corporais. Ambas ficavam distantes da actual, que na ocasião daquele cataclismo era o Largo da Patriarcal, e anteriormente se chamava Pátio do Relógio, dos paços da Ribeira.


O Pelourinho, do qual advém o nome do Largo, data do último quartel do séc. XVIII, e de acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo « O Largo do Pelourinho (Pelourinho dito «o Velho» já antes do Terramoto) era uma pequena praça que na Lisboa da intrincada Baixa dos séculos anteriores ao sismo grande assentava no chão onde se ergueu o quarteirão sul extremo da actual Rua do Comércio, entre as Ruas dos Fanqueiros e Madalena de hoje; em 1392 aparece já uma referencia documental ao Pelourinho, cujo Largo, perto do qual ficava uma Casa do Senado da Câmara, porque se ergueu outro no Terreiro do Paço, transferido também depois para a Ribeira Velha. [...]

Praça do Município [1858]
Vista do antigo Largo do Pelourinho e do Arsenal da Marinha
Em 1886, por edital camarário de 24 de Março, o Largo do Pelourinho passou a Praça do Município, marcando a localização dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa.
Amédée de Lemaire-Ternante,
in Lisboa de Antigamente

«Pelourinho» era um símbolo da autonomia municipal; onde ele estava —  estava o Senado ou suas casas. Tinha uma significação de justiça aplicada nas execuções, mas só queremos vê-lo apenas na sua representação de autoridade municipalista e não na sua expressão fatídica.
«Pelourinho», ou picota, como todos sabem — recorda mestre Castilho — era a columna Mænia dos povos medievos. No foro romano a columna Mænia era o lugar do castigo dos criminosos; nas cidades e vilas cristãs tinha igual emprego, e figurava, além d'isso, como insígnia de jurisdição municipal. 
Ainda, e de acordo com o testemunho de Júlio Castilho, a primeira coluna, ou picota, terá vindo do antigo Paço Real de Santos-o-Velho pela mão de el-Rei D. Manuel:
Agora aqui vai uma minucia interessante para quem alguma vez tiver de desenhar algum quadro em que entre o paço Real de Santos-o-Velho: havia diante do portal da entrada uma coluna de pedra como simples objecto de adorno, creio eu. Cobiçou-a o Senado lisbonense para fazer d'ella pelourinho, e pediu-a a el-Rei D. Manuel, que em sua carta regia de 30 de Julho de 1510 lha concedeu de boa mente. «E quanto á coluna — diz o Rei — que estaa a porta das casas de samtos, com suas vasas [basas, ou bases, ou base, ou pedestal] q nos pedis pera a picota  mandaes fazer na Ribeira, praz-nos volla mandar dar e fazer d'ella merce p.ª a dita picota; e com esta vos mandamos carta p.ª steuam vaaz [védor, ou então o almoxarife do palacio]  volla mande dar».

Praça do Município [ant. 1900]
Vista do antigo Largo do Pelourinho e dos Paços do Concelho, a Casa da Câmara.
Fotógrafo não identificado,
in Lisboa de Antigamente


Este Pelourinho que vês — considerado monumento nacional — não sei (e creio que ninguém sabe) quem o fez; [...] é belo, inteiriço, com as suas três hastes de fuste torcicolado, a sua esfera armilar dourada e a sua simplicidade natural. Os distintivos de cadafalso que teve foram-lhe retirados em tempo de D. Maria II [1819-1853]
e acertadamente.
A Porta actual do Arsenal abriu-se onde assentava a «Porta da Oura» ou «do Ouro» da muralha fernandina, porta demolida em 1753; [...] O Arsenal, cujo edifício subsiste, começou a construir-se em 1759, pelo risco de Eugénio dos Santos Carvalho, ocupando o espaço da Casa da Ópera e da Ribeira das Naus.

Praça do Município [1968]
Vista do antigo Largo do Pelourinho
Armando Maia Serôdio,
in Lisboa de Antigamente

A Praça do Pelourinho Velho, em meados do século XIX, fervilhava de excitação e actividade artesanal e comercial, com gentes de todas as nacionalidades, uma verdadeira Babilónia. Damião de Goes no seu opúsculo latino sobre Lisboa, Urbis Olisiponis situs et figura, descreve o sitio assim:
«Directamente ao sair d'esta porta (da Ribeira) aparece uma praça, que se chama do Pelourinho velho. Aí acharás sempre não poucos homens abancados a mesas; podem chamar-se notários ou escrivães, sem estarem, contudo, investidos em tais ofícios pelo Município, e tiram d'esse modo de vida a sua subsistência. Compenetram-se do sentido do pensamento das pessoas que os vão procurar, e redigem, e ali mesmo escrevem, o que se lhes encomenda, e o entregam às partes mediante o preço ajustado segundo o assumpto; por forma tal, que para mandadeiras, cartas amorosas, elogios, discursos, epitáfios, versos, louvores, necrológios, requerimentos, contratos, e tudo mais de qualquer género que exijas d'eles, acham sempre o estilo apropriado; coisa que em parte nenhuma das cidades da Europa vi eu jamais.»
Se Goes nos apresenta aqui os escriturários do Pelourinho estranhos à nomeação oficial, é certo que também os havia de nomeação camarária.

Lisbon. The Largo do Pelourinho [1830]
Painted by Lieut. Col. Robert Batty. Engraved by William Miller 1830. London Published August 1, 1830 by Moon, Boys & Graves. Etching and engraving on chine collé.

Bibliografia
MESQUITA, Alfredo, Lisboa: Perspectivas & Realidades, p. 573, 1903.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XII, pp. 12-34, 1939.
CASTILHO, Júlio de) A Ribeira de Lisboa, 1893.

No comments:

Post a Comment

Web Analytics