Sunday, 7 March 2021

Da Praça de Luís de Camões ao Chiado, «capital de Lisboa»

Pode São Bento ter-se convertido no símbolo da Política; o Terreiro do Paço no símbolo da Burocracia; a Rua dos Capelistas no símbolo da Finança; o Chiado alcançou o privilégio de os superar a todos, porque se converteu no símbolo do Bom-Tom. Passando a pontificar na Literatura e na moda, consequentemente os homens de letras passaram a escrever para o Chiado, os janotas a apurar-se para o Chiado, as Senhoras a vestir-se para o Chiado. Mais do que uma rua, ainda que das mais afortunadas de Lisboa, o Chiado tornou-se uma verdadeira instituição nacional  quase que um autêntico Estado dentro do Estado, com o seu Governo, o seu Parlamento, a sua Academia, a sua Catedral. Eça de Queiroz não hesitou mesmo em afirmar: «o que um pequeno número de jornalistas, de políticos, de banqueiros, mundanos decide no Chiado que Portugal seja — é o que Portugal é.»¹


Quem está neste Largo do Chiado — relembra Mário Costa — , pode dar um saltinho até à Praça de Luís de Camões, e é justo que se atreva a essa pressuposta acrobacia, para trazer à lembrança os traços pitorescos que o progresso apagou, a começar na eliminação dos típicos quiosques com venda de refrescos, onde se bebia o melhor capilé de Lisboa. [vd. 3ª imagem]

Da Praça de Luís de Camões ao Chiado, «capital de Lisboa» [séc. XIX]
Largo do Chiado, que já foi Largo das Cavalariças Reais, Largo do Loreto e Largo das Duas Igrejas.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Ajudavam a compor o singelo friso, os esfuziantes vendedores das popularíssimas castanhas assadas no forno — quentes e boas, dé réis vinte! — ; o pictural homem do realejo, acompanhado do urso amestrado, que dançava ao som do toque de pandeireta; a sugestiva tela que conglobava as incomparáveis cenas interpretadas pelos inimitáveis pantomineiros de praça pública  empoleirados em pequena tripeça, fazendo uso do mais cómico palavreado, uma arenga às massas ingénuas — às vezes também desfrutadoras – propagandeando milagrosos produtos, tudo maravilhoso, elixires da longa vida, para fazer crescer o cabelo e extrair calos sem dor, os únicos para tirar as nódoas do fato.

Da Praça de Luís de Camões ao Chiado, «capital de Lisboa» [séc. XIX]
Largo do Chiado, que já foi Largo das Cavalariças Reais, Largo do Loreto e Largo das Duas Igrejas.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

 Foi-se toda essa colorida pintura, muito século XIX, quadros que enterneciam, pela ingenuidade do desenho. Também certo dia se arrancaram os utilíssimos bancos de duas tábuas, que foram o consolo de velhos reformados; e, em nome da civilização, se demoliu outro estilo de quiosque, todo de ferro e em forma cilíndrica, disfarçado por grande biombo, com entrada só para homens. [vd. 3ª imagem]

Da Praça de Luís de Camões ao Chiado, «capital de Lisboa» [1912]
Ao fundo notam-se os antigos bancos de duas tábuas e o desaparecido urinol
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
 
Bibliografia
COSTA, Mário, O Chiado pitoresco e elegante, pp. 90-102, 1987.

1 comment:

  1. Marcio Roberto Leite
    Era muito bonito e limpo, fora a elegância das pessoas bos tempos.

    ReplyDelete

Web Analytics