Iria à noite a Santa Apolónia, e no momento do comboio partir correria à portinhola, a balbuciar fugitivamente uma desculpa; não lhe daria tempo de choramigar, nem de recriminar; um rápido aperto de mão, e adeus, para nunca mais...
Atirou-se para o coupé (...) Ao chegar a Santa Apolónia faltavam, para a partida do expresso, dois
minutos. Precipitou-se para a extremidade da sala, já quase vazia àquela
hora, a comprar uma admissão; e ainda aí esperou uma eternidade, vendo
dentro do postigo duas mãos lentas e moles arranjar laboriosamente os
patacos d'um troco.
Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia [ant. 1900] Largo dos Caminhos de Ferro Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Penetrava enfim na sala de espera — quando esbarrou com o Dâmaso, de
chapéu desabado e sacola de viagem a tiracolo. Dâmaso agarrou-lhe as
mãos, enternecido:
— Ó menino! pois tiveste o incomodo?... E como soubeste tu que eu partia?
Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia [c. 1900] Largo dos Caminhos de Ferro Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Ainda estavam chegando passageiros, esbaforidos, de guarda-pó, com chapeleiras na mão. Os guardas rolavam pachorrentamente as bagagens.(...)
Todas as portinholas agora estavam fechadas, um silêncio caíra sobre a
plataforma. O apito da máquina varou o ar; e o comprido trem, num ruído
seco de freios retesados, começou a rolar, com gente às portinholas, que
ainda se debruçava, estendendo a mão para um último aperto. Aqui e além esvoaçava um lenço branco. (...) O compartimento do correio resvalou, alumiado; e com outro dilacerante silvo o comboio mergulhou na noite...
(QUEIROZ, Eça de, Os Maias», 1888)
Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia [1944] Rua dos Caminhos de Ferro; Largo dos Caminhos de Ferro Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Excelente blogue! Obrigada pela partilha!
ReplyDeleteGrato pelo apreço.
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