Lisboa, ao entrar o século XIX, continuava uma cidade mal equipada no domínio dos transportes populares onde nada se havia inovado ainda. Enquanto as classes mais abastadas, além dos coches, berlindas liteiras que lhe vinham do século anterior, passaram a dispor de novos modelos, mais funcionais, de origem francesa e inglesa, como o phaeton ou o coupé de ville, e a utilizar viaturas de aluguer, seges, traquitanas, trens e calèches, o povo continuaria, ainda por muito tempo, a percorrer diariamente, descalço ou mal calçado, as íngremes ruelas sujas e grosseiramente pavimentadas da capital.
Caleche Manton |1912| Hipódromo de Belém; ao fundo a Capela de S. Jerónimo ou Ermida do Restelo. Filmarte, in Lisboa de Antigamente |
Docker-Phaeton (faetonte) |Início séc. XX| Praça do Comércio (Terreiro do Paço) Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente |
Trem de aluguer da empresa de Eduardo Augusto de Oliveira |c. 1910| Largo da Graça Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Para distâncias maiores serviam-se dos jumentos, próprios ou alugados aos burriqueiros que tinham praça de aluguer de burros, no Campo de Sant'Ana e no Poço do Borratém. Para cargas mais pesadas continuavam a utilizar, como já o faziam os seus antepassados longínquos, carroças de tipo arcaico, com rodas em D e eixo móvel, puxadas por muares; ou carros de bois, com quatro rodas, as populares galeras que transportavam lavadeiras e as suas trouxas de roupa suja.
Carro «chora» durante a greve dos eléctricos |1912| Praça do Comércio (Terreiro do Paço) Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Transporte de Belas para Lisboa |c. 1900| Augusto Bobone, in Lisboa de Antigamente |
São, efectivamente, posteriores ao triunfo do liberalismo em Portugal, os primeiros transportes colectivos urbanos que cruzaram as ruas de Lisboa. Data de 1803 o aparecimento do omnibus, puxado a muares, para a exploração dos quais se constituiu uma Empresa de Transportes com sede na Praça do Pelourinho. No entanto, incómodos, caros e raros, o povo miúdo pouco beneficiou com eles. Verdadeiramente populares e servindo já vastas zonas da cidade foram os seus sucessores, os carros americanos, inaugurados em Lisboa em 1874.
Carlos, no entanto, n’um degrau da tribuna, com a ideia de descobrir o Damaso, sondava de binoculo o recinto das carruagens. A gente, agora, ia dispersando pela collina. As senhoras tinham retomado a immobilidade melancolica, no fundo das caleches, de mãos no regaço. Aqui e além um dog-cart, mal arranjado, dava um trote curto pela relva. N’uma vittoria estavam as duas hespanholas do Eusebiosinho, a Concha e a Carmen, de sombrinhas escarlates. E sujeitos, de mãos atrás das costas, pasmavam para um char-à-bancs a quatro attrelado á Daumont onde, entre uma familia triste, uma ama de lenço de lavradeira dava de mamar a uma creança cheia de rendas. Dous garotos esganiçados passeavam bilhas d’agua fresca. (Eça de Queiroz, ln Os Maias, 1888)
Char-à-bancs do Salazar durante a greve dos eléctricos |1912| Rua Augusta com a Rua da Betesga junto à Camisaria Confiança. Fotografia anónima |
Char-à-bancs do Jacintho durante a greve dos eléctricos |1912| Rua 1º de Maio (Alcântara) Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
O povo utilizava, de preferência, os carros mais baratos e também mais incómodos, como o Carro do Jacintho, o Chora da Empreza Eduardo Jorge ou o Lusitânia,
enorme carroção, onde se apinhavam, como sardinha em canastra. Com eles
carregavam gaiolas com pássaros, capoeiras de galináceos, trouxas de
roupa, transformando os carros em folclóricas feiras ambulantes.
Carro «chora» da empresa Joaquim Simplício (Lisboa-Belas) durante a greve dos eléctricos |1912| Largo de São Domingos Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Carros «chora» a reabastecerem no chafariz do Intendente |ant. 1901| Largo do Intendente Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Os carros americanos primeiro, depois os eléctricos, e a inauguração do comboio de Cascais, permitindo um escoamento mais rápido de pessoas e mercadorias, levaram ao abandono progressivo deste meio de deslocação alfacinha.
A aplicação da tracção eléctrica aos carros americanos que leva ao aparecimento dos carros eléctricos, cuja primeira linha é inaugurada em Lisboa em 1901 e a aplicação do motor de explosão que levará à invenção do automóvel e do camião de carga, facilitando o transportes de passageiros e de cargas, vão introduzir uma verdadeira revolução nos transportes urbanos (...) 1
Carro «Americano» |séc. XIX| Avenida 24 de Julho, antigo Aterro da Boa Vista Chaves Cruz, in Lisboa de Antigamente |
Carros «chora» e «americano» |1909| Largo do Conde Barão; à esq., o Palácio Alvito. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
1 (in O Povo de Lisboa: tipos, ambiente, modos de vida, mercados e feiras, divertimentos, mentalidade, Câmara Municipal de Lisboa, p. XVIII, 1979)
Olá! ... Sou escritor e gostaria de usar a primeira imagem na contra-capa de um livro. Como faço para obter autorização. Trata-se de uma carruagem antiga, um mulher em pé e duas pessoas sentadas. Resposta para laerciojosecandinho@gmail.com
ReplyDeleteTerá de contactar o Arq. Mun. Lisboa (http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/).
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