Numa noite de sábado, 30 de Novembro de 1867, o Theatro da Trindade abria pela primeira vez as suas portas,
nascendo assim aquele que viria a ser, e permaneceu ao longo destes 140
anos, um dos mais importantes e belos Teatros de Lisboa. Alguns anos
depois, em 1888, foi tornada pública a 1.ª edição de «Os Maias», talvez o
mais notável romance de toda a literatura portuguesa. Nele, o seu
autor, Eça de Queiroz, imaginou uma significativa cena passada neste
teatro, «O Sarau do Teatro da Trindade».
Carlos sossegou: e Ega voltou a falar dos inundados do Riba-Tejo e do sarau literário e artístico que em beneficio deles se «ia cometer» no Salão da Trindade... Era uma vasta solenidade oficial. Tenores do parlamento, rouxinóis da literatura, pianistas ornados com o habito de S. Tiago, todo o pessoal canoro e sentimental do constitucionalismo ia entrar em fogo. Os reis assistiam, já se teciam grinaldas de camélias para pendurar na sala.
(QUEIROZ. Eça de, Os Maias, 1888)
Theatro da Trindade [1866]
Largo da Trindade; Rua da Misericórdia; Rua Nova da Trindade
Francesco Rocchini, in Lisboa de Antigamente (BNP)
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Foi no lugar onde antes do Terramoto de 1755 se
situava o Palácio dos Condes de Alva — quando o centro social e cultural
da cidade se situava exactamente nesta área, entre o Chiado e o Bairro Alto — que se ergueu este Salão (de Bailes) da Trindade. Abriu no Carnaval de 1867 com baile de máscaras, mas o Teatro propriamente dito só foi inaugurado em 30 Novembro do mesmo ano, numa estreia
de gala a que compareceu a família real para ver a nata dos actores da época
representar um drama “A Mãe dos Pobres, de Ernesto Biester) e uma comédia em 1 acto “O Xerez da Viscondessa”.
O Teatro da Trindade deve a sua existência à iniciativa do empresário, homem de letras e director teatral Francisco Palha (1824-1890).
Foi ele que em 1866 constituiu uma Sociedade, de que faziam parte o
Duque de Palmela, Ribeiro da Cunha, Frederico Biester e outros,
destinada à construção do
novo teatro, que viria a ser desenhado pelo arq.º Miguel Evaristo de
Lima Pinto. As pinturas do, tecto são de José Procópio, discípulo de Cinatti. Os bustos na fachada do Largo da Trindade são os de Gil Vicente, António Ferreira, Damião de Góis e Sá de Miranda.O Teatro, incluindo edifício, salões e materiais, custou 120 contos.1
Theatro da Trindade [c. 1910]
Rua Nova da Trindade; Largo da Trindade; Rua da Misericórdia
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
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Desde então, a história deste teatro está ligada a alguns dos
acontecimentos culturais mais marcantes na cidade de Lisboa: foi no
salão da Trindade que, em 1879, foi apresentado aos lisboetas o
fonógrafo de Edison ou o relato do explorador Serpa Pinto sobre a sua
travessia de África, foi aqui que actuaram, anos mais tarde, intérpretes
do calibre do violinista Sarrazate e do pianista Viana da Mota (que no Salão da Trindade deu o seu primeiro concerto público, com apenas 12 anos de idade),
foi ainda neste salão que, a partir de 1909, se apostou forte na
exibição de cinema, sendo de registar, em 1914, a exibição da (à época) superprodução, "Quo Vadis", de Enrico Guazzoni (1912).
Teatro da Trindade [1960]
Rua Nova da Trindade; Largo da Trindade; Rua da Misericórdia
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente
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Testemunho de outras épocas, o Trindade transporta consigo a memória de um tempo em que a burguesia alfacinha ia às soirées ao Chiado, a um dos três teatros que ainda hoje se mantêm nessas poucas ruas: o S. Carlos, O S. Luís (então chamado Rainha D. Amélia) e o Trindade. Mas, provavelmente devido à novidade e aos requintes de decoração e apetrechamento, que incluíam um engenhoso sistema de ventilação da sala, o balcão — o primeiro a aparecer numa sala de espectáculos do país — e uma plateia que podia subir até ao nível do palco e assim permitir a realização de bailes, o Trindade rapidamente se transformou no teatro mais chique da capital.2
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1 ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VI, p. 66, 1938.2 teatrotrindade.inatel.pt.
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