Deste Largo do Corpo Santo fala-nos Norberto de Araújo nas suas Peregrinações: «A origem deste nome está no culto de São Telmo, padroeiro dos pescadores, ao qual os devotos chamavam "Corpo Santo"; a imagem venerava-se numa ermidinha quinhentista de Nossa Senhora da Graça que ficava no princípio da Travessa do Cotovelo, já na proximidade do Largo actual, do lado norte. O nome de Corpo Santo passou ao sítio, ao Arco, ao Largo, e ao Convento dos dominicanos.» [ARAÚJO:1939]
Conta Alfredo Mesquita que Trindade Coelho (1861-1908) «Farto de duas horas aborrecidas de intriga na Arcada, e de vêr os fatos de algibebe, entalando os pretendentes da província que por ali enxameiam, bocejando e lendo os cartazes, á espera do "Sr. Ministro"» — mete pela Rua do Arsenal em direcção ao Cais do Sodré, passa o Largo do Corpo Santo «onde, sob um alpendrico de ferro, a Sociedade Protectora dos Animaes metteu ao abrigo do tempo os cavallos e os trens da viação, e entro afinal no Caes do Sodré, passando logo de entrada, em frente da filleira pitoresca das carroças de aluguer, cujas alimarias, cavalicagem de todo o feitio, atreladas, tasquinham á minha esquerda a palha dos ceirões, relinchando, ora um ora outro, ás vezes uns poucos, a alguma egua mais luzidia que passa, trotando, sob um calção de pampilho.»
(MESQUITA, Alfredo, Lisboa, 1903)
Vista sobre o Largo do Corpo Santo [c. 189-] À esquerda, o Arsenal da Marinha Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Ficou célebre, na crónica lisboeta, o Hotel Central ao Cais do Sodré (edifício que se pode ver parcialmente na 1ª foto). Eça de Queiroz aí se hospedou e aí «hospedou» algumas das suas personagens. É o caso de Carlos da Maia, que assomando a uma janela do referido hotel num «dia d'inverno suave e luminosos», se depara com esta vista «sobre o rio, no céu largo, a tarde morria, sem uma aragem, n'uma paz elysea, com nuvenzinhas muito altas, paradas, tocadas de cor de rosa; as terras, os longes da outra banda já se iam afogando n'um vapor aveludado, do tom de violeta; a água jazia liza e luzidia como uma bela chapa d'aço novo; e aqui e alem, pelo vasto ancoradouro, grossos navios de carga, longos paquetes estrangeiros, dois couraçados ingleses, dormiam, com as mastreações imóveis, como tomados de preguiça, cedendo ao afago do clima doce...»
(QUEIROZ, Eça de, Os Maias, 1888)
Largo do Corpo Santo [1935/36 ou 1942/43] À esquerda, junto ao Arsenal da Marinha, o abrigo para animais e carruagens da Sociedade Protectora dos Animais. As datas prováveis para a imagem foram estabelecidas levando em conta os cartazes para a reeleição do General Carmona, afixados na parede do lado direito do edifício que faz esquina com a Rua Bernardino Costa. Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente |
Parabéns pelo excelente blog sobre a História de Lisboa.
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